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quinta-feira, 12 de setembro de 2013

QUE É METAFÍSICA? - Heidegger [parte 1]


“Que é metafísica?” — A pergunta nos dá esperanças de que falará sobre a
metafísica. Não o faremos. Em vez disso, discutiremos uma determinada
questão metafísica. Parece-nos que, desta maneira, nos situaremos
imediatamente dentro da metafísica. Somente assim lhe damos a melhor
possibilidade de se apresentar a nós em si mesma.
Nossa tarefa inicia-se com o desenvolvimento de uma interrogação
metafísica, procura, logo a seguir, a elaboração da questão, para encerrar-se
com sua resposta.

O DESENVOLVIMENTO DE UMA INTERROGAÇÃO METAFÍSICA

Considerada sob o ponto de vista do são entendimento humano, é a
filosofia, nas palavras de Hegel, o “mundo às avessas’. É por isso que a
peculiaridade do que empreendemos requer uma caracterização prévia. Esta
surge de uma dupla característica da pergunta metafísica.

De um lado, toda questão metafísica abarca sempre a totalidade da
problemática metafísica. Ela é a própria totalidade. De outro, toda questão
metafísica somente pode ser formulada de tal modo que aquele que interroga,
enquanto tal, esteja implicado na questão, isto é, seja problematizado. Daí
tomamos a indicação seguinte: a interrogação metafísica deve desenvolver-se na
totalidade e na situação fundamental da existência que interroga. Nossa
existência — na comunidade de pesquisadores, professores e estudantes — é
determinada pela ciência. O que acontece de essencial nas raízes da nossa
existência na medida em que a ciência se tornou nossa paixão? Os domínios das
ciências distam muito entre si. Radicalmente diversa é a maneira de tratarem
seus objetos. Esta dispersa multiplicidade de disciplinas é hoje ainda apenas
mantida numa unidade pela organização técnica de universidades e faculdades e
conserva um significado pela fixação das finalidades práticas das
especialidades. Em contraste, o enraizamento das ciências, em seu fundamento
essencial, desapareceu completamente.
Contudo, em todas as ciências nós nos relacionamos, dóceis a seus
propósitos mais autênticos com o próprio ente. Justamente, sob o ponto de vista
das ciências, nenhum domínio possui hegemonia sobre o outro, nem a natureza
sobre a história, nem esta sobre aquela. Nenhum modo de tratamento dos
objetos supera os outros. Conhecimentos matemáticos não são mais rigorosos
que os filológico-históricos. A matemática possui apenas o caráter de ‘exatidão”
e este não coincide com o rigor. Exigir da história exatidão seria chocar-se
contra a idéia do rigor específico das ciências do espírito. A referência ao
mundo, que importa através de todas as ciências enquanto tais, faz com que elas
procurem o próprio ente para, conforme seu conteúdo essencial e seu modo de
ser, transformá-lo em objeto de investigação e determinação fundante. Nas
ciências se realiza — no plano das idéias — uma aproximação daquilo que é
essencial em todas as coisas.
Esta privilegiada referência de mundo ao próprio ente é sustentada e
conduzida por um comportamento da existência humana livremente escolhido.
Também a atividade pré e extracientífica do homem possui um determinado
comportamento para com o ente. A ciência, porém, se caracteriza pelo fato de
dar, de um modo que lhe é próprio, expressa e unicamente, à própria coisa a
primeira e última palavra. Em tão objetiva maneira de perguntar, determinar e
fundar o ente, se realiza uma submissão peculiarmente limitada ao próprio ente,
para que este realmente se manifeste. Este pôr -se a serviço da pesquisa e do
ensino se constitui em fundamento da possibilidade de um comando próprio,
ainda que delimitado, na totalidade da existência humana. A particular
referência ao mundo que caracteriza a ciência e o comportamento do homem
que a rege, os entendemos, evidentemente apenas então plenamente, quando
vemos e compreendemos o que acontece na referência ao mundo, assim
sustentada. O homem — um ente entre outros — “faz ciência”. Neste “fazer”
ocorre nada menos que a irrupção de um ente, chamado homem, na totalidade
do ente, mas de tal maneira que, na e através desta irrupção, se descobre o ente
naquilo que é em seu modo de ser. Esta irrupção reveladora é o que, em
primeiro lugar, colabora, a seu modo, para que o ente chegue a si mesmo.
Estas três dimensões — referência ao mundo, comportamento, irrupção —
trazem, em sua radical unidade, uma clara simplicidade e severidade do ser-aí,
na existência científica. Se quisermos apoderar-nos expressamente da existência
científica, assim esclarecida, então devemos dizer:
Aquilo para onde se dirige a referência ao mundo é o próprio ente — e
nada mais.
Aquilo de onde todo o comportamento recebe sua orientação é o próprio
ente — e além dele nada.
Aquilo com que a discussão investigadora acontece na irrupção é o próprio
ente — e além dele nada.
Mas o estranho é que precisamente, no modo como o cientista se assegura
o que lhe é mais próprio, ele fala de outra coisa. Pesquisado deve ser apenas o
ente e mais — nada; somente o ente e além dele — nada; unicamente o ente e
além disso — nada.
Que acontece com este nada? E, por acaso, que espontaneamente falamos
assim? E apenas um modo de falar — e mais nada?
Mas, por que nos preocupamos com este nada? O nada é justamente
rejeitado pela ciência e abandonado como o elemento nadificante. E quando,
assim, abandonamos o nada, não o admitimos precisamente então? Mas
podemos nós falar de que admitimos algo, se nada admitimos? Talvez já se
perca tal insegurança da linguagem numa vazia querela de palavras. Contra isto
deve agora a ciência afirmar novamente sua seriedade e sobriedade: ela se
ocupa unicamente do ente. O nada — que outra coisa poderá ser para a ciência
que horror e fantasmagoria? Se a ciência tem razão, então uma coisa é
indiscutível: a ciência nada quer saber do nada. Esta é, afinal, a rigorosa
concepção científica do nada. Dele sabemos, enquanto dele, do nada, nada
queremos saber.

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