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quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

O Diário de Anne Frank [parte 9]

Segunda-feira, 9 de Agosto de 1943
Querida Kitty:
Vou continuar com o boletim. O nosso jantar: o
sr. van Daan é o primeiro a servir-se e serve-se abundantemente
de tudo... isto é, se houver coisas ao seu paladar.
Fala sempre, mete-se em tudo, impinge as suas opiniões
e depois de as ter impingido não há ninguém que lhas
possa modificar. Ai daquele que se atreva a contrariá-lo.
Bufa como um gato... e se alguém se atreve uma vez, não
fica com vontade de repetir. Só ele é que tem opiniões
certas, só ele é que sabe tudo! É um finório, isto não se
lhe pode negar, mas a sua presunção é qualquer coisa de
descomunal.
A ilustre senhora: o melhor seria eu nem falar nela.
Por vezes, principalmente quando está de mau génio, nem
me apetece olhar para ela. Vistas bem as coisas, é quase
sempre ela quem provoca as discussões, mesmo que não
sejam sobre a sua pessoa. Por amor de Deus, isso não!
Todos evitam zangar-se com ela. Mas o que eu queria
dizer é que a sra. van Daan provoca as discussões. Provocar,
sim, esta arte conhece-a a fundo! Provocar a sra. Frank
e a Anne! Com o pai e com a Margot a coisa já é mais
difícil, porque eles não lhe dão motivo.

à mesa, a sra. van Daan não fica nunca em desvantagem,
embora imagine que fica. As batatas mais pequenas, os
pedaços mais delicados, apanhar sempre o melhor, é esta
a sua divisa! Os outros que se arranjem. O essencial é que
ela tenha conseguido aquilo que queria! E nunca mais
se cala!
Tanto se lhe dá como se lhe deu se as pessoas estão
a ouvir ou não interessadas. Está convencida de que as suas
palavras douradas são um gozo para toda a gente. Sempre a sorrir com "coquetterie", pretende
saber
todas as coisas, dá, maternalmente, conselhos e pensa que
está a causar a melhor das impressões. Mas examinando-a
bem, descobre-se logo que atrás de tudo aquilo há muito
pouca coisa.
característica número 1 - aplicação. Segundo - alegria. Número 3 - "coquecterie". E por vezes
boa apresentação. Petronella
van Daan.
O terceiro companheiro de mesa, o jovem sr. van Daan,
refila pouco. i não chama a atenção sobre si.
O seu estômago deve ser uma espécie de tonel das
Danaides, pois mesmo quando a comida é forte e depois
de ter consumido uma porção fantástica, afirma, com a
cara mais séria deste mundo, que teria sido capaz de comer
o dobro.
o quarto é a Margot. Fala pouco e come como um passarinho.
As únicas coisas que lhe escorregam bem pela garganta
abaixo são hortaliças e frutas. "Amimalhada", é a
sentença dos van Daans. Mas a nossa opinião é outra:
"Falta de ar e de movimento".
Ao lado a mãe. Come bem, fala muito e com gosto.
Ninguém a tomaria por dona de casa como à sra. van Daan.
E porquê? Porque a ilustre senhora é que cozinha e a
mãe só limpa e lava a louça.
Somos 6 e : a respeito do pai e de mim não vou dizer
muita coisa. O Pim é o mais modesto de todos à mesa.
Olha primeiro à sua volta, a ver se os outros estão bem
servidos. Não necessita de nada em especial e tudo o que
é bom vai para as filhas. É o exemplo da bondade e da
grandeza de alma... e ao seu lado fica sentado o feixe de
nervos do anexo!
O sr. Dussel: serve-se mas não olha para ninguém.
come e não fala. Mas se é absolutamente indispensável
falar, então escolhe o tema "comida" por ser um tema
que não provoca conflitos, quando muito dará lugar a
algumas fanfarronices. Consegue engolir porções gigantescas,
nunca diz que não, tanto faz que a comida seja
boa como má. Puxa as calças demasiado para cima, usa
um colete vermelho e chinelos pretos e sobre o nariz
pousam-lhe uns óculos de armação escura. É assim que se
apresenta na mesa de trabalho, às refeições, durante a sesta e quando vai ao seu lugar favorito,
uma, duas, Três, quatro ou cinco vezes por dia está algum de nós em frente da porta do W.C.
saltando de impaciência de um pé para o outro, quase sem poder esperar mais.
Julgas que isso o comove? Nem pensar em tal! Podem
registrar-se sessões dessas das sete e um quarto às sete e
meia, da meia-hora à uma, das duas às duas e um quarto,
das quatro às quatro e um quarto, das seis às seis e um
quarto e das onze e meia à meia-noite. Disso não desiste
e nem a voz mais suplicante, a profetizar um acidente,
o pode comover.
Um outro, não é pròpriamente um membro da família
do anexo, mas companheira de casa e de mesa, a Elli.
Tem bom apetite, não é esquisita e nunca deixa ficar
restos no prato. Fica contente com a coisa mais insignificante
e dá-nos também prazer com isso. Está sempre
alegre e de bom humor, é prestável e simpática, enfim
só tem boas qualidades.
Tua Anne.

Terça-feira, 10 de Agosto de 1943
Querida Kitty:
Uma ideia nova! Converso à mesa mais comigo própria
do que com os outros, o que tem duas vantagens: provàvelmente
todos ficam contentes quando falo pouco e, além
disso, não preciso de me aborrecer com as opiniões dos
outros. Como acho as opiniões dos outros quase sempre
tolas e só as minhas certas, o melhor é não dizer nada.
Da mesma maneira procedo quando há uma comida de
que não gosto. Imagino que aquilo é muito bom, finjo
mesmo que assim penso, e antes que consiga refletir, já
engoli tudo. Pela manhã quando me levanto - outra coisa
desagradável - salto da cama e digo para comigo:
"Vais-te já deitar outra vez". Tiro os cortinados escuros da
camuflagem, respiro um pouco de ar fresco pelas fendas
até ficar bem acordada. Quando depois tiro as roupas da
cama, já não sinto a tentação de deitar-me.
Sabes como a mãe chama a isto? "A arte de viver".
Uma expressão patusca, não achas?
Há uma semana que não sabemos as horas exatas,
porque levaram o nosso tão querido e fiel sino da torre
Oeste. Supomos que querem transformá-lo num canhão.
Quase nunca sabemos que horas são. Espero que descubram
alguma coisa que nos indique o tempo e substitua também
o lindo som. É preciso que o quarteirão não sinta tanto
a falta do seu sino.
Seja como for que eu esteja, lá em cima ou cá em
baixo, todos olham sempre com admiração para os meus
pés. É que os meus pés ostentam sapatos novos. A Miep
conseguiu comprá-los em segunda mão por vinte e sete
florins e meio. São de camurça cor de vinho e têm um salto
largo e bastante alto. É como se fossem umas andas e pareço ainda mais alta do que sou. Ontem
tive pouca
sorte. Piquei-me no polegar direito com uma agulha grossa.
Não pude descascar as batatas, e a Margot teve de fazê-lo
por mim. Depois dei com a testa contra a porta do armário
e tão forte foi a pancada que quase caí ao chão. E como
aquilo não se passou sem estrondo, apanhei um raspanete
ainda por cima. Não pude refrescar a testa porque estávamos
proibidos de abrir as torneiras. Agora ando com um
galo enorme sobre o olho direito. E para cúmulo entalei
o dedo pequeno do pé direito no aspirador. Mas as minhas
outras dores eram já tão grandes que não liguei a esta
nova. Fui tola porque a ferida infectou, tenho de andar
com o pé ligado... e não posso calçar os meus lindos sapatos.
O Dussel fez-nos indiretamente correr perigo de vida.
Pediu à Miep-que nada sabia destas coisas - para lhe
trazer um livro que está proibido, um panfleto contra
Hitler e Mussolini. Precisamente esta manhã uma moto
das SS esbarrou contra a bicicleta dela. Ela perdeu a
cabeça e gritou-lhes: "Patifes!", mas, felizmente,
pôs-se a andar. O melhor é a gente não imaginar o que teria
acontecido se a tivessem levado ao posto da polícia.
Tua Anne.

Quarta-feira, 18 de Agosto de 1943
Querida Kitty:
Hoje vou descrever-te o nosso dever quotidiano de descascar
as batatas.
Um de nós vai buscar os jornais (para as cascas), outro
as facas (e, evidentemente, fica para si com a melhor),
outro traz as batatas e o último, um panelão com água.
O sr. Dussel começa, descasca bastante mal, mas, sem
interrupção, olha, de vez em quando, para a direita e
para a esquerda, porque quer verificar se os outros
trabalham tão bem como ele. Chega à conclusão de que isso
não sucede.
-Anne, não vês? Eu pego na faca assim, e descasco
de cima para baixo. Não, assim não! Olha, assim é que
deve ser!
-Acho o meu modo mais cômodo - ouso dizer finalmente.
-Olha que como eu faço é melhor, podes crer. Mas,
afinal, que me importa a mim? Faze como entenderes.
Continuamos a descascar. Olho de esguelha para o
meu vizinho da esquerda. Está a abanar a cabeça, por
minha causa, suponho. Mas não me diz nada. Continuo
a descascar. Depois olho para o pai que está em frente
de mim. Para ele, descascar batatas não é uma brincadeira
mas sim um trabalho de precisão. Quando o pai está a
ler, tem uma ruga profunda na testa, mas quando descasca
batatas ou quando ajuda a preparar a hortaliça,
então dá a impressão de ser impermeável a tudo o que
acontece à sua volta. Nestas ocasiões põe a sua cara "para
batatas", e nunca entregará uma só que não esteja descascada
impecàvelmente. Com uma cara assim também
seria impossível não se fazer coisa perfeita, e era Ele sempre a trabalhar. levanto os olhos de
quando
em quando, e sei logo tudo, Não tira os olhos dele, mas
chama sobre si a atenção do Dussel, pisca-lhe os olhos.
ele Finge não dar por nada. Depois ela como que pensa
- bem, isto não está mau. - E Ele continua a descascar. Ela
ri-se, mas também não deixa de descascar. A sra. van Daan diz: - Porque não pões o avental?
-Não me sujo.
E ela continua a cismar.
- Porque não te sentas?
-Estou muito bem assim, gosto de estar de pé.
Novo silêncio.
- Putti, vês, agora fizeste saltar a água.
- Está bem, Mammi, hei-de ter mais cautela.
E ela a inventar outro tema.
-Oh, Putti, dize lá, porque é que os ingleses deixaram
de bombardear?
-por causa do mau tempo, suponho.
-Mas ontem esteve bom tempo e eles não vieram.
-E se falássemos de outras coisas?
-Mas porque não há de a gente falar sobre isto?
-Porque não.
-Mas porquê?
-Cala-te Mammi!
-O Frank nunca deixa de responder à mulher quando ela quer saber alguma coisa.
O sr. van Daan não responde.
ela retoma a conversa Depois de uns minutos de silêncio:
- Nunca mais fazem a invasão.
O marido fica vermelho de raiva. Ela bem o vê e cora.
Agora a bomba rebenta:
- Cala a boca! Caramba, caramba.
Eu nem olho para ninguém. Minha mãe mal pôde esconder o riso
Cenas destas ou semelhantes repetem-se quase todos os dias, a não ser que o casal esteja
amuado, o que é de grande vantagem, porque, ao menos, não diz nada.
Tenho de ir ao sótão buscar mais batatas. Vejo o
Peter a catar o gato. Quando me aproximo, ele ergue os
olhos. O gato, ao perceber que não está preso, dá um pulo
e foge pela janela. O Peter roga pragas, eu rio e desapareço.
Tua Anne.

Sexta-feira, 20 de Agosto de 1943
Querida Kitty:
às cinco e meia em ponto os operários saem do armazém
e a nossa liberdade recomeça.
Quando a Elli sobe, sabemos que já não há perigo e
começamos a mexer-nos à vontade. Quase sempre vou
com ela para cima, onde ficou guardada uma lambarice.
Mal a Elli se senta, logo a sra. van Daan começa a
enumerar os seus desejos:
- Ai, Elli!, eu gostava tanto de...
A Elli pisca-me os olhos. É raro alguém do escritório
aparecer lá em cima sem que a sra. van Daan deixe de ter
algum desejo. É esta a razão por que ninguém gosta de
subir até ao andar dos van Daans.
Seis menos um quarto. A Elli deixa-nos e eu vou descer
à cozinha, depois entro no escritório particular, abro a
porta da carvoeira ao Mouchi, que quer ir para lá caçar
ratos. Por fim vou ao escritório do sr. Kraler, onde o
sr. van Daan está a examinar as pastas e as gavetas para
ver a correspondência do dia. O Peter vai buscar a chave
do armazém e também o Bochi. O Pim leva a máquina
de escrever para cima. A Margot procura um sítio calmo
para se entregar aos trabalhos do escritório. A sra. van Daan
põe um panelão de água a ferver; a mãe está a descer
com uma panela de batatas. Cada um cumpre a sua
obrigação.
O Peter volta do sótão. A sua primeira pergunta é
se não se esqueceram de pôr o nosso pão no escritório do
Kraler. Esqueceram-se! Então ele não tem outro remédio
senão ir procurá-lo no escritório grande. Gatinha como
os bebês para que ninguém de fora o possa ver. Abre o
armário, tira o pão e desaparece, isto é, quer desaparecer, mas durante aquele passeio, o Mouchi
saltou por cima dele e depois escondeu-se debaixo da escrivaninha. O Peter
procura em todos os cantinhos. Por fim, descobre o gato.
Sempre de gatinhas procura apanhar o bicho pelo rabo.
O gato bufa, o Peter suspira. Mouchi senta-se à janela e
lambe o pêlo. Como última tentativa, o Peter estende-lhe
um pedaço de pão. E agora a coisa dá resultado. Mouchi
deixa-se "levar", vai atrás dele, e a porta pode fechar-se.
Eu estive a observar todo o espetáculo através de
uma frincha. Depois voltei ao meu trabalho. Tac, tac, tac!
Bater três vezes, é sinal de que o jantar está pronto!
Tua Anne.

Segunda-feira, 23 de Agosto de 1943
Querida Kitty:
Continuação do boletim:-O relógio dá as nove horas
da manhã. A mãe e a Margot estão nervosas.
- Ghut! Pai... Otto, chut... Pim! São nove horas,
fecha a torneira!
-Não pises o chão dessa maneira!
É assim que avisam o pai, que ainda está no quarto
de banho. às oito e meia ele tem de estar no quarto.
E nem mais uma gota de água! Não utilizar o W. C, não
andar de um lado para o outro, silêncio absoluto. Se ainda
não houver gente no escritório, os ruídos ainda ecoam
mais fortes no armazém.
Lá em cima, os van Daans abrem a porta e batem
três vezes no chão:
-A papinha para a Anne está pronta!
Subo num instante para ir buscar a minha tijelinha
de cachorro. Depois ando numa roda viva: pentear, despejar
o "vaso", pôr a roupa da cama no sítio. E silêncio,
o relógio deu horas!
A sra. van Daan ainda se arrasta de chinelos pelo
quarto, e o marido também. Depois não se ouve mais nada.
Se cá estivesses podias agora presenciar uma linda
cena familiar. Eu começo a ler ou a escrever. Também
a Margot e os pais gostam de aproveitar esta meia hora
de calma para a leitura. O pai pega, já se vê, no seu querido
Dickens e senta-se na borda da cama que range sempre
e que tem colchões que já nem o nome de colchões merecem.
Os dois "edredons" que lhe queremos dar, recusa-os :
-Não preciso. Assim estou muito bem.
Uma vez pegado na leitura, já não se interessa por
mais nada. Por vezes ri-se, procura ler baixinho uma
passagem à mãe. Mas ela diz :
-Agora não, por favor. Não tenho tempo.
Ele fica um bocadinho desapontado. Mas logo que
descobre outra passagem engraçada, tenta novamente:
-Mãezinha, isto tens de ouvir!
A mãe está na cama de armar, lê, costura, faz malhas
e estuda um bocado. De repente ocorre-lhe uma ideia e
ela não pode guardá-la:
-Anne, sabes... Margot, toma nota.
Uns minutos de silêncio. Depois a Margot fecha ruidosamente
o seu livro. O pai cerra as sobrancelhas num arco
muito patusco, mas logo a seguir aparece a ruga de leitura,
sinal de que ele está mergulhado no livro. A mãe, então,
começa a conversar baixinho com a Margot. Curiosa,
escuto.
Por fim o Pim também escuta... Nove horas. Pequeno
almoço!
Tua Anne.

Sexta-feira, 10de Setembro de 1943
Querida Kitty:
Quase sempre que te escrevo, alguma coisa aconteceu
e, de um modo geral, alguma coisa desagradável. Mas
desta vez posso contar-te um acontecimento simpático.
Na quarta-feira (8 de Setembro) estávamos todos, às
sete horas da tarde, a ouvir rádio.
-Here follows the best news of the whole war. Italy
has capitulated!
A Itália capitulou incondicionalmente.
às oito começou a emissora de Orange :
- Ouvintes! Depois de eu, há uma hora, ter lido as
notícias do dia, recebemos a maravilhosa notícia da capitulação incondicional da Itália! Deitei ao
cesto dos papéis com o maior prazer as notícias ultrapassadas.
Tocaram "God save the king", "Star spangled banner"
e também a "Internacional". A emissora de Orange foi,
como de costume, animadora, mas não demasiadamente
otimista.
Estamos preocupados por causa do sr. Koophuis. Como
sabes, gostamos todos muito dele. Embora esteja adoentado
e tenha dores, e embora não possa comer grande coisa e
tenha de ter muita cautela consigo, continua sempre
animado, amável e admiràvelmente corajoso.
-Quando o sr. Koophuis entra, nasce o Sol - costuma
dizer minha mãe e tem muita razão. Agora tem de ser
operado aos intestinos e não pode aparecer durante quatro
semanas. Havias de ver quando se despediu. Não como
alguém que vai ser operado, mas como se simplesmente
saísse para fazer compras.
Tua Anne.


Quinta-feira, 16 de Setembro de 1943
Querida Kitty:
à medida que o tempo vai passando, mais mal se vão
dando as pessoas umas com as outras. Quase já ninguém
ousa abrir a boca à mesa (a não ser para meter a
comida), pois tudo o que se diz é levado a mal ou mal
entendido. Eu, por mim, engulo todos os dias "Valeriana-Dispert" por causa das depressões, mas
isto não me impede de me sentir ainda mais mal disposta no dia seguinte.
Ai, se pudesse rir, só uma vez, rir de todo o coração,
seria melhor remédio do que dez dessas pastilhas brancas.
Mas já nem sabemos o que é rir assim. Por vezes tenho
receio de ficar muito feia depois de sair daqui e vejo-me
com uma boca comprimida e rugas de preocupações.
Os outros não se sentem melhor do que eu : todos aguardam
o Inverno com medo.
Mais uma coisa pouco animadora : um dos homens
do armazém, um certo M., ficou desconfiado a respeito
do anexo. Isto podia não ter grande importância se ele
não fosse tão curioso e se se deixasse convencer fàcilmente.
Também não sabemos a que ponto é de confiança.
Um dia o sr. Kraler quis ser mais cauteloso: à uma
hora menos dez pegou no chapéu e na bengala, saiu e
entrou na drogaria da esquina. Cinco minutos depois
voltou e subiu, com mil cautelas, como um ladrão, a
escada do anexo. à uma e um quarto quis ir-se embora,
mas encontrou a Elli, que o impediu, porque o tal M.
estava no escritório. Kraler voltou para cima e ficou até
à uma e meia. Depois descalçou os sapatos, pegou neles na mão e, em meias, caminhou até à
porta do sótão, pisou
cautelosamente os degraus e depois voltou da rua para
o escritório. A Elli que conseguira, entretanto, despachar
o M. do escritório, veio para avisar o Kraler. Mas este
já estava a fazer as suas acrobacias na escada. O que
terão pensado as pessoas na rua que o viram calçar as
botas?
Tua Anne.

Quarta-feira, 29 de Setembro de 1943
Querida Kitty:
A sra. van Daan faz anos. Oferecemos-lhe, além de
- um bónus para queijo, carne e pão, um frasco de compota.
O marido, o Dussel e os nossos queridos protetores também lhe ofereceram, além de flores,
coisas de comer.
Sinal dos tempos!
Esta semana a Elli teve uma crise de nervos. Tem de[
andar sempre de um lado para o outro para ir buscar
isto ou aquilo, muitas vezes mandam-na trocar as coisas
por ela se ter enganado. E se a gente se lembra de que ela
tem muito que fazer no escritório, que o Koophuis está
doente e a Miep na cama por causa de uma constipação,
que ela própria torceu um pé, que tem aflições por causa
do namorado de quem o pai não gosta, não é difícil imaginar que já não aguenta mais.
Consolamo-la e pedimos-lhe
que, sempre que não tiver tempo para nós, no-lo diga
calma e friamente. Assim, ao menos, a lista das compras
ficará diminuída.
Deve ter havido sarilho com os van Daans. O pai
anda furioso, mas não sei porquê. Vai haver zaragata,
com certeza. Quem me dera estar longe daqui, quem me
dera poder fugir! Aquela gente dá cabo de nós!
Tua Anne.

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