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quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Os Bruzundangas - Lima Barreto [parte 12]

Alguns nobres da casta dos doutores acumulam também a outra nobreza. São condes ou duques e doutores; e usam alternativamente o título de uma e o da outra aristocracia. Passam assim a ser conhecidos por dois
nomes -- cousa que é quase verificada entre os malfeitores e outros conhecidos da polícia.
Essa recrudescência de títulos nobiliárquicos apareceu desde que a Bruzundanga se fez república, e desconheceu os títulos de nobreza porque o país havia sido governado pelo regime monárquico, com uma nobreza modesta não hereditária, que mais parecia o tchin russo, isto é, uma nobreza de burocratas, do que mesmo uma nobreza feudal. O rei que a criou não a chamava mesmo "nobreza", mas taffetas.
No país, esses titulares de palpite não tem importância alguma na massa popular. Os do povo respeitam mais um modesto doutor de farmácia pobre do que um altissonante Medina Sidonia de última hora; a elite, porém,
a nata, -- essa sim! -- tem por eles o respeito que se devia aos antigos nobres.
O povo sempre os recebe com o respeito que nós tínhamos, aqui, pelo Príncipe Ubá II, d'Africa.
A gente civilizada e rica, entretanto, não pensa assim, leva-os a sério e os seus títulos são berrados nos salões como se estivessem ali um Montmorency, um Conde de Vidigueira, um Duque d'Alba, que, por sinal,
foi tomado para ascendente de um grave senhor da Bruzundanga, que desejava a incorporação do proletário à sociedade moderna.
Os costumes daquele longínquo país são assim interessantes e dignos de acurado estudo. Eles têm uma curiosa mistura de ingenuidade infantil e idiotice senil. Certas vezes, como que merecem invectivas de profeta
judaico; mas, quase sempre, o riso bonachão de Rabelais.
O que ficou dito sobre as suas duas nobrezas, penso eu, justifica esse juízo. E para elas ainda é bom não esquecer que devemos julgá-las como aconselha Anatole France; com ironia e piedade.




IV
A política è os políticos da Bruzundanga

A minha estadia na Bruzundanga foi demorada e proveitosa. O país, no dizer de todos, é rico, tem todos os minerais, todos os vegetais úteis, todas as condições de riqueza, mas vive na miséria. De onde em onde,
faz uma "parada" feliz e todos respiram. As cidades vivem cheias de carruagens; as mulheres se arreiam de joias e vestidos caros; os cavalheiros chics se mostram, nas ruas, com bengalas e trajos apurados; os banquetes
e as recepções se sucedem.
Não há amanuense do Ministério do Exterior de lá que não ofereça banquetes por ocasião de sua promoção ao cargo imediato.
Isto dura dois ou três anos; mas, de repente, todo esse aspecto da Bruzundanga muda. Toda a gente começa a ficar na miséria. Não há mais dinheiro. As confeitarias vivem às moscas; as casas de elegâncias põem à
porta verdadeiros recrutadores de fregueses; e os judeus do açúcar e das casas de prego começam a enriquecer doidamente.
Por que será tal coisa? hão de perguntar.
E que a vida econômica da Bruzundanga é toda artificial e falsa nas  suas bases, vivendo o país de expedientes.
Entretanto, o povo só acusa os políticos, isto é, os seus deputados, os seus ministros, o presidente, enfim.
O povo tem em parte razão. Os seus políticos são o pessoal mais medíocre que há. Apegam-se a velharias, a cousas estranhas à terra que dirigem, para achar solução às dificuldades do governo.
A primeira cousa que um político de lá pensa, quando se guinda às altas posições, é supor que é de carne e sangue diferente do resto da população.
O valo de separação entre ele e a população que tem de dirigir faz-se cada vez mais profundo.
A Nação acaba não mais compreendendo a massa dos dirigentes, não lhe entendendo estes a alma, as necessidades, as qualidades e as possibilidades.
Em face de um país com uma população já numerosa em relação ao território ocupado efetivamente -- na Bruzundanga, os seus políticos só pedem e proclamam a necessidade de introduzir milhares e milhares de
forasteiros.
Dessa maneira, em vez de procurarem encaminhar para a riqueza e para o trabalho a população-que já está, eles, por meio de capciosas publicações, mentirosas e falsas, atraem para a nação uma multidão de necessitados cuja desilusão, após certo tempo de estadia, mais concorre para o mal-estar do país.
Bossuet dizia que o verdadeiro fim da política era fazer os povos felizes, o verdadeiro fim da política dos políticos da Bruzundanga é fazer os povos infelizes.
Já lhes contei aqui como o doutor Felixhimino Ben Karpatoso, tido como grande financista naquele país, se saiu quando se tratou de resolver, grandes dificuldades financeiras da nação. Pois bem: esse senhor não é
o único exemplo da singular capacidade mental dos homens públicos da Bruzundanga.
Outros muitos eu poderia citar. Há lá um que, depois de umas exibições vaidosas de retratos nos jornais e cousas equivalentes, se casou rico e deu para ser católico praticante.

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