Total de visualizações de página

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Admirável Mundo Novo - Aldous Huxley [parte 6]

- Enorme! - murmuraram os rapazes.
O entusiasmo do Sr. Foster era contagioso. As suas explicações tornaram-se mais técnicas: falou da
coordenação anormal das endócrinas, que faz que os homens cresçam tão lentamente, e admitiu, para
explicar tal facto, uma mutação germinal. Poder-se-ão destruir os efeitos dessa mutação? Poder-se-á
fazer retroceder o embrião do Epsilão, por meio de uma técnica apropriada, até ao carácter normal que
existe entre os cães e as vacas? Tal era o problema. E estava quase a ser resolvido.
Pilkington, em Mombaça, tinha conseguido produzir indivíduos sexualmente aptos aos quatro anos e
de tamanho adulto aos seis e meio. Um triunfo científico, mas, socialmente, sem utilidade. Os homens
e mulheres de seis anos e meio eram demasiado
estúpidos, até mesmo para realizar o trabalho de um Epsilão. E o processo era do gênero tudo ou nada:
ou não se Conseguia modificar nada, ou se modificava tudo completamente. Tentava-se ainda
encontrar o meio termo ideal entre adultos de vinte anos e adultos de dez. Infelizmente, até ao presente,
sem sucesso algum. O Sr. Foster suspirou, meneando a cabeça.
As suas peregrinações na penumbra avermelhada tinham-nos levado, próximo do metro cento e setenta,
ao porta-garrafas n.º 9. A partir desse ponto, o porta-garrafas desaparecia numa abertura e as provetas
terminavam o restante trajeto numa espécie de túnel, interrompido aqui e ali por aberturas de dois ou
três metros de largura.
- O condicionamento ao calor - explicou o Sr. Foster. Túneis quentes alternavam com túneis frios. O
frio estava combinado com outras sensações desagradáveis, sob a forma de raios X duros.
Logo que
eram decantados, os embriões tinham horror ao frio. Estavam predestinados a emigrar para os
Trópicos, a serem mineiros, tecelões de seda de acetato, operários de fundição. Mais tarde, o seu
espírito seria formado de maneira a confirmar o julgamento do corpo.
- Nós condicionamo-los de tal maneira que eles suportam bem o calor - disse o Sr. Foster, concluindo. -
Os nossos colegas lá de cima ensiná-los-ão a gostar dele.
- E é aí - disse sentenciosamente o Diretor, à guisa de contribuição ao que estava a ser dito - que está o
segredo da felicidade e da virtude: gostar daquilo que se é obrigado a fazer. Tal é o fim de todo o
condicionamento: fazer as pessoas apreciar o destino social a que não podem escapar.
Num intervalo entre dois túneis, uma enfermeira sondava delicadamente, por meio de uma seringa
longa e fina, o conteúdo gelatinoso de uma proveta que passava. Os estudantes e o seu guia pararam,
para a observar silenciosamente alguns momentos.
- Olá, Lenina - disse o Sr. Foster quando finalmente ela retirou a seringa e se ergueu.
A rapariga voltou-se com um sobressalto. Notava-se que era excepcionalmente bonita, se bem que a
iluminação lhe desse uma máscara de lúpus e olhos purpúreos.
- Henry!
O seu sorriso, como um clarão vermelho, exibiu uma fila de dentes de coral. - Encantadora,
encantadora - murmurou o Diretor, dando-lhe duas ou três palmadas amigáveis. Em troca recebeu um
sorriso deferente.
- Que está a dar-lhes? - perguntou o Sr. Foster, com um tom altamente profissional na voz.
- Oh! A febre tifoide e a doença do sono habituais.
- Os trabalhadores dos Trópicos começam a receber inoculações no metro cento e cinquenta - explicou
o Sr. Foster aos estudantes. - Os embriões têm ainda guelras, como os peixes. imunizamos o peixe
contra as doenças do futuro homem. - E depois, virando-se para Lenina, disse: - Cinco menos um
quarto, no terraço, como habitualmente.
- Encantadora - disse o Diretor mais uma vez, com uma pequena palmada final. E afastou-se atrás dos
outros.
No porta-garrafas n.º 10, várias filas de trabalhadores das indústrias químicas da futura geração eram
preparados para suportar o chumbo, a soda cáustica, o alcatrão e o cloro. O primeiro de um grupo de
duzentos e cinquenta mecânicos embrionários de aviões-foguetes passava precisamente em frente do
registo do metro mil e cem, no porta-garrafas n.º 3. Um mecanismo especial mantinha os recipientes
em constante rotação.
- Para aperfeiçoar neles o sentido do balanço - explicou o Sr. Foster. - Efetuar reparações no exterior
de um avião-foguete em voo é um trabalho delicado. Diminuímos a circulação quando estão em
posição normal, de maneira que fiquem meio esfomeados, e duplicamos o afluxo de pseudo-sangue
quando estão de cabeça para baixo. Aprendem assim a associar a posição invertida com o bem-estar.
Efetivamente, eles só se sentem verdadeiramente felizes quando estão de cabeça para baixo. E agora -
continuou o Sr. Foster - gostaria de lhes mostrar um condicionamento muito interessante para
intelectuais Alfa-Mais. Temos um importante grupo deles no porta-garrafas n.º 5. À altura da primeira
galeria - gritou para dois rapazes que tinham começado a descer para o andar térreo. - Eles estão perto
do metro novecentos - explicou. - Não se pode, de facto, efetuar nenhum condicionamento eficaz
antes de os fetos terem
perdido a cauda. Sigam-me.
O Diretor consultou o relógio.
- Três horas menos dez - disse. - Receio que não tenhamos tempo para observar os embriões
intelectuais. Temos de chegar ao infantário antes de as crianças terem acabado a sesta da tarde.
O Sr. Foster ficou fortemente desiludido.
- Pelo menos uma olhadela à Sala de Decantação - suplicou.
- Seja. - O Diretor sorriu indulgentemente. - Apenas olhadela.

CAPÍTULO SEGUNDO
Separaram-se do Sr. Foster na Sala de Decantação.
O D. I. C. e os seus alunos tomaram lugar no ascensor mais próximo e subiram ao quinto andar.
INFANTÁRIOS SALAS DE CONDICIONAMENTO NEOPAVLOVIANO
dizia a placa indicadora.
O Diretor abriu uma porta. Encontraram-se numa sala vazia, vasta, clara e cheia de sol, pois toda a
parede do lado sul apenas se compunha de uma enorme janela. Uma meia dúzia de enfermeiras,
vestidas com as calças e os casacos regulamentares de pano de viscose branco, os cabelos
assepticamente ocultos em gorros brancos, estavam ocupadas em dispor no chão, numa longa fila que
ia de um extremo ao outro da sala, vários vasos de rosas. Grandes vasos com muitas flores. Milhares de
pétalas, completamente desabrochadas e de uma suavidade de seda, semelhantes às faces de inúmeros e
pequenos querubins, mas de querubins que, nessa luz brilhante, não eram exclusivamente róseos e
arianos, mas também luminosamente chineses e mexicanos apopléticos por terem soprado em demasia
nas trombetas celestes, e ainda outros pálidos como a morte, pálidos como a brancura póstuma do
mármore.
As enfermeiras perfilaram-se à entrada do D. I. C.
- Coloquem os livros - disse ele secamente. Silenciosamente, as enfermeiras obedeceram à ordem.
Entre os vasos de rosas, os livros foram cuidadosamente dispostos, uma fila de "in quarto" infantis,
abertos de maneira tentadora, com imagens alegremente coloridas de animais, peixes ou aves.
- Agora façam entrar as crianças. Elas saíram rapidamente da sala e voltaram a entrar ao fim de um
minuto ou dois, empurrando cada uma um carrinho onde, em cada uma das suas quatro prateleiras de
tela metálica,
vinha um bebé de oito meses, todos exatamente iguais - um grupo Bokanovsky, era evidente -, e
todos, pois pertenciam à casta Delta, vestidos de cor de caqui.
- Ponham-nos no chão. As crianças foram tiradas dos carros.
- Agora voltem-nos de maneira que possam ver as flores e os livros.
Voltados, os bebés calaram-se imediatamente. Depois começaram a gatinhar em direção a essas cores
brilhantes, a essas formas tão alegres e tão vivas nas páginas brancas. Enquanto eles se aproximavam, o
Sol libertou-se de um eclipse provisório em que tinha sido mantido por uma nuvem. As rosas
fulguraram como sob o efeito de uma súbita paixão interna e uma nova e profunda energia pareceu
espalhar-se sobre as brilhantes páginas dos livros. Das filas dos bebés elevou-se um murmúrio de
excitação, gorjeios e assobios de prazer.

Nenhum comentário: