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quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Balas de Estalo - Machado de Assis [parte 2]

À vista destes deploráveis exemplos quer-me parecer que Sganarello e Molière não fariam tão má figura na Câmara dos Comuns...
*
Não vamos agora dar um banquete ao Sr. Pedrosa só para imitar os ingleses.
*
Um articulista anônimo, tratando há dias do uso da folga acadêmica nas quintas-feiras, escreveu que Moisés e Cristo só recomendaram um dia de descanso na semana, e acrescenta que nem Spencer nem Comte indicaram dois.
Nada direi de Spencer; mas pelo que respeita a Comte, nosso imortal mestre, declaro que a afirmação é falsa. Comte permite (excepcionalmente, é verdade) a observância de dois dias de repouso. Eis o que se lê no Catecismo do grande filósofo.
O dia de descanso deve ser um e o mesmo para todas as classes de homens. Segundo o judaísmo, esse dia é o sábado; - e segundo o cristianismo, é o domingo. 0 positivismo pode admitir, em certos casos, a guarda do sábado e do domingo, ao mesmo tempo. Tal é, por exemplo, o daquelas instituições criadas para a contemplação dos filhos da Grã-Bretanha, como sejam, entre outras, os parlamentos de alguns países, etc. E a razão é esta. Sendo os ingleses, em geral, muito ocupados, pouco tempo lhes resta para ver as coisas alheias. Daí a necessidade de limitar os dias de trabalho parlamentar dos ditos países, a fim de que aqueles insulares possam gozar da vista recreativa das mencionadas instituições. (Cat. Posit., p. 302).
Rio de Janeiro, 3 do Brigadeiro José Anastácio da Cunha Souto de 94 (14 de agosto de 1883) .


[16 outubro]
No MOMENTO em que me sentava a escrever, recebi uma carta de um nosso hóspede ilustre. As-tu vu le mandarin ? * Pois foi ele mesmo, o mandarim, que me escreveu, pedindo a fineza de inserir nas "Balas de Estalo'' uma exposição modesta das impressões que até agora tem recebido do nosso país.
Não traduzi a carta, para lhe não tirar o valor. Além disso, há dela alguns juízos demasiado crus, que melhor é fiquem conhecidos tão-somente dos que sabem a língua chinesa. Em alguns lugares, o meu ilustre correspondente inseriu expressões nossas; ou por não achar equivalente na língua dele ou (como me parece) para mostrar que já está um pouco familiar com o idioma do país. Eis a carta:
Vu pan Lélio,
Lamakatu apá ling-ling "Balas de Estalo", mapapi tung? Keré siri mamma,ulama'i tik'á.
*Esta pergunta,reminiscente de um verso de Musset,se refere à passagem,pelo Rio,do famoso mandarim,que aqui veio tratar da vinda de colonos chineses.
Foi isto motivo para artigos e discursos de protesto, como para a revista O Mandarim, de Artur Azevedo e Moreira Sampaio, estreada em janeiro de 1884.

Ton-ton pacamaré Rua do Ouvidor nappi Botafogo, nappi Laranjeiras mappi Petrópolis gogô. China cava miraka Rua do Ouvidor! Naka ling! tica milung! Ita marica armarinho, gavamacu moça bonita, vala ravala balvão; caixeiro sika maripu derretido. Moçanigu vaia peça fita, agulha, veludo, colchete, iva curva trapalhada. Moço lingu istu passa na rua, che-beru pitigaia entra, namora, rini mamma.
Viliki xaxi xali xaliman. Acalag ting-ting valixu. Upa Costa Braga relá minag katu Integridade abaxung kapi a ver navios. Lamarika ana bapa bung? Gogô xupitô? Nepa in pavé. Brasil desfalques latecatu. Inglese poeta, Shakespeare, kará: make money, upa lamaré in língua Brasil: - mete dinheiro no bolso. Vaia, Vaia, gapaling capita passa a unha simá teka laparika. Eting põe-se a panos, etang merú xilindró.
ltá poxta, China kiva Li-vai-pé, abá naná Otaviano Hudson, naka panaka, neka paneca, mingu. Musa vira kassete.
- Mira lung Minas Gerais longu senado. Vetá miná Lima Duarte passi Cesário Alvim; mará kari Evaristo da Veiga seba Inácio Martins. Rebagú sara Coromandel? Teca laia Coromandel?
Aba lili tramway Copacabana. Vasi lang? Tacatu, pacatu, pacatu. Hu-huchi edital Wagner, limaraia Duvivier. Toca xuxu Figueiredo de Magalhães, upa, upa upa. Baba China páriú. Héh...
Siba-ú lami assembléia provincial nanakaté. Mirô bobó xalu Galvão Peixoto: ridin teca maneca cabelinho na venta. Pantutu? Hermann limpatuba Arang chikang Companhia Telefônica ruru mamma, ipi, xuchi paripangatu, Caminha Magalhães Castro, xela kopa, xela kipa, xela kopa. Neka siri lipa Câmara dos Deputados abaling. China seca pareka amolador empala. Laka pitak? Nana pariú.
Faro e Lino papyros, biblos, makó gogó. Lino abatukamu, Faro abatiki. Eba ú laté! Castelões zuru! Club Beethoven paka xali! Tarinanga axá acaritunga. Harritoff dansa mari xali!
Xulica Brasil pará; aba lingu retórica, palração, tempo perdido, pari mamma; xulica Kurimantu. Iva nenê, iva tatá. Brasil gamela tika moka, inglês ver. Veriman? Calunga, mussanga, monau denguê. Valavala. Dara dara bastonara. Malan drice paku. Ocuoco; momeréo-diarê. Ite, issa est.
Mandarim de 1ª classe
TONG KONG S ING
Como se terá visto, no meio de alguns reparos crus, há muita simpatia e viva observação. Quanto ao estilo, é do mais puro, é da escola de Macau, às doutrinas do século XII antes da Criação. A nossa crítica terá notado a linda imagem com que o ilustre escritor define o progresso, chegando à praia da Copacabana: pacatu, pacatu, pacatu. Em suma, é um documento honroso para o autor e para nós.

[23 outubro]
A Gazeta de Londres publicou, em seu número de 8 do mês passado, um ofício do vice-rei da Índia ao Conde Granville, contendo informações interessantíssimas para a questão dos trabalhadores asiáticos. Visto que há tanto horror aos chins, pareceu-me interessante transcrever esse documento:

À S. Exª. o Sr. Conde Granville, Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros.
Calcutá, 13 de agosto de 1883.
Senhor Conde
Noutro ofício que ora dirijo ao Honrado Secretário de Estado das Colônias dou conta de alguns fatos relativos ao trabalho agrícola na Índia. Peço licença a V. Ex.ª para resumi-los aqui, no caso de que o governo de Sua Majestade tenha de intervir naqueles países da América, onde o trabalho chim é usado, ou vai sê-lo.
Em primeiro lugar, devo lembrar a V. Ex.ª que é preciso distinguir o chim do chim. O chim comum está de muito abandonado em toda a Ásia, onde foi suplantado por uma variedade de chim muito superior à outra. Essa variedade, como já tive ocasião de dizer ao governo de Sua Majestade, é o chimpanzé.
O deplorável equívoco que, durante dilatados anos, classificou o chimpanzé entre os macacos, estava há muito abandonado. Mas persistia a convicção de que, embora pertencente à família humana, o chimpanzé fosse refratário ao trabalho. Esta mesma convicção vai desaparecer, depois das brilhantes experiências feitas nos domínios de Sua Majestade, e até na China e no Japão.
O primeiro súbdito de Sua Majestade que empregou o chimpanzé, foi Sir John Sterling, que reside na Índia há trinta anos. Desde 1864 o seu trabalhador era o chim comum .Ultimamente, porém, deu-se uma desordem, verdadeira rebelião, e a maior parte dos trabalhadores retiraram-se. Sir John Sterling resolveu liquidar e voltar pare a Europa; mas tendo notícia de que o chimpanzé era moralmente superior ao chim comum, mandou contratar uns trinta para ensaio, e deu-se muito bem com eles. Daí a seis meses a plantação tinha cerca de cem indivíduos: hoje conta setecentos e trinta. Dois parentes seus lançaram mão do mesmo instrumento de trabalho; hoje há muitíssimas plantações que não têm outro.
Foram os parentes de Sir John Sterling, que me deram as notícias que nesta data transmito a V. Ex.ª o Sr. Secretário das Colônias, e que vou resumir pare uso de V. Ex.ª
A primeira vantagem do chimpanzé é que é muito mais sóbrio que o Chim comum. As aves domésticas, geralmente apreciadas por este (galinhas, patos, gansos, etc.), não o são pelo outro, que se sustenta de cocos e nozes.O chimpanzé não usa roupa, calçado ou chapéu. Não vive com os olhos na pátria; ao contrário, Sir John Sterling e seus parentes afirmaram que têm conseguido fazer com que os chimpanzés mortos sejam comidos pelos sobreviventes, e a economia resultante deste meio de sepultura pode subir, numa plantação de dois mil trabalhadores, a duzentas libras por ano.
Não tendo os chimpanzés nenhuma espécie de sociedade, nem instituições, não há em parte alguma embaixadas nem consulados;o que quer dizer que não há nenhuma espécie de reclamação diplomática, e pode V. Ex.ª calcular o sossego que este fato traz ao trabalho e aos trabalhadores. Está provado que toda a rebelião do chim comum provém da imagem, que eles têm presente, de um governo nacional, um imperador e inúmeros mandarins. Por outro lado, a imprensa não poderá tomar as dores por ele, para não confessar uma solidariedade da espécie, que ainda repugna a alguns.
Quanto aos lucros, dizem-me que são de vinte e cinco a vinte e oito por cento, Sir John Sterling fez no ano de 1881, com o chim comum, vinte mil libras; em 1882, tendo introduzido em março os primeiros chimpanzés, apurou quinze mil libras; e nos primeiros seis meses deste ano vai em onze mil e quinhentas. A perfeição do trabalho é, ou a mesma, ou maior. A celeridade é dobrada, e a limpeza é tão superior, que Sir John não viu nada melhor na Inglaterra.
No ofício ao Secretário das Colônias, mando alguns dados estatísticos, desenvolvidos, que não reproduzo para não alongar este.
A princípio houve relutância em admitir o chimpanzé pelo fato de andar muita vez a quatro pés; mas Sir John Sterling, que é naturalista e antropologista emérito, fez observar aos parentes e amigos, que a atitude do chimpanzé é uma questão de costumes. Na Europa e outras partes, há muitos bípedes por simples hábito, educação, uso de família, imitação e outras causas, que não implicam com as faculdades intelectuais. Mas tal é a força do preconceito que, assim como no caso daqueles bípedes se conclui da posição das pernas para a qualidade da pessoa, assim também se faz com o chimpanzé; sendo ambos o mesmíssimo caso: - uma questão de aparência e preconceito. Felizmente, a propaganda vai fazendo desaparecer esse erro funesto, e o chimpanzé começa a ser julgado de um modo eqüitativo, científico e prático.
Rogo a V. Ex. se digne submeter estes fatos ao conhecimento do Sr. Gladstone.
Sou, etc.
WEBSTER.
Esta carta é realmente importante, e espero sejam devidamente apreciadas e não fiquem perdidas as lições que contém. O nosso defeito é não dar atenção a coisas sérias! Esta é das mais sérias.
As pessoas que preferem os chins, não podem deixar de aceitar este substituto. Segundo a carta transcrita, o chimpanzé tendo as mesmas aptidões do outro chim, é muito mais econômico. Por outro lado, os adversários, os que receiam o abastardamento da raça, não terão esse argumento, porque o chimpanzé não se cruzará com as raças do país.

[7 novembro]
NASCER RICO é uma grande vantagem que nem todos sabem apreciar. Qual não será a de nascer rei? Essa é ainda mais preciosa, não só por ser mais rara, como porque não se pode lá chegar por esforço próprio, salvo alguns desses lances tão extraordinários, que a história toda se desloca. Sobe-se de carteiro a milionário ; não se sobe de milionário a príncipe.
Entretanto, dado o caso de vocação (porque a natureza diverte-se às vezes em andar ao invés da sociedade), como há de um homem que sente ímpetos régios, combinar o sentimento pessoal com a paz pública? Aí está o caso em que nem o mais fino Escobar era capaz de resolver; aí está o que resolveram alguns cidadãos de Guaratinguetá.
Reuniram-se e organizaram uma irmandade de Nossa Senhora do Rosário, que é irmandade só no nome; na realidade, é um reino; e tudo indica que é o reino dos céus. Os referidos cidadãos acharam o meio de cingir a coroa sem vir buscá-la a S. Cristovão: elegem anualmente um rei, e a coroa passa de uma testa a outra, pacificamente, alegremente, como no jogo do papelão. Aqui vai o papelão. O que traz o papelão?
No presente ano (1883 - 1884), o Rei da irmandade é o Sr. Martins de Abreu, nome pouco sonoro, mas não é de sonoridade que vivem as boas instituições. A Rainha é a Sra. D. Clara Maria de Jesus. Há um Juiz do Ramalhete, que é o Sr. Francisco Ferreira, e uma juíza do mesmo Ramalhete que é a Sra. D. Zelina Rosa do Amor Divino. Não há a menor explicação do que seja este ramalhete. É realmente um ramalhete ou é nome simbólico do principado ministerial?
Segue-se o Capitão do Mastro. Este cargo coube ao Sr. Antônio Gonçalvez Bruno, e não tem funções definidas. Capitão do Mastro faz cismar. Que mastro, e por que capitão? Compreendo o Juiz da Vara, compreendo mesmo o Alferes da Bandeira. Este é provavelmente o que leva a bandeira, e, para supor que o capitão tem a seu cargo carregar um mastro, é preciso demonstrar primeiramente a necessidade do mastro. Já não digo a mesma coisa do Tenente da Coroa, cargo desempenhado pelo Sr. João Marcelino Gonçalves. Pode-se notar somente a singularidade de ser a coroa levada por um tenente; mas, dadas as proporções limitadas do novo reino, não há que recusar. Há também um sacristão, que é alferes, o Sr. alferes Bueno, e. .. Não, isto pede um parágrafo especial.
Há também um (digo?) há também um Meirinho. O Sr. Neves da Cruz é o encarregado dessas funções citatórias e compulsivas, e provavelmente não é cargo honorífico, se o fosse, teria outro nome. Não; ele cita, ele penhora, ele captura os irmãos do Rosário. Assim, pois, esta irmandade tem um tesoureiro para recolher o dinheiro, um procurador para ir cobrá-lo e um meirinho para compelir os remissos. Un capo d'opera.
Agora, como é que se tratam uns aos outros esses dignitários? Não sei; mas presumo, pelo pouco que conheço da natureza humana, que eles não ficam a meio caminho da ficção. O Rei pode ter Majestade, e assim também a Rainha. E quando receberem os cumprimentos, adivinho que os receberão com certa complacência fina, certo ar digno e grande. Hão de chover os títulos - Vossa Majestade, Vossa Perfumaria Vossa Mastreação. . . Em roda o povo de Guaratinguetá, e por cima a lua cochilando de fastio e sono..

[24 novembro]
A Folha Nova afirma em seu número de ontem, na parte editorial, que os membros da polícia secreta; agora dissolvida, tinham o costume de gritar para se darem importância: Sou polícia secreta!
Pour un comble, violá un comble. Há de haver alguma razão,igualmente secreta, para um caso tão fora das previsões normais.Por mais que a parafuse, não acho nada, mas vou trabalhar e um dia destes, se Deus quiser, atinando com a coisa, dou com ela no prelo.
Porquanto (e esta é a parte sublime do meu raciocínio), porquanto eu não creio que fosse a ideia de darem-se importância que levasse os secretas a descobrirem-se.
Conheci esses modestos funcionários. Não eram só modestos, eram também lógicos.
Nenhum deles bradaria que era secreta, com a intenção vaidosa de aparecer; mas, dado mesmo que quisessem fazê-lo, era inútil porque os petrópolis que traziam na mão definiam melhor do que os mais grossos livros do universo. Eu pergunto aos homens de boa vontade razão clara e coração sincero: -Quando a gente via, na esquina, três ou quatro sujeitos encostadinhos da Silva, com fuzis nos olhos, e petrópolis na mão, não sabia logo, não jurava que eram três ou quatro secretas?
Afinal achei a razão do fato que assombrou ao nosso colega e a nós. Peço ao leitor que espane primeiro as orelhas e faça convergir toda a atenção para o que vou dizer, que não é de compreensão fácil.


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