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quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Que é metafísica? - Heidegger [parte 3]


A ciência nada quer saber do nada. Mas não é menos certo também que,
justamente, ali, onde ela procura expressar sua própria essência, ela recorre ao
nada. Aquilo que ela rejeita, ela leva em consideração. Que essência
ambivalente se revela ali?
Ao refletirmos sobre nossa existência presente — enquanto uma existência
determinada pela ciência —, desembocamos num paradoxo. Através deste
paradoxo já se desenvolveu uma interrogação. A questão exige apenas uma
formulação adequada: Que acontece com este nada?

A ELABORAÇÃO DA QUESTÃO

A elaboração da questão do nada deve colocar-nos na situação na qual se
torne possível a resposta ou em que então se patenteie sua impossibilidade. O
nada é admitido. A ciência, na sua sobranceira indiferença com relação a ele,
rejeita-o como aquilo que ‘não existe”.

Nós contudo procuramos perguntar pelo nada. Que é o nada? Já a primeira
abordagem desta questão mostra algo insólito. No nosso interrogar já supomos
antecipadamente o nada como algo que “é” assim e assim — como um ente.
Mas, precisamente, é dele que se distingue absolutamente, O perguntar pelo
nada — pela sua essência e seu modo de ser — converte o interrogado em seu
contrário. A questão priva-se a si mesma de seu objeto específico.
Se for assim, também toda resposta a esta questão é, desde o inicio,
impossível. Pois ela se desenvolve necessariamente nesta forma: o nada “é” isto
ou aquilo. Tanto a pergunta como a resposta são, no que diz respeito ao nada,
igualmente contraditórias em si mesmas.
Assim, não é preciso; pois, que a ciência primeiro rejeite o nada. A regra
fundamental do pensamento a que comumente se recorre, o princípio da nãocontradição,
a “lógica” universal, arrasa esta pergunta. Pois o pensamento, que
essencialmente sempre é pensado de alguma coisa, deveria, enquanto
pensamento do nada, agir contra sua própria essência.
Pelo fato de assim nos ficar vedado converter, de algum modo, o nada em
objeto, chegamos já ao fim com nossa interrogação pelo nada — isto,
pressuposto que nesta questão a ‘lógica’ seja a última instância, que o
entendimento seja o meio e o pensamento o caminho para compreender
originariamente o nada e para decidir seu possível desvelamento.
Mas é por acaso possível tocar no império da ‘lógica’? Não é o
entendimento realmente o senhor nesta pergunta pelo nada? Efetivamente, é
somente com seu auxílio que podemos determinar o nada e colocá-lo como um
problema, ainda que fosse como um problema que se devora a si mesmo. Pois o
nada é a negação da totalidade do ente, o absolutamente não-ente. Com tal
procedimento subsumimos o nada sob a determinação mais alta do negativo e,
assim, do negado. A negação é, entretanto, conforme a doutrina dominante e
intata da “lógica”, um ato específico do entendimento. Como podemos nós,
pois, pretender rejeitar o entendimento na pergunta pelo nada e até na questão
da possibilidade de sua formulação? Mas será que é tão seguro aquilo que aqui
pressupomos? Representa o “não”, a negatividade e com isto a negação, a
determinação suprema a que se subordina o nada como uma espécie particular
de negado? “Existe” o nada apenas porque existe o “não”, isto é, a negação? Ou
não acontece o contrário? Existe a negação e o “não” apenas porque “existe” o
nada? Isto não está decidido; nem mesmo chegou a ser formulado
expressamente como questão. Nós afirmamos: o nada é mais originário que o
“não” e a negação. 
Se esta tese é justa, então a possibilidade da negação, como atividade do
entendimento, e, com isso, o próprio entendimento, dependem, de algum modo,
do nada. Como poderá então o entendimento querer decidir sobre este? Não se
baseia afinal o aparente contra-senso de pergunta e resposta, no que diz respeito
ao nada, na cega obstinação de um entendimento que se pretende sem
fronteiras?
Se, entretanto, não nos deixarmos enganar pela formal impossibilidade da
questão do nada e se, apesar dela, ainda a formularmos, então devemos
satisfazer ao menos àquilo que permanece válido como exigência fundamental
para a possível formulação de qualquer questão. Se o nada deve ser questionado
— o nada mesmo —, então deverá estar primeiramente dado. Devemos poder
encontrá-lo.
Onde procuramos o nada? Onde encontramos o nada? Para que algo
encontremos não precisamos, por acaso, já saber que existe? Realmente!
Primeiramente e o mais das vezes o homem somente então é capaz de buscar se
antecipou a presença do que busca. Agora, porém, aquilo que se busca é o nada.
Existe afinal um buscar sem aquela antecipação, um buscar ao qual pertence um
puro encontrar?
Seja como for, nós conhecemos o nada, mesmo que seja apenas aquilo
sobre o que cotidianamente falamos inadvertidamente. Podemos até, sem
hesitar, ordenar numa definição este nada vulgar, em toda palidez do óbvio, que
tão discretamente ronda em nossa conversa:
O nada é a plena negação da totalidade do ente. Não nos dará, por acaso,
esta característica do nada uma indicação da direção na qual unicamente
teremos possibilidade de encontrá-lo?
A totalidade do ente deve ser previamente dada para que possa ser
submetida enquanto tal simplesmente à negação, na qual, então, o próprio nada
se deverá manifestar.
Mesmo, porém, que prescindamos da problematicidade da relação entre a
negação e o nada, como deveremos nós — enquanto seres finitos — tornar
acessível para nós, em si e particularmente, a totalidade do ente em sua
omnitude? Podemos, em todo caso, pensar a totalidade do ente imaginando-a, e
então negar, em pensamento, o assim figurado e “pensá-lo” enquanto negado.
Por esta via obteremos, certamente, o conceito formal do nada figurado, mas
jamais o próprio nada. Porém, entre o nada figurado e o nada “autêntico” não
pode imperar uma diferença, caso o nada represente realmente a absoluta
indistinção. Não é, entretanto, o próprio nada “autêntico” aquele conceito
oculto, mas absurdo, de um nada com características de ente? Mas paremos aqui
com as perguntas. Que tenha sido este o momento derradeiro em que as
objeções do entendimento retiveram nossa busca que somente pode ser
legitimada por uma experiência fundamental do nada.

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