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quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

O Diário de Anne Frank [parte 11]

Sábado, 27 de Novembro de 1943
Querida Kitty:
Ontem à noite, antes de adormecer, tive uma visão
nítida: a minha amiga Lies Estava diante de mim, coberta
de trapos e com o rosto escaveirado. Com os seus grandes
olhos contemplou-me,
triste e acusadora, como se quisesse dizer :
-Anne, porque é que me abandonaste? Ajuda-me!
Salva-me deste inferno.
Mas eu não posso ajudá-la. Os outros têm de sofrer
e de morrer e eu não passo de um espectador; só posso
pedir a Deus que não os deixe morrer e que me devolva
os meus amigos. Sim, foi precisamente a Lies que eu vi
e isto compreende-se. Sempre a julguei mal, eu era ainda
muito infantil e não podia compreender as suas preocupações.
Ela gostava da sua nova amiga e tinha receio que
eu lha roubasse. Ai, como deve ter sofrido! Sei-o agora,
pois já conheço melhor tais ressentimentos!
Por vezes pensava nela passageiramente, depois mergulhava
com egoísmo nos meus divertimentos e
preocupações.

Não procedi bem e foi por isso que ela olhou para mim
assim, de rosto pálido e de olhos suplicantes, tão tristes.
Oh!... se pudesse dar-lhe uma ajuda!
Oh! Meu Deus, tenho aqui tudo o que necessito e ela
foi arrastada para o destino mais duro que há! Tem sido
pelo menos tão crente como eu, e só desejava o bem. Porque
é que fui eleita para viver e ela para morrer? Qual é a
diferença entre nós? Porque é que estamos tão longe uma
da outra?
Para ser franca, tinha-me esquecido dela há quase
um ano. Não esquecido por completo, isso não, mas não pensava nela de uma certa maneira,
assim, como a vi
agora na sua miséria.
Oh! Lies, quem me dera que te pudesse acolher, que
tu sobrevivesses a esta guerra, porque queria remediar um
pouco o mal que te causei.
Mas quando eu estiver em condições de a ajudar, já
ela não precisará. Será possível que ainda se lembre de
mim? E que sentirá ela?
Meu Deus, ajuda-a, não a deixes ficar tão só. Faz-lhe
saber do meu amor e da minha compaixão por ela. Pode
ser que assim lhe dês força para resistir. Não posso pensar
mais nisso. Não consigo desprender-me da visão. Sempre
e sempre vejo os grandes olhos dela fixos em mim
Não sei se a Lies traz em si uma fé muito forte ou se
a obrigaram a tê-la. Não sei, nunca lho perguntei. Oh!
Lies, Lies, se te pudesse ir buscar, se pudesse dividir
contigo o que aqui tenho! É tarde demais! não Poder ser
eu! ninguém, não posso remediar o mal que as pessoas
fazem.
nunca me esquecerei da Lies e hei-de rezar por ela.
Tua Anne.

Quarta-feira, 22 de Dezembro de 1943
Querida Kitty:
Uma gripe bastante séria impediu-me de te escrever
mais cedo. É quase uma catástrofe estar-se doente aqui.
Quando me vinha a vontade de tossir, metia-me depressa
debaixo dos cobertores e tentava acalmar a garganta, mas
o resultado era que sempre a comichão aumentava e só
abrandava com leite e mel ou com pastilhas. Só ao lembrar-me
dos tratamentos que tive de suportar, fico quase
tonta. Suores, compressas no pescoço, ligaduras úmidas
e secas no peito, bebidas quentes, estar deitada sem me
mexer, gargarejar, pincelar, almofada elétrica, botijas e,
de duas em duas horas, ver a temperatura. E queriam que
eu, assim, ficasse bem! O pior de tudo era que o Dussel
fazia de médico, encostando a cabeça com brilhantina ao
meu peito para verificar se havia ruídos lá dentro. Não
só os seus cabelos me faziam muitas cócegas como também
tinha vergonha dele, apesar de ser um fato irrefutável
ele ter tirado, há trinta anos, o curso de medicina e possuir
o diploma de doutor. Mas o que tem ele que procurar
no meu coração? Eu não o amo. O que se passa no meu
coração não é ele que o pode descobrir. Acho mas é que
ele devia, antes de mais nada, mandar fazer uma limpeza
aos ouvidos, pois estou certa de que ouve bastante mal!
Mas não falemos mais na minha doença! Estou bem
agora; cresci um centímetro e aumentei um quilo. Ainda
estou pálida mas cheia de atividade e contente por poder
voltar a trabalhar.
Não tem havido coisas novas. Ao contrário do que
costuma suceder, todos se entendem bem cá em casa.
Não tem havido zangas. Há, pelo menos, seis meses que
não conhecíamos um ambiente tão pacífico.
A Elli ainda não pode vir cá.
No Natal vamos receber uma ração suplementar:
azeite, doces e geleia de nabo para pôr no pão. A minha
prenda é bonita e corresponde aos tempos que correm:
um broche feito de uma moeda de dois cêntimos e meio,
tão polidinha que resplandece. O Dussel pediu à Miep
que fizesse uma torta para a minha mãe e para a sra. van
Daan, e ela já tem tanto que fazer! Tenho também uma
prenda para a Miep e a Elli: há perto de dois meses que
venho poupando o açúcar que devia deitar sobre a papa,
e agora o sr. Koophuis vai levá-lo para mandar preparar
doces.
O tempo está mole, o fogão deita fumo, a comida
pesa-nos no estômago, o que é aliás comprovado por certos
ruídos pouco estéticos.
A guerra não ata nem desata... Disposição abaixo de zero!
Tua Anne.

Sexta-feira, 24 de Dezembro de 1943
Querida Kitty:
Já te tenho dito muitas vezes que o ambiente aqui
depende da nossa disposição. E eu, a tal respeito, estou
cada vez pior. Pode aplicar-se-me o dito: "alegria celeste,
tristeza mortal". Sinto uma "alegria celeste" quando me
lembro como estou bem aqui em comparação com outros
judeus. "Tristeza mortal"... invade-me, sim, quando ouço
contar que a vida lá fora continua. Hoje esteve cá a
sra. Koophuis e contou que a sua filha Corrie faz desporto,
passeia numa canoa com amigos e representa num teatro
de amadores. Não sou invejosa, mas quando ouço falar
em tais coisas, apetecia-me tomar parte nelas, pelo menos
uma vez; queria divertir-me como todos os outros, não ter
preocupações, ser feliz, rir! Justamente nesta época tão
bonita, em que há as férias do Natal e do Ano Novo
estamos aqui como párias. Bem sei que não devia escrever
tais coisas, por parecer que sou ingrata e exagerada. Mas
mesmo que tu penses agora mal de mim... não posso
guardar tudo isto e cito mais uma vez aquela frase que
escrevi no princípio: "O papel é paciente!"
Quando chega alguém de fora, ainda com a frescura
do cheiro a vento nas roupas e com a cara vermelha do
frio, apetecia-me enterrar a cabeça nos cobertores para não
pensar sempre no mesmo : "Quando é que poderemos ir
lá para fora e respirar o ar e a liberdade?!" Mas não me
posso esconder, pelo contrário, tenho de me mostrar direitinha
e corajosa e, contudo, os pensamentos não se deixam
dominar, vêm e tornam a vir. Acredita, quando se está
fechada há ano e meio, chegam momentos em que se julga
não se poder suportar mais. Ainda que eu seja injusta e
ingrata, não sou capaz de negar o que sinto! Apetecia-me dançar, assobiar, andar de bicicleta, ver
o Mundo, gozar
a minha juventude, ser livre. Digo-te isto a ti, mas não
o posso dizer a mais ninguém porque se todas as oito
pessoas cá no anexo se lamentassem e mostrassem caras
infelizes, aonde iríamos então parar?
Por vezes penso:
"Será possível que alguém me compreenda Ou só
veem em mim a adolescente que não quer outra coisa
senão divertir-se?" Não sei e não posso falar sobre isto com
ninguém, pois era capaz de desatar a chorar. Todavia...
Seria um alívio poder chorar uma vez à vontade A despeito
de todas as teorias, de todos os esforços, sinto a cada
passo a falta de uma mãe que me compreenda. Por isso
penso sempre, ao trabalhar ou ao escrever, que quero ser,
mais tarde, para os meus filhos, aquela mãe que eu desejava
ter, essa "mamsi" que não arranja logo uma tragédia com
tudo o que se diz sem intenção, mas que toma antes a
sério o que preocupa os seus filhos intimamente. Estou a
sentir que não me exprimo como queria, mas a palavra
"mamsi" já diz tudo. Sabes o que descobri para chamar
a mãe com um nome parecido com Mamsi? Chamava-lhe
muitas vezes "Mansa" e depois ficou Mansi, o que é
uma "Mamsi" incompleta. Muito gostava eu de poder
honrá-la com mais um tracinho no "n. Mas a mãe de
nada suspeita, o que é bom, porque se soubesse ficaria
infeliz.
Basta! Já aliviei o coração da minha "tristeza mortal",
e sinto-me melhor.
Tua Anne.

Sábado, 25 de Dezembro de 1943
Querida Kitty:
Hoje, primeiro dia de Natal, tenho de pensar constantemente
no Pim e naquilo que ele me contou, o ano passado,
do seu primeiro grande amor. Nessa altura não
penetrei tão bem como hoje o significado das suas palavras.
Oh! se ele me falasse outra vez naquilo, mostrar-lhe-ia
que agora o compreendo.
Creio que o Pim, que tantos segredos conhece dos
outros, precisou de desabafar, pelo menos uma vez; pois
o Pim não costuma falar de si e suponho que nem a Margot
suspeita do que ele sofreu.
Pobre Pim, a mim não engana ele, eu sei que ainda
não se pôde esquecer! Nunca se poderá esquecer. É uma
pessoa equilibrada. Oxalá eu seja parecida com ele, mas
sem precisar de passar pelo que ele passou.
Tua Anne.

Segunda-feira, 27 de Dezembro de 1943
Querida Kitty:
Pela primeira vez tive uma prenda pelo Natal. As
raparigas, o Koophuis e o Kraler fizeram-me uma surpresa
encantadora. A Miep fez um bolo enfeitado com "Papel"
conseguiu arranjar meio quilo de bolachas de antes
da guerra. Além disso, o Peter, a Margot e eu recebemos
um frasco de "yogurth" e os adultos uma garrafa de cerveja.
Tudo estava embrulhado com graça e todos os pacotinhos
traziam escrita uma quadra.
Os dias de Natal passaram tão depressa!
Tua Anne.

Quarta-feira, 29 de Dezembro de 1943
Querida Kitty:
Ontem à noite, estive muito triste. Tive a visão da
avozinha e da Lies! Avozinha, querida avozinha! Não
compreendemos bem quanto ela sofria. Só pensava em
nós, mostrando-se sempre muito compreensiva em face
dos nossos problemas. Sofria de uma grave doença.
Sabê-lo-ia ela e nunca falou nisso para não nos afligir?
A avozinha era sempre amável e boa e ninguém a procurava
sem ouvir um conselho ou uma consolação, ou
sem receber uma ajuda. Mesmo quando eu estava insuportável,
a avozinha encontrava sempre para mim uma desculpa.
Avozinha, dize, gostaste muito de mim ou também
não me compreendeste? Oh! Não sei.
Como a avozinha se deve ter sentido só, tão só, embora
estivéssemos todos junto dela. Sim, porque uma pessoa
pode sentir-se só, mesmo no meio de muita gente amiga,
se souber que não ocupa um lugar muito especial no coração
de alguém. E a Lies? Ainda viverá? O que estará a fazer?
Meu Deus, não a deixes morrer, faze com que ela volte
para junto de nós. Pensando em ti, Lies, compreendo
qual podia ter sido o meu destino e ponho-me muitas
vezes no teu lugar! Mas, então, porque é que me afligem
tanto as condições em que vivo aqui no anexo? Não devia
eu sentir-me alegre e satisfeita, exceto quando penso na
Lies e nos outros que sofrem como ela?
Sou egoísta e cobarde! Não sei porque é que os meus
sonhos e pensamentos só giram à volta das coisas tristes,
até quase me apetecer gritar. De certo não tenho bastante confiança em Deus! Afinal Ele deu-me
tanta coisa que não
mereço e eu só faço asneiras.
"Quando pensamos no próximo, devíamos chorar".
A dizer a verdade não devíamos fazer mais nada do que
chorar. Resta-nos pedir a Deus que faça um milagre e
que salve aquela pobre gente!
E eu rezo do fundo do meu coração.
Tua Anne.


Domingo, 2 de Janeiro de 1944.
Querida Kitty:
Hoje de manhã, ao folhear o meu diário, encontrei
várias cartas em que falo da mãe, num tom impulsivo,
quase irado. Assustei-me e perguntei a mim própria:
"Isto és tu, a Anne, que fala assim com tanto ódio?"
Com o livro aberto na mão, fiquei algum tempo sentada
a tentar descobrir a razão desse ódio, dessa ira. Fiz os
possíveis para compreender a Anne daqueles dias e para
a desculpar, pois a minha consciência não acalma enquanto
eu não conseguir explicar-te como foi que cheguei a fazer
tamanhas acusações. Sofria e ainda sofro de depressões e,
nestas alturas, sou-falando em linguagem figurada-como
um mergulhador debaixo de água, que vê tudo deformado.
Via tudo subjetivamente e nem tentava refletir com
calma sobre aquilo que os outros diziam. Se o tivesse feito,
teria, com certeza, compreendido melhor o sentido dos
argumentos dos meus antagonistas e teria procedido de
outro modo e sem magoar ninguém com o meu temperamento impetuoso.
Só me via a mim, fechava-me na minha concha, não
fazia caso dos outros e sentia alívio ao confiar ao papel
as minhas alegrias, a minha troça e, também, a minha
tristeza. Este diário é para mim de grande valor por se
ter tornado o meu livro de memórias. Mas muitas das suas
páginas podia agora riscá-las ou escrever por baixo "já
passou".
Muitas vezes ficava furiosa com a mãe e ainda agora
me acontece o mesmo. Ela não me compreendia, é uma
verdade, mas eu também não a compreendia. Sou sua
filha e ela é boa e carinhosa para mim. Mas como lhe
criava tantas vezes situações desagradáveis, é compreensível que me ralhasse. Pois, por isso
mesmo e ainda por
tantas coisas que ela sofria, é que não pôde deixar de
ficar nervosa e irritada. Eu não compreendia isso, ofendia-a,
era insolente e agressiva e então ela ficava triste. E assim
havia sempre entre nós algum mal-entendido e desgostos,
o que não era agradável para nenhuma de nós. Mas tudo
isso passou!
Que eu não quisesse admitir essas coisas e tivesse tido
pena de mim própria, também se compreende. As minhas
atitudes eram arrebatamentos de maldade, das quais, numa
vida normal, me teria libertado de maneira completamente
diferente e sem testemunhas... Teria, por exemplo, sozinha
no meu quarto, batido fortemente com os pés no chão,
desabafando sem que ela percebesse o que se passava no
meu coração.
Aquele tempo em que a mãe chorava por minha causa
já passou. Sou mais sensata, mais razoável e os nervos da
mãe também acalmaram. A maior parte das vezes calo-me
quando ela me arrelia, e ela faz o mesmo. Assim, as coisas
correm bastante melhor. Amar a mãe incondicionalmente,
como fazem tantas crianças, não me é possível; qualquer
coisa em mim se revolta contra isso. Mas acalmo a minha
consciência com a convicção de que sempre é melhor
escrever estas coisas no papel do que magoar os sentimentos
de minha mãe.
Tua Anne.

Quarta-feira, 5 de Janeiro de 1944
Querida Kitty:
Hoje vou confiar-te duas coisas o que, talvez, me leve
um pouco de tempo. Mas é-me indispensável desabafar,
e só contigo gosto de o fazer, pois tu guardas silêncio, aconteça o que acontecer. Em primeiro
lugar, trata-se da mãe.
Bem sabes que me tenho queixado dela muitas vezes e
que me tenho esforçado sempre por ser boa para ela.
De repente descobri o que não me agrada na mãe. Ela
própria tem-nos dito que vê em nós antes amigas do que
filhas. Isso é uma coisa bonita, mas uma amiga não pode
substituir a mãe. Eu queria ter na mãe um exemplo, um
modelo a seguir, queria poder erguer para ela os olhos.
Pressinto que a Margot pensa de outra maneira a tal
respeito e que nunca podia compreender as minhas ideias,
e o pai evita falar no assunto. Na minha imaginação uma
mãe tem de ser, antes de mais nada, alguém com muito
tacto, principalmente quando se trata dos filhos. Não deve
fazer como faz minha mãe, que se ri quando eu choro
lágrimas que não são de dor física mas de dor íntima.
Há uma coisa - pode parecer incompreensível-que
nunca lhe perdoarei. Quando um dia tive de ir ao dentista,
a mãe e a Margot acompanharam-me e acharam bem que
eu levasse a bicicleta. Mas quando, acabado o tratamento,
estávamos à porta do dentista, as duas disseram-me que
ainda iam ao centro da cidade fazer compras e ver umas
coisas - já não sei bem o que era. Eu queria ir também,
mas não me deixaram por causa da bicicleta. Fiquei
furiosa e as lágrimas vieram-me aos olhos, mas as duas
começaram a rir. Então perdi a cabeça e, no meio da rua,
deitei-lhes a língua de fora. Por acaso passou uma mulher
do povo que me olhou horrorizada. Fui sozinha para casa
e chorei muito.
É estranho, mas essa ferida que a mãe, há tanto tempo,
me causou, arde ainda todas as vezes que penso nisso ou
quando me zango com a mãe.
Falar do segundo assunto custa-me muito, pois trata-se
de mim própria. Li ontem um artigo de Sis Heyster sobre
o corar. Aquilo parecia ser escrito para mim, embora eu
não core tão fàcilmente. Mas o resto aplica-se-me perfeitamente.
Diz ela que uma rapariga, ao entrar na puberdade,
fica mais calma e mais pensativa e que se debruça
sobre o milagre do seu corpo. É precisamente o que acontece
comigo ùltimamente e agora até tenho vergonha da
Margot e dos pais. Mas a Margot que, em outras ocasiões,
é muito mais acanhada do que eu, não faz cerimônias com
estas coisas.
Dou-me conta das transformações exteriores do meu
corpo e, mais ainda, daquilo que está a ficar tão diferente
no meu íntimo. E como não falo sobre isto com ninguém,
tento compreender sozinha.
De todas as vezes que tenho o "incômodo" - e já me
veio três vezes - tenho a sensação, apesar das dores e de
tudo o que é desagradável e repugnante, de trazer comigo
um segredo muito delicado. Alegro-me quando vivo de
novo este meu segredo. Diz Sis Heyster que as raparigas
da minha idade ainda não têm segurança mas que pouco
a pouco se vão revelando e começam a ter ideias, pensamentos
e hábitos próprios. Vim para o anexo quando
tinha treze anos e, por isso, fui obrigada a refletir mais
cedo sobre o Mundo e a fazer a descoberta de mim mesma
como de um ser humano que deseja ser independente.
Por vezes, de noite, não posso deixar de tocar nos meus
seios e de sentir o bater calmo e seguro do meu coração.
Já antes de vir para aqui sentia, inconscientemente,
coisa parecida, pois uma vez, quando dormi com uma
amiga minha, perguntei-lhe se, como prova de amizade,
não podíamos tocar nos seios uma da outra, mas ela
recusou-se. Eu gostava de lhe dar beijos e beijei-a
muitas vezes.
Sempre que vejo uma figura de mulher nua, como, por
exemplo a Vênus, fico como em êxtase. É uma coisa tão
bela que tenho de me dominar para não desatar a chorar!
Ai! Quem me dera ter uma amiga!
Tua Anne.

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