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terça-feira, 29 de outubro de 2013

Admirável Mundo Novo - Adous Huxley [parte 28]

- Um exemplo público - dizia ele. - Nesta sala, visto haver nela mais trabalhadores das castas
superiores que em todas as outras do centro. Disse-lhe para me procurar aqui às duas e meia.
- Ele faz muito bem o seu trabalho - disse Henry, intervindo com uma generosidade hipócrita.
- Bem sei. Mais uma razão para procedermos com mais severidade. A sua elevada condição intelectual
cria também responsabilidades morais. Quanto maior é a capacidade de um homem, mais
possibilidades tem de desencaminhar os outros.
Mais vale o sacrifício de um só que a corrupção de muitos. Encare o caso desapaixonadamente, senhor
Foster, e verificará que não há crime mais odioso que a falta de ortodoxia na conduta.
O assassínio mata apenas o indivíduo. E que significa, afinal de contas, um indivíduo? - Com um gesto
largo, designou as fileiras de microscópios, de tubos de ensaio, de incubadores. - Sabemos produzir um
indivíduo novo com a maior facilidade, tantos quantos quisermos. A falta de ortodoxia ameaça coisas
que ultrapassam a vida de um simples indivíduo: atinge a própria sociedade. Sim, a própria sociedade -
repetiu. - Ah! Mas aí vem ele.
Bernard entrara na sala e dirigiu-se para eles por entre as fileiras de fecundadores. Uma frágil camada
de segurança pretensiosa mal conseguia disfarçar o seu nervosismo. O tom de voz em que disse "Bom
dia, senhor Diretor" era absurdamente forte. Por isso, retificando o seu erro, disse num tom
ridiculamente suave, um pequeno guincho de ratinho: - O senhor pediu-me que viesse aqui falar-lhe.
- Sim, senhor Marx - concordou o Diretor com voz de mau agouro -, pedi-lhe, efetivamente, que me
procurasse aqui.
O senhor regressou da sua licença ontem à noite, não é verdade?

- Sim - respondeu Bernard.
- Si-im - repetiu o Diretor arrastando este i com ironia. Depois, erguendo subitamente a voz: -
Senhoras e senhores trovejou -, senhoras e senhores.
O cantarolar das raparigas curvadas sobre os seus tubos de ensaio e o assobio despreocupado dos
operadores dos microscó pios cessaram repentinamente. Estabeleceu-se um profundo silêncio. Todos se
voltaram.
Minhas senhoras e meus senhores - repetiu novamente o Diretor -, peço que me desculpem o vir
interromper os vossos trabalhos. Mas um dever penoso a isso me obriga. A segurança e a estabilidade
da sociedade estão em perigo. Sim, minhas senhoras e meus senhores, em perigo. Este homem - e
apontou para Bernard um dedo acusador -, este homem que está aqui diante de todos, este Alfa-Mais, a
quem tantas coisas foram dadas e de quem, portanto, se devia esperar tanto, este homem, vosso colega
ou será melhor antecipar e dizer desde já «vosso ex-colega»? traiu grosseiramente a confiança de que
era depositário. Devido às suas ideias heréticas acerca do desporto e do soma, pela escandalosa
irregularidade da sua vida sexual, pela sua recusa em obedecer aos ensinamentos de Nosso Ford e por
se conduzir fora das horas de trabalho «como um bebê na proveta» - neste ponto do seu discurso o
Diretor fez um sinal de T -, revelou-se como um inimigo da sociedade, um homem subversivo,
senhores e senhoras, em relação a toda a ordem e a toda a estabilidade, um conspirador contra a própria
civilização. Por este motivo, proponho-me exonerá-lo, exonerá-lo do posto que ignominiosamente
ocupou neste centro. Proponho-me pedir imediatamente a sua transferência para um subcentro da mais
baixa categoria, e, para que o seu castigo possa servir mais completamente os interesses da sociedade,
mantê-lo afastado o mais possível de qualquer centro de população importante. Na Islândia terá poucas
oportunidades de desencaminhar alguém com o seu exemplo antifordiano. - O Diretor calou-se um
instante; depois, cruzando os braços, voltou-se de uma maneira impressionante para Bernard. - Marx -
perguntou - tem alguma razão a apresentar para não executar já a sentença que acaba de ser
pronunciada contra si?
- Tenho - respondeu Bernard com voz firme. Um pouco desconcertado, mas sempre majestosamente, o
Diretor ordenou: - Então queira apresentá-la.
- Com certeza. Mas essa razão está no corredor. Um momento. - Bernard correu rapidamente para a
porta e abriu-a de par em par. - Entre - ordenou ele.
E a «razão» entrou e apresentou-se. Houve um resfolegar convulsivo, um murmúrio de espanto e de
horror; uma das raparigas gritou; alguém que trepara para uma cadeira para ver melhor entornou dois
tubos de ensaio cheios de espermatozoides. Inchada, curvada, e, entre tantos corpos juvenis e rijos,
tantos rostos lisos que nada crispava, monstro estranho e aterrorizador da idade madura, Linda
adiantou-se no compartimento, sorrindo sedutoramente com o seu sorriso quebrado e incolor,
meneando ao caminhar, num gesto que pensava ser uma ondulação voluptuosa, as suas ancas enormes.
Bernard caminhava a seu lado.
- Ei-lo - disse ele, designando o Diretor.
- Você pensou que eu não seria capaz de o reconhecer?
- perguntou Linda, indignada. Depois, virando-se para o Diretor: - Claro que te reconheci, Tomakin,
ter-te-ia reconhecido entre mil, fosse onde fosse. Mas talvez tu me tenhas esquecido. Não te lembras?
Não te lembras, Tomakin? - E ficou ali plantada a olhá-lo, a cabeça inclinada, sorrindo sempre, mas
com um sorriso que, diante da expressão de desgosto petrificado que imobilizava o rosto do Diretor,
perdia progressivamente a firmeza, com um sorriso indeciso que acabou por se extinguir.
- Tu não te lembras, Tomakin? - repetiu ela com voz trêmula. - Tinha o olhar angustiado, repassado de
uma dor atroz. O rosto pustuloso e inchado teve um frêmito grotesco ao tomar o aspecto contorcido de
um extremo sofrimento. - Tomakin! - E estendeu-lhe os braços.
Alguém começou a rir sarcasticamente.
- Que significa- começou o Diretor- esta monstruosa...
- Tomakin!
Ela projetou-se para a frente, arrastando a sua manta, lançou-lhe
os braços ao pescoço, escondendo a cara no peito dele. Os risos explodiram em urros que nada podia
reprimir. -... esta monstruosa farsa? - gemeu o Diretor, com rosto congestionado, tentando libertar-se
do@ abraço de Linda. Ela agarrou-se desesperadamente a ele.
- Mas eu sou a Linda, eu sou a Linda. - A sua voz foi abafada pelos risos. - Tu fizeste-me ter um bebé -
berrou, dominando o tumulto. Houve um silêncio súbito e apavorante. Os olhares flutuaram,
constrangidos, não sabendo para onde se deviam dirigir. O Diretor empalideceu bruscamente, deixou
de se debater e ali ficou, as mãos agarrando os pulsos de Linda, os olhos esbugalhados fitando-a
horrorizado. - Sim, um bebê, e sou eu a mãe. - Atirou esta obscenidade, como um desafio, no silêncio
ofendido. Depois, afastando-se repentinamente dele, envergonhada, tapou os olhos com as mãos,
soluçando. - Não tive culpa, Tomakin. Porque sempre pratiquei os processos maltusianos, não foi? Não
foi? Sempre ... Não sei como eu ... Se tu soubesses como é horroroso, Tomakin ... Mas ele sempre foi
para mim uma grande consolação, apesar de tudo. Virando-se para a porta, chamou: - John! John!
John entrou imediatamente, deteve-se um momento na soleira da porta, lançou um olhar à sua
volta, depois atravessou rápida e silenciosamente a sala, caiu de joelhos diante do Diretor e disse com
voz clara: - Meu pai! Esta palavra (porque «pai» não era obsceno - dada a distância que este termo
implicava em relação aos segredos repugnantes e imorais da gestação -, era simplesmente grosseiro, era
uma inconveniência mais escatológica que pornográfica), esta palavra comicamente indecente,
provocou uma distensão no que se tinha tornado uma tensão absolutamente intolerável. Estalaram risos
enormes, quase histéricos, em rajadas sucessivas, como se nunca mais fossem acabar. « Meu pai. » E
era o Diretor! «Meu pai!» Oh! Ford! Oh! Ford! Que coisa verdadeiramente colossal! Renovaram-se os
soluços e as tempestades de risos, os rostos pareciam estar prestes a voar em estilhaços, as lágrimas
corriam. Outros seis tubos de espermatozoides foram entornados. «Meu pai!»
Lívido, os olhos esbugalhados, o Diretor deitava olhares espantados para todos os lados, sofrendo
martírios pela humilhação atordoante.
«Meu pai!» As gargalhadas, que pareciam querer acalmar-se, rebentaram de novo, mais vigorosas que
nunca. Tapou os ouvidos com as mãos e precipitou-se para fora da sala.

CAPÍTULO DÉCIMO PRIMEIRO
Depois da cena da Sala de Fecundação, toda a Londres das castas superiores ardia em desejo de ver
essa deliciosa criatura que caíra de joelhos diante do Diretor da Incubação e do Condicionamento, ou,
melhor, o ex-diretor, porque o pobre homem pedira imediatamente a demissão e nunca mais pusera os
pés no centro, essa criatura que se tinha prostrado, chamando-lhe (o gracejo era quase demasiado
perfeito para ser verdadeiro!) «meu pai»O. Linda, pelo contrário, não provocou o menor entusiasmo.
Ninguém manifestava o mais leve desejo de a ver. Dizer-se que era mãe não era apenas um gracejo: era
uma obscenidade. Por outro lado, ela não era uma autêntica selvagem, pois fora gerada numa proveta,
decantada e condicionada como toda a gente, de maneira que não podia ter ideias verdadeiramente
bizarras. Além do mais - e essa era a razão mais poderosa que levava toda a gente a não desejar ver a
pobre Linda -, havia o seu aspecto. Obesa como estava, com a mocidade perdida, com os dentes
cariados, a pele pustulosa e com a sua aparência - Ford! -, era completamente impossível olhá-la sem
sentir náuseas. Assim, as pessoas de mais destaque estavam firmemente decididas a não ver Linda. E
também Linda não tinha qualquer desejo de se encontrar com elas. O regresso à civilização era, para
ela, o regresso ao soma, era a possibilidade de ficar na cama e de ter fugas sobre fugas, sem regressar
delas com enxaquecas ou vômitos, sem nunca mais sentir o que sentia depois de ter bebido o peyotl, a
sensação de ter feito qualquer coisa tão vergonhosamente antissocial que nunca mais podia andar de
cabeça levantada. O soma não provocava nenhuma dessas desagradáveis consequências. O
esquecimento que provocava era perfeito, e se na manhã seguinte era desagradável, não o era
intrinsecamente, mas apenas por comparação com as alegrias da fuga. O remédio estava em tornar as
fugas contínuas. Avidamente, ela reclamava doses sempre mais fortes, sempre mais frequentes. A
princípio, o Dr. Shaw hesitou, para depois consentir em que tomasse tudo quanto quisesse. Chegou a
tomar vinte gramas por dia.

-Isso acabará com ela num mês ou dois - confiou o médico a Bernard. - Um belo dia ficará com o
aparelho respiratório paralisado. Não respirará mais. Acabado. E será muito melhor. Se fôssemos
capazes de a rejuvenescer, seria, naturalmente, diferente. Mas não podemos.
indo contra a opinião de todos (porque durante o seu sono de soma Linda ficava muito comodamente à
margem de tudo), John levantou objeções.
- Mas não vão encurtar-lhe a vida dando-lhe tais quantidades de soma?
- De um certo ponto de vista, sim - reconheceu o Dr. Shaw. - Mas, de um outro, na verdade,
prolongamo-la. - O rapaz arregalou os olhos, sem compreender. - É verdade que o soma faz perder
alguns anos no Tempo - continuou o doutor. - Mas pense nas durações enormes, imensas, que é capaz
de lhe dar fora do Tempo. Todo o sono produzido pelo soma é um fragmento daquilo a que os nossos
antepassados chamavam eternidade.
John começou a compreender.
- A eternidade estava nos nossos lábios e nos nossos olhos - murmurou.
- Como?
- Nada.
- Entenda-se - acrescentou o Dr. Shaw - que não podemos permitir às pessoas que mergulhem na
eternidade quando têm um trabalho sério a fazer. Mas como ela não tem qualquer trabalho sério ...
- Não obstante - insistiu John -, não me parece bem.
O doutor encolheu os ombros.
- Oh! Esclareço que, se quiser trazê-la todo o tempo às costas,
berrando como uma louca ... Por fim, John viu-se obrigado a ceder. Linda teve o soma que quis. Daí
por diante conservou-se no seu quartinho, no trigésimo sétimo andar da casa de apartamentos de
Bernard, estendida na cama, com a T. S. F. e a televisão funcionando ininterruptamente, a torneira de
pachuli ligeiramente aberta de modo a deixar correr o perfume gota a gota e os comprimidos de soma
ao alcance da mão. Foi ali que ficou mas, no entanto, não era ali que ela estava. Estava sempre noutra
parte, infinitamente longe, em férias; em férias em qualquer outro mundo, onde a música radiofônica
era um labirinto deslizante, palpitante, que conduzia (por que voltas maravilhosamente inevitáveis!) a
um centro onde brilhava a certeza absoluta; onde as imagens dançantes do aparelho de televisão eram
os atores de algum filme sensível e cantante, indescritivelmente delicioso; onde o pachuli, caindo gota
a gota, era mais que um perfume, transformando-se no sol, num milhão de saxofones, com Popé
fazendo o amor, mas muito mais intensamente, incomparavelmente mais forte e sem cessar.
- Não, não podemos rejuvenescer. Mas estou muito satisfeito - tinha concluído o Dr. Shaw - por ter tido
esta oportunidade de observar a senilidade num ser humano. Agradeço-lhe muito o ter-me mandado
chamar.
Apertou vigorosamente a mão de Bernard. Portanto, era em John que todos estavam interessados. E
como era só por intermédio de Bernard, seu reconhecido guardião, que John podia ser visto, Bernard
viu-se então, pela primeira vez na sua vida, tratado não apenas como toda a gente, mas como
personagem de grande destaque.
já não se falava do álcool no seu pseudo-sangue, não se faziam alusões desprimorosas ao seu aspecto
pessoal. Henry Foster deu-se ao trabalho de se incomodar para lhe testemunhar a sua amizade; Beníto
Hoover presenteou-o com seis pacotes de goma de mascar à base de hormona sexual; o predestinador
adjunto veio visitá-lo e mendigou quase com humildade um convite para uma das suas recepções.
Quanto às mulheres, bastava Bernard deixar entrever a possibilidade de um convite para ter a que lhe
agradasse, fosse qual fosse.
- Bernard convidou-me para ver o Selvagem na próxima quarta-feira - anunciou triunfalmente Fanny.
- Como fico satisfeita - disse Lenina. - E agora tens de reconhecer como estavas enganada a respeito de
Bernard. Não achas que ele é muito gentil?
Fanny aquiesceu com um sinal de cabeça.
- E devo declarar - acrescentou - que me senti agradavelmente surpreendida.
O chefe dos enfrascadores, o diretor da predestinação, três subadjuntos do fecundador-geral, o
professor de Cinema Sensível do Colégio dos Engenheiros de Emoção, o decano do coro comum de
Westminter, o controlador de bokanovskização. A lista de notabilidades de Bernard era interminável.
- E tive seis mulheres na semana passada - confessou ele a Helmholtz Watson. - Na segunda, uma; duas
na terça; na sexta, outra vez duas, e uma no sábado. E se tivesse tido tempo ou desejo, haveria pelo
menos uma dúzia delas que não queriam outra coisa ...
Helmholtz ouviu-lhe as gabarolices num silêncio tão sombriamente desaprovador que Bernard se sentiu
ofendido.
- Você está com inveja - disse ele. Helmholtz abanou a cabeça negativamente.
- Estou um pouco triste, mais nada - respondeu. Bernard deixou-o, cheio de raiva. «Nunca - disse para
si próprio-nunca maisvoltarei adirigira palavra a Helmholtz.»
Passaram os dias. O sucesso subiu à cabeça de Bernard como um vinho capitoso e o curso dos
acontecimentos reconciliou-o completamente (como deve fazê-lo um bom produto embriagador) com
um mundo que, até então, tinha considerado bem pouco aprazível. Enquanto esse mundo continuasse a
reconhecer-lhe a importância, a ordem das coisas parecia-lhe boa. Mas, ainda que reconciliado com o
seu sucesso, recusou, todavia, renunciar ao direito de criticar essa ordem, pois o fato de criticar
exaltava nele o sentimento da sua importância, dava-lhe a impressão de ser maior. Além disso, estava
sinceramente convencido da existência de coisas criticáveis. (Ao mesmo tempo, agradava-lhe
sinceramente ter sucesso e possuir todas as mulheres que quisesse.)
Diante daqueles que, por causa do Selvagem, lhe faziam agora a corte, Bernard exibia uma falta de
ortodoxia provocante.
Ouviam-no cortesmente. Mas, pelas costas, as pessoas abanavam a cabeça. «Este rapaz vai acabar
mal», diziam, profetizando com um tanto mais confiança quanto era certo que fariam o possível,
quando houvesse oportunidade, de lhe fazer cumprir a profecia. «Não deve encontrar outro Selvagem
para o arrancar de dificuldades pela segunda vez», comentavam. De momento, havia,
indubitavelmente, o primeiro Selvagem. E procuravam ser delicados. E porque eram delicados,
Bernard tinha a sensação de ser positivamente gigantesco e ao mesmo tempo muito leve, mais leve que
o ar.
Mais leve que o ar - comentou Bernard, espetando um dedo no ar.
Como uma pérola no céu, lá no alto, muito alto, por cima deles, o balão cativo do Serviço
Meteorológico brilhava, muito rosado, ao sol. «Mostrar-se-á ao referido Selvagem - assim rezavam as
instruções que Bernard tinha recebido - a vida civilizada em todos os seus aspectos.»
Mostravam-lhe presentemente, num voo rápido, uma rápi da vista do alto da plataforma da torre de
Charing-T. O chefe da estação e o meteorologista local serviam-lhe de guias ... Mas era sobretudo
Bernard quem falava. Inebriado, portava-se como se fosse, pelo menos, um Administrador Mundial em
viagem de inspeção. «Mais leve que o ar.»
O Foguetão Verde de Bombaim caiu do céu. Os passageiros, desceram. Oito gêmeos dravidianos
idênticos, vestidos de caqui, meteram a cabeça pelas oito vigias da cabina. Eram os criados de serviço.
- Mil duzentos e cinquenta quilômetros à hora - disse o chefe da estação em tom impressionante. - Que
pensa disto, senhor Selvagem?
John achou que era impressionante.
- Apesar de tudo - acrescentou -, Puck podia dar uma volta em torno da Terra em quarenta minutos.
1 Referência a Sonho de Uma Noite de Verão, 11, 1.
« O Selvagem - escreveu Bernard no seu relatório a Mustafá Mond - manifesta, espantosamente, pouca
admiração ou temor pelas invenções civilizadas. Isso deve-se, em parte, sem dúvida, ao que lhe foi
contado pela mulher Linda, sua m... (Mustafá Mond franziu o sobrolho. «Esse imbecil imaginará que
sou tão pusilânime que não seja capaz de ver a palavra escrita com todas as letras?»), e, em parte, ao
fato de o seu interesse estar concentrado naquilo que designa como a sua alma, que persiste em
considerar como uma entidade independente do meio físico; enquanto, como tentei demonstrar-lhe ... »
O Administrador saltou as frases seguintes, e estava quase a voltar a página, para procurar qualquer
coisa de mais interessante e mais concreto, quando o seu olhar foi atraído por uma série de frases
absolutamente extraordinárias: « ... ainda que me seja necessário reconhecer que estou de acordo com o
Selvagem para julgar demasiado fácil o que a civilização tem de infantil, ou, como ele diz, todas as
coisas exigindo pouco esforço, e permito-me aproveitar esta oportunidade para chamar a atenção de
Vossa Forderia para ... »
A cólera de Mustafá Mond deu quase imediatamente lugar à alegria. A ideia de que semelhante tipo lhe
impingia - a ele - um curso solene acerca da ordem social era, na verdade, excessivamente grotesca.

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