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quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Os Bruzundangas - Lima Barreto [parte 19]

Durante este longo tempo em que ele passa como deputado, senador,
isto e aquilo, o esperançoso Mandachuva é absorvido pelas intrigas políticas, pelo esforço de ajeitar os correligionários, pelo trabalho de amaciar os influentes e os preponderantes, na política geral e regional. A sua atividade espiritual limita-se a isto.
Os preponderantes e influentes têm todo o interesse em não fazer subir os inteligentes, os ilustrados, os que entendem de qualquer cousa; e tratam logo de colocar em destaque um medíocre razoável que tenha mais ambição de subsídios do que mesmo a vaidade do poder.
Além disso, eles têm que atender aos capatazes políticos das localidades das províncias; e, em geral, estes últimos indicam, para os primeiros postos políticos, os seus filhos, os seus sobrinhos e de preferência a estes: os seus genros.
A ternura do pai quer sempre dar essa satisfação à vaidade das filhas.
O futuro chefe do governo da Bruzundanga começa a sua carreira política pela mão do sogro; e, relacionando-se com os bonzos de sua província, se é esperto e apoucado de inteligência e saber, faz-se ainda mais; na maioria dos casos, porém, não é preciso tanto. Os caidos ficam logo
contentes com ele. Mandam-no para a Câmara Geral; e, durante a primeira legislatura, encarregam-no de comprar ceroulas, pares de meias, espingardas de dois canos, óculos de grau tanto, de ir às repartições ver tal requerimento, de empenhar-se pelos exames dos nhonhôs, etc... 

Quando acaba a legislatura, o Messias anunciado para salvar a Bruzundanga é possuidor de todo esse acervo de serviços ao partido. É reeleita.
A sua lealdade e o seu natural prestativo indicam-no logo para leader da bancada, senão da Câmara, Ei-lo em evidência. Os jornalistas, grandes e pequenos, não o deixam, elogiam-no, dão-lhe o retrato nas folhas, fazem pilhérias a respeito do homem; e ele autoriza a publicação de atos oficiais
do governo de sua província, cujas contas o erário departamental paga generosamente aos seus jornais e revistas.
Os calenders provincianos estão cada vez mais contentes com ele e o nosso homem já economizou, sobre subsídios, mais do que a mulher trouxe para a sociedade conjugal.
É um homem metódico, pontual nos pagamentos, não gasta dinheiro em cousas inúteis, como seja em livros.
Uma noite ou outra, vai ao Teatro Lírico, mas logo se aborrece, não só ele como a futura Mme. Mandachuva. Preferia, madame, estar a dormir naquela hora, e ele a jogar solo na botica, antes do que permanecerem ali, apertados nos vestuários, a ouvir umas cantorias em língua que não entendem. Que saudades do gramofone! Para ele, há secas piores...
Ainda a música ele suporta um tanto, mas as tais exposições de pintura, as sessões de Academias... Irra! Que estafa! Foge de ir a elas; e todo o seu medo é vir a ser presidente da Bruzundanga, pois será obrigado a comparecer a tais festas.
A sua leitura continua a ser os jornais, porém não pega mais nos manuais, nos indicadores de legislação.
As necessidades artísticas de sua natureza se cifram no gramofone doméstico e nos cinemas urbanos ou do arrabalde em que reside. Faz coleção dos programas destes últimos e, com eles, organiza a sua opulenta biblioteca literária.
A proporção que sobe, mostra-se mais carola; não falta à missa, aos sermões, comunga, confessa-se e os padres e irmãs de caridade têm-no já por aliado. Ah! Quem o visse contar certas anedotas sobre padres, jogando o "truque", nos fundos da botica de sua terra!... História antiga! O
homem, hoje, é sinceramente católico, e tanto assim que acompanha procissões de opa ou balandrau.
A ascensão dele a Senador até coincidiu com a sua eleição para irmão fabriqueiro da Santíssima Irmandade e Santo Afonso de Ligório e também com a de definidor da Santíssima e Venerável Irmandade de Santo Onofre.
As cousas vão assim marchando; e ele, sempre calado, deixa-se ficar, rodando a manivela do gramofone e do seu moinho de rezas.
Há uma complicação na escolha do Governador da província das Jazidas, onde ele nasceu. Os caides não se entendem e o seu nome é apontado como conciliador, escolhido e eleito. Aborrece-se um pouco, pois já estava habituado com a capital do país, e muito gostava dela, apesar de mal a
conhecer. Toma posse, entretanto. Surge, ao meio do seu governo regional, não entre os caides, mas na comunhão dos emires que governam o país, um desaguisado, com o problema da sucessão do Mandachuva, cujo tempo está a acabar. O nosso homem não se define. Continua a dar corda no
seu enorme e fanhoso gramofone e a rodar a manivela do seu moinho de rezas. Os padres, que são seus aliados, não o abandonam; e nos bastidores, por intermédio das mulheres dos políticos, insinuam-lhe o nome para o alto cargo de Mandachuva. Ei-lo eleito, toma posse do cargo e do alcatifado  palácio que a nação lhe dá para residência.
O seu primeiro cuidado, e também da mulher, é fechar diversos aposentos para diminuir o número de serviçais, de modo afazer economias na verba de representação.

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