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quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Que é metafísica? - Heidegger [parte 6]

O estar suspenso do ser-aí no nada originado pela angústia escondida
transforma o homem no lugar-tenente do nada. Tão finitos somos nós que
precisamente não somos capazes de nos colocarmos originaria mente diante do
nada por decisão e vontade próprias. Tão insondavelmente a finitização escava
as raízes do ser-aí que a mais genuína e profunda finitude escapa à nossa
liberdade.
O estar suspenso do ser-aí dentro do nada originado pela angústia
escondida é o ultrapassar do ente em sua totalidade: a transcendência.
Nossa interrogação pelo nada tem por meta apresentar-nos a própria
metafísica. O nome metafísica vem do grego: tà metà physiká. Esta surpreendente
expressão foi mais tarde interpretada como caracterização da
interrogação que vai meta — trans “além do ente enquanto tal.
Metafísica é o perguntar além do ente para recuperá-lo, enquanto tal e em
sua totalidade, para a compreensão.

Na pergunta pelo nada acontece um tal ir para fora além do ente enquanto
ente em sua totalidade. Com isto prova-se que ela é uma questão “metafísica”.
De questões deste tipo dávamos, no início, uma dupla característica: cada
questão metafísica compreende, de um lado, sempre toda a metafísica. Em cada
questão metafísica, de outro lado, sempre vem envolvido o ser-aí que interroga.
Em que medida perpassa e compreende a questão do nada a totalidade da
metafísica?
Sobre o nada a metafísica se expressa desde a Antiguidade numa
enunciação, sem dúvida, multívoca: ex nihilo nihil fit, do nada nada vem. Ainda
que, na discussão do enunciado, o nada, em si mesmo, nunca se torne problema,
expressa ele, contudo, a partir do respectivo ponto de vista sobre o nada, a
concepção fundamental do ente que aqui é condutora. A metafísica antiga
concebe o nada no sentido do não-ente, quer dizer, da matéria informe, que a si
mesma não pode dar forma de um ente com caráter de figura, que, desta
maneira, oferece um aspecto (eidos). Ente é a figura que se forma a si mesma,
que enquanto tal se apresenta como imagem, origem, justificação e limites desta
concepção de ser são tão pouco discutimos como o é o próprio nada. A
dogmática cristã, pelo contrário, nega a verdade do enunciado: ex nihilo nihil fit
e dá, com isto, uma significação modificada ao nada, que então passa a
significar a absoluta ausência de ente fora de Deus: ex nihilo fit — ens creatum.
O nada toma-se agora o conceito oposto ao ente verdadeiro, ao summum ens, a
Deus enquanto ens increatum. Também a explicação do nada indica a
concepção fundamental do ente. A discussão metafísica do ente mantém-se,
porém, ao mesmo nível que a questão do nada. As questões do ser e do nada
enquanto tais não têm lugar. E por isso que nem mesmo preocupa a dificuldade
de que, se Deus cria do nada, justamente precisa poder entrar em relação com o
nada. Se, porém, Deus é Deus, não pode ele conhecer o nada, se é certo que o
“absoluto” exclui de si tudo o que tem caráter de nada.
A superficial recordação histórica mostra o nada com o conceito oposto ao
ente verdadeiro, quer dizer, como sua negação. Se, porém, o nada de algum
modo se torna problema, então esta contraposição não experimenta apenas uma
determinação mais clara, mas então primeiramente se suscita a verdadeira
questão metafísica a respeito do ser do ente. O nada não permanece o
indeterminado oposto do ente, mas se desvela como pertencente ao ser do ente.
“O puro ser e o puro nada são, portanto, o mesmo.” Esta frase de Hegel
(Ciência da Lógica, Livro 1 WW III, p. 74) enuncia algo certo. Ser e nada coopertencem,
mas não porque ambos — vistos a partir da concepção hegeliana do
pensamento — coincidem em sua determinação e imediatidade, mas porque o
ser mesmo é finito em sua manifestação no ente (Wesen), e somente se
manifesta na transcendência do ser-aí suspenso dentro do nada.
Se, de outro lado, a questão do ser enquanto tal é a questão que envolve a
metafísica, então está demonstrado que a questão do nada é uma questão do tipo
que compreende a totalidade da metafísica. A questão do nada pervade, porém,
ao mesmo tempo, a totalidade da metafísica, na medida em que nos força a
enfrentar o problema da origem da negação, isto quer dizer, nos coloca
fundamentalmente diante da decisão sobre a legitimidade com que a ‘lógica
impera na metafísica.
A velha frase ex nihilo nihil fit contém então um outro sentido que atinge o
próprio problema do ser e diz: ex nihilo omne ens qua ens fit. Somente no nada
do ser-aí o ente em sua totalidade chega a si mesmo, conforme sua mais própria
possibilidade, isto é, de modo finito. Em que medida então a questão do nada, se
for uma questão metafísica, já envolveu em si mesma nossa existência
interrogante? Nós caracterizamos nossa existência, aqui e agora experimentada,
como essencialmente determinada pela ciência. Se nossa existência assim
determinada está colocada na questão do nada, deve então ter-se tornado
problemática por causa desta questão.


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