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quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Que é metafísica? - Heidegger [parte 5]

Mas agora devemos dar finalmente a palavra a uma objeção já por tempo
demasiado reprimida. Se o ser-aí somente pode entrar em relação com o ente
enquanto está suspenso no nada, se, portanto, somente assim pode existir e se o
nada somente se revela originalmente na angústia, não devemos nós então pairar
constantemente nesta angústia para, afinal, podermos existir? Não
reconhecemos nós mesmos que esta angústia originária é rara? Mas, antes disso,
está fora de dúvida que todos nós existimos e nos relacionamos com o ente —
tanto aquele ente que somos como aquele que não somos — sem esta angústia.
Não é ela uma invenção arbitrária e o nada a ela atribuído um exagero?
Entretanto, o que quer dizer: esta angústia originária somente acontece em
raros momentos? Não outra coisa que: o nada nos é primeiramente e o mais das
vezes dissimulado em sua originaridade. E por quê? Pelo fato de nos
perdemos, de determinada maneira, absolutamente junto ao ente. Quanto mais
nos voltamos para o ente em nossas ocupações, tanto menos nós o deixamos
enquanto tal, e tanto mais nos afastamos do nada. E tanto mais seguramente nos
jogamos na pública superfície do ser-aí.

E, contudo, é este constante, ainda que ambíguo desvio do nada, em certos
limites, seu mais próprio sentido. Ele, o nada em seu nadificar, nos remete
justamente ao ente. O nada modificada ininterruptamente sem que nós
propriamente saibamos algo desta nadificação pelo conhecimento no qual nos
movemos cotidianamente.
O que testemunha, de modo mais convincente, a constante e difundida,
ainda que dissimulada, revelação do nada em nosso ser-aí, que a negação? Mas,
de nenhum modo, esta aproxima o ‘não”, como meio de distinção e oposição do
que é dado, para, por assim dizer, colocá-lo entre ambos. Como poderia a
negação também produzir por si o ‘não” se ela somente pode negar se lhe foi
previamente dado algo que pode ser negado? Como pode, entretanto, ser
descoberto algo que pode ser negado e que deve sê-lo enquanto afetado pelo
“não” se não fosse realidade que todo o pensamento enquanto tal, já de
antemão, tem visado ao ‘não”? Mas o “não” somente pode revelar-se quando
sua origem, o nadifícar do nada em geral e com isto o próprio nada foram
arrancados de seu velamento. O “não” não surge pela negação, mas a negação
se funda no “não” que, por sua vez, se origina do nadificar do nada. Mas a
negação é também apenas um modo de uma revelação nadificadora, isto quer
dizer, previa mente fundado no nadificar do nada.
Com isto está demonstrada, em seus elementos básicos, a tese acima: o
nada é a origem da negação e não vice-versa, a negação a origem do nada. Se
assim se rompe o poder do entendimento no campo da interrogação pelo nada e
pelo ser, então se decide também, com isto, o destino do domínio da “lógica” no
seio da filosofia. A ideia da “lógica” mesma se dissolve no redemoinho de uma
interrogação mais originária.
Por muito e diversamente que a negação — expressamente ou não —
atravesse todo o pensamento, ela, de nenhum modo, por si só, é o testemunho
válido para a revelação do nada pertencente essencialmente ao ser-aí. Pois a
negação não pode ser proclamada nem o único, nem mesmo o comportamento
nadificador condutor, pelo qual o ser-aí é sacudido pelo nadificar do nada. Mais
abissal que a pura conveniência da negação pensante é a dureza da contra atividade
e a agudeza da execração. Mais responsável é a dor da frustração e a
inclemência do proibir. Mais importuna é a aspereza da privação.
Estas possibilidades do comportamento nadificador — forças em que o
ser-aí sustenta seu estar-jogado, ainda que não o domine — não são modos de
pura negação. Mas isto não as impede de se expressar no “não e na negação.
Através delas é que se trai, sem dúvida, de modo mais radical, o vazio e a
amplidão da negação. Este estar o ser-aí totalmente perpassado pelo
comportamento nadificador testemunha a constante e, sem dúvida, obscurecida
revelação do nada, que somente a angústia originariamente desvela. Nisto,
porém, está: esta originária angústia é o mais das vezes sufocada no ser-aí. A
angústia está aí. Ela apenas dorme. Seu hálito palpita sem cessar através do ser-aí:
mas raramente seu tremor perpassa a medrosa e imperceptível atitude do ser-aí
agitado envolvido pelo “sim, sim” e pelo “não, não”; bem mais cedo perpassa
o ser-aí senhor de si mesmo; com maior certeza surpreende, com seu
estremecimento, o ser-aí radicalmente audaz. Mas, no último caso, somente
acontece originado por aquilo por que o ser-aí se prodigaliza, para assim
conservar-lhe a derradeira grandeza.
A angústia do audaz não tolera nenhuma contraposição à alegria ou mesmo
à agradável diversão do tranqüilo abandonar-se à deriva. Ela situa-se — aquém
de tais posições — na secreta aliança da serenidade e doçura do anelo criador. A
angústia originária pode despertar a qualquer momento no ser-aí. Para isto ela
não necessita ser despertada por um acontecimento inusitado. À profundidade
de seu imperar corresponde paradoxalmente a insignificância do elemento que
pode provocá-la. Ela está continuamente à espreita e, contudo, apenas raramente
salta sobre nós para arrastar-nos à situação em que nos sentimos suspensos.

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