Total de visualizações de página

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Os Bruzundangas - Lima Barreto [parte 13]

Encontrou o caminho de Damasco que é ainda uma cidade opulenta.
Entretanto, eu quando frequentei a Universidade da Bruzundanga, o conheci como adepto do positivismo do rito do nosso Teixeira Mendes.
Quis meter-se na política, fugiu do positivismo e, antes de dez anos, ei-lo de balandrau e vara a acompanhar procissões.
Depois da sua conversão, foi eleito definidor, fabriqueiro, escrivão de várias irmandades e ordens terceiras.
Aliás, na Bruzundanga, não há sujeito ateu ou materialista em regra que, ao se casar com mulher rica, não se faça instantaneamente católico apostólico romano. Assim fez esse meu antigo colega.
Esse homem, ou antes este rapaz, que tão rapidamente se passou de uma ideia religiosa para a outra, esse rapaz cuja insinceridade é evidente, é ajudado em todas as suas pretensões, veleidades, desejos, pelos bispos,
frades, padres e irmãs de caridade.
As irmãs de caridade gozam, lá na Bruzundanga, de uma, influência poderosa. Não quero negar que, como enfermeiras de hospitais, elas prestem serviços humanitários dignos de todo o nosso respeito; mas não são
essas que os cínicos ambiciosos da Bruzundanga cortejam. Eles cortejam aquelas que dirigem colégios de meninas ricas. Casando-se com uma destas, obtêm eles a influência das colegas, casadas também com grandes figurões, para arranjarem posições e lugares rendosos.
Toda a gente sabe como o pessoal eclesiástico consegue manter a influência sobre os seus discípulos, mesmo depois de terminarem os seuscursos. Anatole France, em L'Église et lu République, mostrou isso muito
bem. Os padres, freiras, irmãs de caridade não abandonam os seus alunos absolutamente. Mantêm sociedades, recepções, etc., para os seus antigos educandos; seguem-lhes a vida de toda a forma, no casamento, nas carreiras, nos seus lutos, etc.

De tal forma fazem isto que constituem uma espécie de maçonaria a  influir no espírito dos homens, através das mulheres que eles esposam.
E os malandros que sabem dessa teia formada acima dos néscios, dos  sinceros e dos honestas de pensamento, tratam de cavar um dote e uma menina das irmãs, o que vem a ser uma e única cousa.
Disse-nos um velho que conheceu escravos na Bruzundanga que foram  elas, as irmãs dos colégios ricos, as mais tenazes inimigas da abolição da escravidão. Dominando as filhas e mulheres dos deputados, senadores, ministros, dominavam de fato os deputados, os senadores e os ministros. Ce que femme veut...
Na Bruzundanga, onde os casamentos desastrosos abundam como em  toda a parte, não é lei o divórcio por causa dessa influência hipócrita e tola, provinda dos ricos colégios de religiosos, onde se ensina a papaguear
o francês e acompanhar a missa.
Esta dissertação não foi à toa, em se tratando de política e políticos da Bruzundanga, porque estes últimos são em geral casados com moças educadas pelas religiosas e estas fazem a política do país.
Com esse apoio forte, apoio que resiste às revoluções, às mudanças de regime, eles tratam, no poder, não de atender as necessidades da população, não de lhes resolver os problemas vitais, mas de enriquecerem
e firmarem a situação dos seus descendentes e colaterais.
Não há lá homem influente que não tenha, pelo menos, trinta parentes ocupando cargos do Estado; não há lá político influente que não se julgue com direito a deixar para os seus filhos, netos, sobrinhos, primos, gordas
pensões pagas pelo Tesouro da República.
No entanto, a terra vive na pobreza; os latifúndios abandonados e  indivisos; a população rural, que é a base de todas as nações, oprimida por chefões políticos, inúteis, incapazes de dirigir a cousa mas fácil desta
vida.
Vive sugada; esfomeada, maltrapilha, macilenta, amarela, para que,  na sua capital, algumas centenas de parvos, com títulos altissonantes disso ou daquilo, gozem vencimentos, subsídios, duplicados e triplicados, afora rendimentos que vêm de outra e qualquer origem, empregando um grande palavreado de quem vai fazer milagres.
Um povo desses nunca fará um haro, para obter terras.
A República dos Estados Unidos da Bruzundanga tem o governo que  merece. Não devemos estar a perder o latim com semelhante gente; eu, porém, que me propus a estudar os seus usos e costumes, tenho que ir até
ao fim.
Não desanimarei e ainda mais uma vez lembro, para bem esclarecer  o que fica dito acima, que o grande Bossuet disse que a política tinha  por fim fazer a felicidade dos povos e a vida cômoda.
A Águia de Meaux, creio eu, não afirmou isso somente para edificação  de algumas beatas...


As riquezas da Bruzundanga

 QUANDO abrimos qualquer compêndio de geografia da Bruzundanga; quando se lê qualquer poema patriótico desse pais, ficamos com a convicção de que essa nação é a mais rica da terra.
"A Bruzundanga, diz um livro do grande sábio Volkate Ben Volkate, possui nas entranhas do seu solo todos os minerais da terra.
"A província das Jazidas tem ouro, diamantes; a dos Bois, carvão de pedra e turfa; a dos Cocos, diamantes, ouro, mármore, safiras, esmeraldas; a dos Bambus, cobre, estanho e ferro. No reino mineral, nada pede o nosso país aos outros. Assim também no vegetal, em que é sobremodo rica a
nossa maravilhosa terra.
"A borracha, continua ele, pode ser extraída de várias árvores que crescem na nossa opulenta nação; o algodoeiro é quase nativo; o cacau pode ser colhido duas vezes por ano; a cana-de-açúcar nasce espontaneamente;  o café, que é a sua principal riqueza, dá quase sem cuidado algum e assim todas as plantas úteis nascem na nossa Bruzundanga com facilidade e rapidez, proporcionando ao estrangeiro a sensação de que ela é o verdadeiro paraíso terrestre".
Nesse tom, todos os escritores, tanto os mais calmos e independentes como os de encomenda, cantam a formosa terra da Bruzundanga.
Os seus acidentes naturais, as suas montanhas, os seus rios, os seus portos são também assim decantados. Os seus rios são os mais longos e profundos do mundo; os seus portos, os mais fáceis ao acesso de grandes
navios e os mais abrigados, etc., etc.
Entretanto, quem examinar com calma esse ditirambo e o confrontar com a realidade dos fatos há de achar estranho tanto entusiasmo.
A Bruzundanga tem carvão, mas não queima o seu nas fornalhas de suas locomotivas. Compra-o à Inglaterra, que o vende por bom preço.

Nenhum comentário: