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quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Que é metafísica? - Heidegger [parte 2]


Tão certo como é que nós nunca podemos compreender a totalidade do
ente em si e absolutamente, tão evidente é, contudo, que nos encontramos
postados em meio ao ente de algum modo desvelado em sua totalidade. E está
fora de dúvida que subsiste uma diferença essencial entre o compreender a
totalidade do ente em si e o encontrar-se em meio ao ente em sua totalidade.
Aquilo é fundamentalmente impossível. Isto, no entanto, acontece
constantemente em nossa existência.
Parece, sem dúvida, que, em nossa rotina cotidiana, estamos presos sempre
apenas a este ou àquele ente, como se estivéssemos perdidos neste ou naquele
domínio do ente. Mas, por mais disperso que possa parecer o cotidiano, ele
retém, mesmo que vagamente, o ente numa unidade de “totalidade”. Mesmo
então e justamente então, quando não estamos propriamente ocupados com as
coisas e com nós mesmos, sobrevém-nos este em totalidade”, por exemplo, no
tédio propriamente dito. Este tédio ainda está muito longe de nossa experiência
quando nos entedia exclusivamente este livro ou aquele espetáculo, aquela
ocupação ou este ócio. Ele desabrocha se “a gente está entediado”.
O profundo
tédio, que como névoa silenciosa desliza para cá e para lá nos abismos da
existência, nivela todas as coisas, os homens e a gente mesmo com elas, numa
estranha indiferença. Esse tédio manifesta o ente em sua totalidade.
Uma outra possibilidade de tal manifestação se revela na alegria pela
presença — não da pura pessoa —, mas da existência de um ser querido.
Semelhante disposição de humor em que a gente se sente desta ou daquela
maneira situa-nos — perpassados por esta disposição de humor — em meio ao
ente em sua totalidade. O sentimento de situação da dis posição de humor não
revela apenas, sempre à sua maneira, o ente em sua totalidade. Mas este revelar
é simultaneamente — longe de ser um simples episódio — um acontecimento
fundamental de nosso ser-aí.
O que assim chamamos ‘sentimentos não é um fenômeno secundário de
nosso comportamento pensante e volitivo, nem um simples impulso causador
dele nem um estado atual com o qual nos temos que haver de uma ou outra
maneira.
Contudo, precisamente quando as disposições de humor nos levam, deste
modo, diante do ente em sua totalidade, ocultam-nos o nada que buscamos.
Muito menos seremos agora de opinião de que a negação do ente em sua
totalidade, manifesta na disposição de humor, nos ponha diante do nada. Tal
somente poderia acontecer, com a adequada originariedade, numa disposição de
humor que revele o nada, de acordo com seu próprio sentido revelador.
Acontece no ser-aí do homem semelhante disposição de humor na qual ele
seja levado à presença do próprio nada?
Este acontecer é possível e também real — ainda que bastante raro —
apenas por instantes, na disposição de humor fundamental da angústia. Por esta
angústia não entendemos a assaz freqüe nte ansiedade que, em última análise,
pertence aos fenômenos do temor que com tanta facilidade se mostram. A
angústia é radicalmente diferente do temor. Nós nos atemorizamos sempre
diante deste ou daquele ente determinado que, sob um ou outro aspecto
determinado, nos ameaça. O temor de... sempre teme por algo determinado.
Pelo fato de o temor ter como propriedade a limitação de seu “de’ (Wovor) e de
seu “por” ( Worum), o temeroso e o medroso são retidos por aquilo que nos
amedronta. Ao esforçar-se por se libertar disto — de algo determinado —,
toma-se, quem sente o temor, inseguro com relação às outras coisas, isto é,
perde literalmente a cabeça.
A angústia não deixa mais surgir uma tal confusão. Muito antes, perpassa-a
uma estranha tranqüilidade. Sem dúvida, a angústia é sempre angústia diante
de..., mas não angústia diante disto ou daquilo. A angústia diante de... é sempre
angústia por..., mas não por isto ou aquilo. O caráter de indeterminação daquilo
diante de e por que nos angustiamos, contudo, não é apenas uma simples falta
de determinação, mas a essencial impossibilidade de determinação. Um
exemplo conhecido nos pode revelar esta impossibilidade.
Na angústia — dizemos nós — “a gente sente-se estranho”. O que suscita
tal estranheza e quem é por ela afetado? Não podemos dizer diante de que a
gente se sente estranho. A gente se sente totalmente assim. Todas as coisas e
nós mesmos afundamo-nos numa indiferença. Isto, entretanto, não no sentido de
um simples desaparecer, mas em se afastando elas se voltam para nós. Este
afastar-se do ente em sua totalidade, que nos assedia na angústia, nos oprime.
Não resta nenhum apoio. Só resta e nos sobrevém — na fuga do ente — este
nenhum’. A angústia manifesta o nada.
‘Estamos suspensos” na angústia. Melhor dito: a angústia nos suspende
porque ela põe em fuga o ente em sua totalidade. Nisto consiste o fato de nós
próprios — os homens que somos — refugiarmo-nos no seio dos entes. E por
isso que, em última análise, não sou “eu” ou não és “tu” que te sentes estranho,
mas a gente se sente assim. Somente continua presente o puro ser-aí no
estremecimento deste estar suspenso onde nada há em que apoiar-se.

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