- Pobre Lulu
Sênior! Que faremos então?
-Sujeitá-lo a
um regime rigoroso. Eu creio que os excessos da mesa, os comes e bebes, é que o
têm perdido. O ilustre Maudsley vem em apelo da minha opinião, no seu magnífico
livro: "Se os homens (diz ele) quisessem viver com sobriedade e castidade,
diminuiria logo o número dos loucos, e mais ainda na geração seguinte". E
ele aconselha aos homens uma coisa a que chama self-restraint restringir-se,
abster-se. Entende-me?
-Perfeitamente.
-Ora bem; é o
que convém aplicar ao seu amigo. Nada de finos pratos, nem borgonha, nem
champanha, deem-lhe durante seis meses bacalhau de porta de venda e vinho de
Lisboa fabricado no Rio de Janeiro; podem mesmo aumentar no vinho a dose
tóxica, com um ou dois decigramas de pau-campeche por litro, ou meio decigrama
de estricnina: é a mesma coisa.
[4 agosto]
AGORA que
vamos ter eleição nova, lembraram-se alguns amigos que eu bem podia ser
deputado. Tanto me quebraram a cabeça, que afinal consenti em correr às urnas.
Resta só a profissão de fé, que é o ponto melindroso.
Eu podia, à
semelhança de um candidato inglês, em 1869, fazer este pequenino speech:
"Quero a liberdade política, e por isso sou liberal; mas para ter a
liberdade política é preciso conservar a constituição, e por isso sou
conservador". Mas, além de copiá-lo se apresentasse um tal programas (o que
não fica bem), não sei se essas poucas linhas, que parecem um paradoxo, não são
antes (comparadas com as nossas coisas) um turismo.
Porquanto:
Há muitos
anos, em 1868, quando Lulu Sênior andava ainda no colégio, e, se fazia gazetas,
não as vendia
e menos ainda as publicava, nesse ano, e no mês de dezembro, fui uma vez à assembleia provincial do Rio de Janeiro, vulgarmente salinha. Orava então o deputado Magalhães Castro. Nesse discurso, essencialmente político e teórico, o digno representante ia dizendo o que era e o que não era, o que queria e o que não queria.
e menos ainda as publicava, nesse ano, e no mês de dezembro, fui uma vez à assembleia provincial do Rio de Janeiro, vulgarmente salinha. Orava então o deputado Magalhães Castro. Nesse discurso, essencialmente político e teórico, o digno representante ia dizendo o que era e o que não era, o que queria e o que não queria.
Ao pé dele,
ou defronte, não me lembro bem, ficava o deputado Monteiro da Luz, conservador,
e o deputado Herédia, liberal, que ouviam e comentavam as palavras do orador.
Eles o aprovavam em tudo, e, no fim, quando o Sr. Magalhães Castro,
recapitulando o que dissera, perguntou com o ar próprio de um homem que sabe e
define o que quer, eis o diálogo final (consta dos jornais do tempo ):
O SR.
MAGALHÃES CASTRO: - Agora pergunto: quem tem estes desejos o que é? o que pode
ser?
O SR.
MONTEIRO DA LUZ: - É conservador.
O SR.
HERÉDIA: - É liberal.
O SR.
MONTEIRO DA LUZ: - Estou satisfeito.
O SR.
HERÉDIA: - Estou também satisfeito.
Portanto,
basta que eu exponha as teorias para que ambos os partidos votem em mim, uma
vez que evite dizer se sou conservador ou liberal. O nome é que divide.
Resta, porém,
a questão do momento, o projeto do governo, a liberdade dos 60 anos, com ou sem
indenização, ou o projeto do Sr. Felício dos Santos, que também é um sistema,
ou o do Sr. Figueira, que não é um nem outro. Sobre este ponto confesso que
estive sem saber como explicar-me, até que li a circular de um distinto
deputado, candidato a um lugar de senador. Nesse documento que corre impresso,
exprimia-se assim o autor: "Quanto a questão, servil já expendi o meu modo
de pensar em dois folhetos que publiquei, um sobre a baixa do açúcar, outro
sobre colonização".
Desde que li
isto vi que tinha achado a solução necessária ao esclarecimento dos leitores.
Com efeito, é impossível que eu não tenha publicado algum dia, em alguma parte,
um outro folheto sobre qualquer matéria mais ou menos correlata com os atuais
projetos. Na pior das hipóteses, isto é, se não tiver publicado nada, então é
que estou com a votação unânime. A razão é que devemos contar em tudo com a
presunção dos homens. Cada leitor quererá fazer crer ao vizinho que conhece
todos os meus folhetos, e daí um piscar de olhos inteligente e os votos.
Eu, pelo
menos, é o que vou fazer. De tanta gente que andou pelas ruas, no centenário de
Camões, podemos crer que uns dois quintos não leram Os Lusíadas, e não eram dos
menos fervorosos. O mesmo me vai acontecer com o Sr. Peixoto. Vou dizer a toda
a gente que li e reli os dois folhetos do Sr. Peixoto, tanto o do açúcar como o
da colonização, acreditarei que são in 8.°, com 80 ou 100 páginas, talvez 120,
bom papel, estatísticas e notas. Interrogado sobre o valor comparativo de
ambos, responderei que prefiro o do açúcar por um motivo patriótico, visto que
o açúcar é um produto do país e a colonização vem de fora; mas direi também que
o da colonização tem ideias muito práticas e aceitáveis.
Podia também
citar a Câmara anterior, que com infinita serenidade votou pela reforma
eleitoral constitucional, e depois pela mesma reforma eleitoral constitucional;
mas não adoto esse alvitre, um dos mais singulares que conheço, para não ser
acusado injustamente de mudar a opinião ao sabor dos ministros. Prefiro entrar
sem programa, e eis aqui o meu piano consubstanciado nesta anedota de 1840:
Era uma vez
um sujeito que aparecia em todos os casamentos. Em sabendo de algum vestia-se
de ponto em branco e ia para a igreja. Depois acompanhava os noivos à casa,
assistia ao jantar ou ao baile. Os parentes e amigos da noiva cuidavam que ele
era um convidado da noiva, e, vice-versa, cuidavam que era pessoa do noivo. À
sombra do equívoco ia ele a todas as festas matrimoniais.
Um dia, ao
jantar, disse-lhe um vizinho:
-V. S a é
parente do lado do noivo ou do lado da noiva?
- Sou do lado
da porta, respondeu ele, indo buscar o chapéu.
Levava o
jantar no bucho.
[23 agosto]
ANDA NOS
JORNAIS, e já subiu às mãos do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, uma
representação do Clube ou Centro dos Molhadistas contra os falsificadores de
vinhos. Trata-se de alguns membros da classe que, a pretexto de depósito de
vinhos, têm nos fundos da casa nada menos que uma fábrica de falsificações.
Segundo a representação, os progressos da química permitem obter as composições
mais ilusórias, com dano da saúde pública.
Ou me engano,
ou isto quer dizer que se trata de impedir a divulgação de certa ordem de
produtos, a pretexto de que eles fazem mal à gente. Não digo que façam bem; mas
não vamos cair de um excesso em outro.
Os homens
reunidos em sociedade (relevem-me este tom meio pedante) estão virtual e
tacitamente obrigados a obedecer às leis formuladas por eles mesmos pare a
conveniência comum. Há, porém, leis que eles não impuseram, que acharam feitas,
que precederam as sociedades, e que se hão de cumprir, não por uma determinação
de jurisprudência humana, mas por uma necessidade divina e eterna. Entre essas,
e antes de todas figure a da luta pela vida, que um amigo meu nunca diz senão
em inglês: struggle for life.
Se a luta
pela vida é uma lei verdadeira e só um louco poderá negá-lo, como há de lutar
um molhadista em terra de Molhadistas? Sim, se este nosso Rio de Janeiro
tivesse apenas uns vinte molhadistas, é claro que venderiam os mais puros
vinhos do mundo,-e por bom preço,-o que faria enriquecer depressa, pois não os
havendo mais baratos, iriam todos comprá-los a eles mesmos.
Eles, porém,
são numerosos, são quase inumeráveis, e têm grandes encargos sobre si; pagam
aluguéis de casa, caixeiros, impostos, pagam muita vez o pato, e hão de pagar
no outro mundo os pecados que cometerem neste, e tudo isso lutando, não contra
cem, mas contra milhares de rivais. Pergunto: o que é que lhes fica a um canto
da gaveta? Não iremos ao ponto de exigir que eles abram um armazém só para o
fim de perder. O mais que poderíamos querer é que não o abrissem; mas uma vez
aberto, entram na pura fisiologia universal; e tanto melhor se a química os
ajuda.
Também matar
é um crime. Mas as leis sociais admitem casos em que é ilícito matar,
defendendo-se um homem a si próprio. Bem, o molhadista do n ° 40, que falsifica
hoje umas vinte pipas de vinho, que outra coisa fez senão defender-se a si
mesmo, contra o molhadista do n.° 34 que falsificou ontem dezessete? Struggle
for life, como diz o meu amigo.
Depois,
façamos um pouco de filosofia Pangloss, penetremos nas intenções da
Providência. Se com drogas químicas se pode chegar a uma aparência de vinho,
não parece que este resultado é legítimo, lógico e natural? Acaso a natureza é
uma escola de crimes? E dado mesmo que um tal vinho seja danoso à saúde
pública, não pode acontecer que seja útil à virtude pública, levando os homens
a abater-se? E, porventura, a virtude merece menos que a saúde? Não são ambas a
mesma coisa, com a diferença que a virtude é ainda superior? Não entrará tudo
isso nos cálculos do céu?
Eu bem sei
que era melhor não vender nada, nem vinho puro, nem vinho falsificado, e viver
somente daquele produto a que se refere o meu amigo Barão de. Capanema, no
Diário do Brasil de hoje: "Alguns milhões de homens livres no Brasil
(escreve ele) vivem do produto da pindaíba. .." Realmente eu conheço um
certo número que não vive de outra coisa. E quando o escritor acrescenta:
"...pindaíba do tatu que arrancam do buraco. . ." penso que elude a
alguns níqueis de mil-réis que têm saído da algibeira de todos nós.
Era melhor;
mas isto mesmo pode dar lugar a falsificações. Nem todas as pindaíbas são
legítimas. E a própria química finge algumas, por meio das lágrimas que são, em
tais casos, química verdadeira.
Talvez por
isso tudo, é que um cavalheiro, que não sei quem seja mas que more na Travessa
do Maia, lembrou-se de fazer este anúncio: "Brasão de armas, composição de
cartas da nobreza, árvore genealógica, todo e qualquer trabalho heráldico, em
pergaminho, pintura em aquarela e dourados, letras góticas, trata-se na
travessa etc."
Esse cidadão
não viverá na pindaíba, nem lhe dirão que fez vinho nos fundos da fábrica. Não
fez vinho, fez historia, fez gerações, à escolha, latinas ou góticas. E não se
pense que é oficio de pouca renda Na mesma case convidam-se as senhoras que se
dedicam à arte de pintura e quiseram trabalhar. Se ainda acharem que há aí
muita química, cito-lhes física, cito-lhes um "grande cartomante"
(sic) da Rua da Imperatriz, que dá consultas das 7 às 9 da manhã. Física, e boa
física.
Que querem? é
preciso comer. Cartomancia, heráldica, pindaíba de tatu, ou vinhos
confeccionados no fundo do armazém, tudo isso vem a dar na lei de Darwin.
[29 outubro]
JÁ tínhamos
Lafaiete, ministro de Estado e presidente do Conselho, citando Molière na
Câmara. Não é tudo. Para citá-lo bastam florilégios e o incomensurável
Larousse, nelas o nosso ex-ministro leva o desplante ao ponto de o ler e reler.
Felizmente, a indignação parlamentar e pública lavou a Câmara e o país de tão
grande mancha, e podemos esperar com tranquilidade o juízo da história.
Agora temos
Taunay, em vésperas de eleição, cuidando das músicas do Padre José Maurício, e
citando (custa-me dizê-lo), citando Haydn e Mozart.
Não ignoro
que tudo isto de Taunay e Lafaiete, afinal de contas, são francesias de nomes e
de cabeças. Ouviram dizer que em França alguns deputados lêem os clássicos, e
imaginaram transportar o uso para aqui.
Não
advertiram que nem todas as coisas de um país podem aclimar-se em outro. Não
concluamos da pomada Lubin para o Misantropo. São coisas diferentes.
Paul-Louis-Courrier, tão conhecido dos nossos homens, compondo na cadeia um
opúsculo político, interrompia o trabalho para escrever à mulher que lhe
mandasse uma certa frase de Beaumarchais. Segue-se daí que devemos todos ler
Beaumarchais? Pelo amor de Deus!
O caso de
Taunay é mais grave. Lafaiete conspurcou. é verdade, a tribuna parlamentar com
um pobre-diabo que, posto viva há dois séculos na memória dos homens, era,
todavia, um saltimbanco ou pouco mais. Taunay levanta os braços no céu,
consternado, porque as obras musicais do Padre José Maurício andam truncadas,
perdidas ou quase perdidas.
A melhor
explicação que se pode dar de um tal destempero, é que o estado mental de
Taunay não é bom; mas, se não é assim, não sei como qualifique esta preocupação
do meu amigo.
Reparem bem
que Taunay embarca para a província de Santa Catarina, onde vai pedir que Lhe
deem votos para deputado. Nesse momento solene, em que o mais medíocre espírito
gemeria pela queda de alguns delegados ou majores, Taunay lastima a perda de
alguns responsórios de José Maurício.
Responsórios!
Mas é de suspensórios que tu precisas, Taunay, tu precisas de suspensórios
eleitorais que te levantem e segurem os calças legislativas. Deixa lá os
responsórios do padre. Estão perdidos? paciência; perde-se muita coisa por esse
mundo. Eu hoje, ao ler-te perdia tramontana, e tu, se vais nesse andar, perdes
a eleição.
Já tinhas a
enxaqueca literária e as belas páginas de Inocência, e como se isso não
bastasse, pões cá para fora tua sabença
musical. Taunay, Taunay, amigo Taunay, deixa as coisas de arte onde elas estão,
achadas ou perdidas, muda de fraseologia, atira-te aos cachorros, paulas,
leões, todo esse vocabulário, que só aparentemente dá ares de aldeia, mas
encerra grandes e profundas ideias. Já estudaste o coronel? Estuda o coronel,
Taunay. Estuda também o major, e não os estuda só, ama-os, cultiva-os. Que és
tu mesmo, senão um major forrado de um artista? Descose o forro, et ambula.
Sim, Taunay,
fica prático e local. Nada de responsórios, nem romances e estás no trinque,
voltas eleito e podes então, à vontade, dançar cinco ou seis polcas por mês.
Também é música, e não é de padre.
[3 novembro]
O SR. DR.
CASTRO LOPES deseja juntar aos seus louros de latinista eminente os de
legislador. Apresenta-se candidato pelo 1.° distrito com uma circular em que
promete aplicar todos os esforços em prover de remédio as finanças do país.
Tendo-as
estudado desde longos anos, o recente candidato formulou alguns projetos, que
apresentará na Câmara, tendentes principalmente "a aliviar a nação da sua
dívida interna e externa, sem o mínimo gravame nem do povo nem do tesouro. Povo
e tesouro para os efeitos puramente pecuniários pode dizer-se que são a mesma
coisa; mas o importante é que a medida, qualquer que seja, é nada menos que a
salvação do Estado.
Vêde, porém,
como uma ideia se liga a outra. A circular recordou-me um drama, que escrevi há
muitos anos (vinte e três, não digam nada), obra incorreta e fraca, mas que
ainda assim conservei comigo até 1878, ano em que mudei de casa e queimei
vários manuscritos.
Chamava-se
Triptolemo XVII ou O Talismã. Tratava também de um Estado oberado de grandes
dívidas. Triptolemo quer casar a filha, a princesa Miosótis, com o príncipe
Falcão, e não acha quem lhe empreste dinheiro para as bodas. Oferece altos
juros, hipotecas, comissões gordas, e nada, ninguém acode. Ao contrário, os
credores reúnem-se, amotinam-se e correm ao paço, que fica cercado por eles.
pedindo com altos brados que lhes mandem dar tudo, capital e juros
Os ministros
sucedem-se com uma rapidez vertiginosa. Duram sete a oito minutos: não achando
meio de pagar a dívida pública, são enforcados logo. O último nomeado está com
a pasta desde as nove e cinco; Triptolemo vem dizer-lhe que só faltam oito para
salvar o Estado ou morrer e retira-se.
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