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quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

O Diário de Anne Frankl [parte 8]

Sexta-feira, 16 de Julho de 1943
Querida Kitty:
Outra vez ladrões, mas desta vez a valer! Da parte
da manhã o Peter foi, como sempre, ao armazém e verificou
que as portas do armazém e da rua estavam abertas.
Foi logo ter com o Pim que, antes de mais nada, ligou
o rádio para a emissora alemã e fechou a porta. Depois
os dois vieram para cima. As ordens, num caso destes,
são : não abrir as torneiras, não andar pela casa, estar
vestido e arranjado às oito horas, não utilizar o W.C.
Estávamos contentes por não termos dado por nada durante
a noite, pois, pelo menos, dormimos bem. Só às onze
e meia é que chegou o sr. Koophuis e contou que os
ladrões conseguiram abrir a porta exterior com uma
alavanca para em seguida arrombar a porta do armazém.
Viram logo que no armazém não havia nada que valesse
a pena roubar e então tentaram a sorte no andar de cima.
Levaram a caixa do dinheiro com quarenta florins e os
livros de cheques em branco, mas o pior é que lhes caíram
nas mãos todas as senhas do racionamento do açúcar,
de mais ou menos 1,50 quilos.

O sr. Koophuis supõe que se tratava dos mesmos
ladrões que tentaram, há seis semanas, arrombar uma das
portas. Nessa altura não o tinham conseguido. Ficamos
todos bastante aflitos. Parece que cá no anexo não se pode
passar sem acontecimentos sensacionais. Ainda bem que
as máquinas de escrever e a caixa, grande estavam cá
em cima onde, aliás, as guardamos todas as noites.
Tua Anne.

Segunda-feira, 19 de Julho de 1943
Querida Kitty:
No domingo, o Porto de Amsterdã foi terrivelmente
bombardeado. Dizem que as destruições são medonhas.
Ruas inteiras estão transformadas em montões de entulho
e ainda hão de passar-se muitos dias sem se terem encontrado
todos os cadáveres. Até agora contam-se duzentos
mortos e inúmeros feridos. Os hospitais estão apinhados.
Crianças vagueiam entre as ruínas à procura dos pais.
Ainda agora estremeço ao lembrar-me do estampido das
explosões e do ruído surdo das derrocadas que nos prediziam
toda esta destruição.
Tua Anne.

Sexta-feira, 23 de Julho de 1943
Querida Kitty :
Elli descobriu uma loja onde ainda se vendem, sem
talões, cadernos e livros de escritório para a Margot,
que está a aprender contabilidade. Mas não queiras saber
o aspecto dos cadernos : papel cinzento com linhas tortas
e só com doze folhas. E caros como fogo!
Agora hás de divertir-te um bocado. Vou contar-te o
que cada um de nós deseja em primeiro lugar quando
estiver em liberdade.
A Margot e o sr. Daan gostavam de tomar um banho
quente, numa banheira cheia até cima e ficar lá dentro,
pelo menos, uma meia hora. A sra. van Daan quer ir
direitinha a uma confeitaria e comer torta. O Dussel não
pode pensar em outra coisa senão na sua mulher e na
Lottinha; a mãe tem saudades de uma chávena de café.
O pai quer visitar, antes de mais nada, o sr. Vossen; o
Peter pensa em ir logo ao centro da cidade e ao cinema
-e eu? Acho que de tanta felicidade nem era capaz de
saber o que havia de fazer primeiro.
Parece que o meu maior desejo é voltar à nossa casa,
onde posso estar à vontade, onde faço o que me apetece.
Queria também ser orientada nos estudos, isto é: queria
ir para a escola!
A Elli tem possibilidades de arranjar fruta no mercado
" negro". Mas os preços não são brincadeira nenhuma:
uvas, cinco florins, groselhas, setenta cent., um pêssego
cinquenta cent., um quilo de melão, um florim. Isto,
apesar de nos jornais se ler todos os dias: "Qualquer subida
de preços é considerada como especulação".
Tua Anne.

Segunda-feira, 26 de Julho de 1943
Querida Kitty:
O dia de ontem foi bastante tumultuoso e ainda estamos
excitados. Com certeza gostavas de perguntar se não
é possível passar-se aqui um único dia sem aflições.
Estávamos sentados à mesa e a tomar o pequeno almoço
quando as sereias deram o primeiro alarme. Isto não nos
incomoda grande coisa porque quer dizer apenas que os
aviões inimigos se estão a aproximar da costa. Depois do
pequeno almoço deitei-me de novo na cama. Tinha terríveis
dores de cabeça. Eram aí duas horas quando
vim para baixo. às duas e meia a Margot terminou os
trabalhos para o escritório. Ainda não tinha arrumado
as coisas quando se ouviu de novo o toque de alarme,
mas desta vez mais forte. Subimos num instante a escada
e não foi sem tempo, pois cinco minutos mais tarde o
barulho tornou-se medonho. Resolvemos refugiar-nos no
nosso cantinho de "abrigo" no corredor. A casa tremia.
Ouvimos nitidamente o cair das bombas. Apertei a minha
malinha debaixo do braço, mais para sentir algum amparo
do que para fugir.
Depois de uma boa meia hora os aviões foram rareando
e toda a gente da casa começou a sair dos seus esconderijos.
O Peter desceu do seu posto de observação nas águas-furtadas, o sr. Dussel estivera no grande
escritório, a sra. van Daan achara que só no escritório particular estaria em segurança e o sr. van
Daan observara o espetáculo lá do alto do sótão. Só nós tínhamos ficado no cantinho de
"abrigo". Agora subimos todos para o andar de cima donde víamos nitidamente as nuvens de
fumo sobre o porto de Amsterdã. Em breve chegou até nós o cheiro a queimado: era o
incêndio. Tive a impressão de que um nevoeiro espesso envolvia a cidade. Um incêndio assim
não é um espetáculo agradável. Cada um de nós voltou ao seu trabalho, contente por ter
escapado. à hora do jantar, outra vez alarme. Estávamos a comer umas coisas boas mas eu perdi
o apetite logo que ouvi o terrível uivar das sereias. Tudo, porém, ficou calmo e três quartos de
hora depois deram sinal de fim do alarme. Mas mal tínhamos lavado a louça, tudo recomeçou :
alarme, estampidos horríveis, muitos, muitos aviões por cima de nós. Pensamos : "céus! Isto
agora já passa das marcas!".
Mas ninguém queria saber o que nós pensávamos. Choveram
bombas sobre bombas, desta vez do outro lado
(no Schiphol). Foram os ingleses que deram a notícia.
Os aviões mergulhavam, subiam. O ar parecia vibrar.
Tive receio de que algum caísse por cima de mim.
Podes crer, já nem me segurava nas pernas quando
às nove horas fui para a cama.
à meia-noite em ponto, aviões! O Dussel estava precisamente
a despir-se. Eu quis lá saber. à primeira explosão
saltei cama fora. Duas horas de voos constantes e, por isso,
fiquei na cama do pai. Só depois, quando já não se ouvia mais
nada, voltei para o meu quarto. às duas e meia adormeci.
Sete horas. Acordei num sobressalto. O sr. van Daan
estava no quarto do pai. "Tudo", ouvi-lhe dizer. "Pronto,
ladrões", pensei e imaginei logo que nos tinham roubado
tudo. Mas não! Seguiu-se um relatório como não tínhamos
ouvido há meses, talvez mesmo durante toda esta guerra:
Mussolini caiu, o rei da Itália tomou conta do governo.
Ficamos radiantes. Depois do susto de ontem, enfim
alguma coisa de bom e... um pouco de esperança! Esperança
do fim. Esperança da paz!
Chegou o Kraler e contou que Fokker está muito destruído.
Entretanto, tivemos também outro alarme, de noite.
Vieram muitos aviões e depois outra vez alarme. Parece
que sufoco com tantos alarmes aéreos, não durmo o suficiente
e não consigo trabalhar como deve ser. Mas agora
a ansiedade e a esperança de que esteja a chegar o fim
de tudo isto, fazem com que não desanimemos. Oxalá
tudo acabe ainda este ano.
Tua Anne.
Quinta-feira, 29 de Julho de 1943
Querida Kitty:
A sra. van Daan, o Dussel e eu estávamos a lavar a
louça e, o que acontece raras vezes e que eles devem também
ter estranhado, eu estava excepcionalmente silenciosa.
Para evitar perguntas, procurei um tema neutro e, por
fim, comecei a palrar sobre o livro Henri van den O Cerkant.
Mas enganei-me nos cálculos. Se não é a sra. van
Daan que me diz das suas, então é com certeza o Dussel.
É que a coisa foi esta: o Dussel tinha-nos recomendado
o livro como uma coisa extraordinária. Mas nem a Margot
nem eu lhe encontramos nada de especial. A figura do
rapaz está bem descrita, mas o resto... é melhor não
falar nisso. Enfim, eu disse-lhe o que pensava do livro.
Havias de ouvi-lo :
-O que é que sabes tu afinal da psicologia de um
homem? Se o livro tratasse de uma criança, vá lá. És
nova de mais para compreenderes um livro destes. Nem
um jovem de vinte anos o entende bem. (Só gostava de
saber porque é que ele tanto nos recomendou o livro).
E agora desataram ambos a atacar-me :
-Sabes coisas de mais, coisas que ainda não te dizem
respeito. Tiveste uma educação errada. Mais tarde não
te contentarás com coisíssima nenhuma. Hás de dizer:
"aquilo? Já o li há uns anos num livro". Apressa-te se
ainda queres apanhar um marido ou se queres apaixonar-te.
Se calhar só hás de encontrar defeitos em toda
a gente! Sabes muita coisa em teoria, mas na prática
tudo é diferente.
Parece que eles pensam que é boa educação incitarem-me
contra os meus pais. Gostam disso. Acham também que
é um método excelente não falar com uma rapariga da minha idade sobre "assuntos de adultos".
Ora os resultados de uma educação assim são sempre desastrosos!
Apeteceu-me dar-lhes na cara pelas suas manias ridículas.
Fervi de raiva. Ah! se pudesse começar a contar
os dias que faltam para me ver livre deles! A sra. van Daan,
que encanto!... é que me deve servir de exemplo! Sim,
de exemplo... daquilo que se não deve ser!
Todos o sabem: ela é impertinente, egoísta, espertalhona,
interesseira e nunca está satisfeita. Eu podia escrever
livros sobre esta senhora, e quem sabe se não o farei
um dia. O seu "verniz" estala com facilidade. Ela faz-se
simpática e amável, principalmente junto dos homens.
Mas isso não passa de um "bluff"! A mãe acha-a estúpida
de mais e que nem vale a pena perder palavras com
ela. A Margot acha-a insignificante. O Pim diz que é
feia, física e moralmente, e eu percebi depois de a ter
observado -pois não tenho preconceitos - que todas essas
opiniões estão certas, mais do que certas! Tem tantas
qualidades más que nem sei a qual delas havia de dar
o primeiro lugar.
Tua Anne.
P. S. Peço à querida leitora que se não esqueça de que
esta carta foi escrita com raiva ainda não esfriada!

Terça-feira, 3 de Agosto de 1943
Querida Kitty:
Politicamente, tudo vai às mil maravilhas. Na Itália
proibiram o partido fascista. Em várias regiões o povo
bate-se contra os fascistas. Até os soldados tomam parte.
Como querem que um povo assim ainda se ponha a lutar
contra a Inglaterra!
Pela terceira vez a cidade foi violentamente bombardeada. Cerrei os dentes e disse para comigo:
"Coragem!".
A sra. van Daan que até agora sempre dizia: "É melhor
acabarem os sustos de uma vez do que ficar à espera indefinidamente", é agora a mais cobarde
de todos. Hoje de
manhã tremia como varas verdes e depois desatou a chorar.
O marido, com quem depois de uma semana de vida de cão e gato acabou por fazer as pazes,
acalmou-a carinhosamente. A gente ia ficando quase sentimental perante aquela linda cena.
A propósito de gatos. Afinal não são apenas úteis.
A Mouchi deu-nos a prova disso. Andamos todos com pulgas,
e a praga torna-se, de dia para dia, mais insuportável.
O sr. Koophuis espalhou por toda a parte um pó amarelo
que parece não ter efeito algum sobre as pulgas. Já andamos todos nervosos. Não nos
conseguimos abstrair disso,
sentimos os bichinhos a correr pelos braços, pelas pernas
e por toda a parte do corpo. A gente exibe-se com os
movimentos mais cômicos deste Mundo, procurando caçar
os minúsculos verdugos. Mas todo o movimento nos causa
embaraço. Falta-nos o jeito porque fazemos pouca ginástica
e já não temos o corpo flexível.
Tua Anne.


Quarta-feira, 2 de Agosto de 1943
Querida Kitty:
Depois de passarmos mais de um ano fechados no
anexo, já estás bem informada sobre a nossa vida. Há
coisas que dificilmente se conseguem escrever. Tudo é
tão complicado e diferente da vida em liberdade! Mas
para que possas fazer melhor ideia, vou contar-te de
vez em quando aquilo que acontece regularmente todos os
dias. Hoje vou começar pelo fim do dia.
às nove horas toda a gente começa a fazer os preparativos
para se deitar. Puxam-se cadeiras, vão-se buscar
as roupas das camas, estendem-se os cobertores. Realmente
nada fica onde estava durante o dia. Eu durmo
no pequeno sofá que tem mais ou menos metro e meio
e preciso de cadeiras para o prolongar. Durante o dia o
meu "edredon", os cobertores, o travesseiro e os lençóis
guardam-se na cama do Dussel.
No quarto ao lado ouve-se chiar e ranger: a cama
da Margot é "armada". E de novo surgem cobertores e
almofadões, sabe-se lá de onde.
Podia julgar-se que estava a trovejar se não se soubesse
que é a cama da sra. van Daan que está agora a ser arrastada
para a janela. "Sua Majestade", de "liseuse" cor-de-rosa,
tem de respirar, através do seu belo narizinho, o
ozone fresco junto da janela.
Depois de o Peter estar arranjado-mais ou menos
às nove horas- entro eu no "quarto de banho" para me
lavar minuciosamente, e então uma pulguinha perde,
não raras vezes, a sua vida. Depois lavo os dentes, ponho
os "bigoudis", arranjo as unhas e trato de outros pequenos
segredos da toilette... e tudo isto numa escassa meia hora.
às nove e meia meto-me no roupão de banho, saio ràpidamente, levando o sabão, os alfinetes,
bigoudis, algodão em rama!, etc., e a roupa sobre o braço. Mas muitas vezes sou chamada para
voltar atrás, por ter enfeitado o lavatório com um ou outro dos meus lindos cabelos pretos, o que,
pelos vistos, não agrada ao meu sucessor.
Dez horas: apagam-se as luzes. Boa-noite. Durante um
quarto de hora ainda se ouve o ranger das camas e os
suspiros das molas escangalhadas. Depois tudo é silêncio,
pelo menos quando lá em cima não há discussão conjugal.
às onze e meia abre-se a porta do "quarto de banho."
Um magro raio de luz, um arrastar de sapatos. ívelum
roupão largo, largo de mais para aquela figura, entra o
Dussel, que tinha estado a trabalhar no escritório do Kraler.
Durante dez minutos anda às furtadelas, mexe com
papéis, anda a esconder as guloseimas, arranja a cama,
desaparece de novo e, de tempos a tempos, ouvem-se
ruídos suspeitos no W.C.
às três horas tenho eu de me levantar para fazer uma
coisa que ninguém pode fazer por mim. Debaixo da lata,
que serve para isso, há um bocado de tapete de borracha
para todas as eventualidades, pois a lata pode começar
a verter. Retenho de todas as vezes a respiração para apreciar
o ruído; parece-me ouvir correr um ribeirinho sobre
calhaus. E depois a figurinha branca que ouve troçar a
Margot noite após noite: "Oh, que camisa tão imoral!",
torna a desaparecer debaixo dos cobertores.
Durante um quarto de hora escuto ainda os ruídos noturnos.
Primeiro : lá em baixo não estará algum ladrão?
Depois concentro a minha atenção nos ruídos dos vizinhos
de cima, do lado e do que está junto de mim. Por eles
podia fazer-se um resumo de temperamentos. Alguns
estão pesadamente ferrados no sono, outros estão meio
acordados, o que não é coisa agradável, quando se trata
do sr. Dussel. Primeiro dá a impressão de um peixe que
procura apanhar ar com a boca, e isso por aí umas dez
vezes. Depois umedece os lábios e dá estalinhos com a
língua. Ao mesmo tempo volta-se para um lado, volta-se
para o outro e puxa pelo travesseiro até encontrar uma posição
cômoda. Com pequenos intervalos todas estas manobras
se repetem pelo menos três vezes e, finalmente, o bom
doutor adormece.
Por vezes acontece haver bombardeamentos. Mal
começam estou logo meio acordada, com os pés no chão.
Há também noites em que sonho com verbos irregulares
ou com uma discussão conjugal, lá em cima. Só então
é que me acontece ter a sorte de não acordar e de não
dar conta dos bombardeamentos. Mas das outras vezes
saio da cama de um pulo, pego no travesseiro e no lenço,
enfio o roupão e os chinelos e corro para a cama do pai.
A Margot descreveu a cena num poema de aniversário.
Quando de noite um avião mal se adivinha
certo e sabido que uma certa mocinha
Vai aparecer ao pai a implorar
Que lhe ceda na cama um pouco de lugar!
Recolhida na cama do pai, o pior susto para mim já
passou, caso o barulho não se torne mesmo dramático.
Um quarto para as sete : rrring... o despertador lá
em cima.
Ping, pang... é a sra. van Daan que o desliga. O seu
marido levanta-se-a gente bem o ouve-põe a água a
ferver e vai para o quarto de banho. Uma meia hora
depois é a vez do Dussel. Finalmente estou só-, abro os
cortinados escuros - um novo dia começa no anexo!
Tua Anne.

Quinta-feira, 5 de Agosto de 1943
Querida Kitty :
Hoje vou-te falar da hora do almoço.
Meio-dia e meia hora: todo o nosso ninho respira de
alívio. Os criados do armazém saíram. Lá em cima ouve-se
o aspirador com que a sra. van Daan trata carinhosamente
o seu querido e único tapete. A Margot mete os livros
debaixo do braço e vai ter com o seu aluno Dussel que é
um pouco tapadinho para aprender holandês. O Pim
retira-se para um cantinho onde possa gozar o seu querido
Dickens. A mãe sobe para o andar de cima e dá uma
ajuda à "perfeita dona de casa", enquanto eu me meto no
quarto de banho, faço uma pequena arrumação das coisas
e dou uma arranjadela à minha pessoa.
Uma menos um quarto: um após outro aparecem:
o sr. v. Santen, o sr. Koophuis ou o Kraler, a Elli e quase
sempre também a Miep.
Uma hora : todos ouvem animosamente as notícias
da B. B. C. São estes os únicos momentos em que os habitantes do anexo não se interrompem
uns aos outros, pois
o que está a falar não pode ser contrariado, nem sequer
pelo sr. van Daan.
Uma hora e um quarto : uma refeição simples : uma
chávena de sopa para cada visitante. E se há sobremesa
é também repartida com eles. Contente, o sr. v. Santen
recosta-se no canto do sofá, desdobra o jornal, o gato ao
seu lado, a chávena em frente. É a jovialidade em pessoa.
O sr. Koophuis conta novidades da cidade. É uma fonte
inesgotável. O Kraler sobe a escada aos pulinhos, bate
um tanto rápido e seco à porta, entra esfregando as mãos
e, conforme a disposição, mostra-se animado e alegre ou
deprimido e calado.
Duas menos um quarto: os hóspedes despedem-se,
voltam ao trabalho. A mãe e a Margot lavam a louça,
o sr. e a sra. van Daan vão dormir, o Peter desaparece no
seu quarto, o pai estende-se um bocadinho, o Dussel faz
o mesmo, eu leio ou escrevo. É esta a hora mais simpática.
Quando as pessoas dormem não nos estorvam.
O Dussel sonha com boa comidinha. Leio-lho no seu
rosto. Mas não gasto tempo a estudar o Dussel, porque o
tempo passa tão depressa! Um minuto depois das quatro
aquele caturra já está ao meu lado a resmungar por eu
ainda não ter deixado a mesa.
Tua Anne.

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