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quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Admirável Mundo Novo - Aldous Huxley [parte 5]

- Que lhes mandam os embriões que eles desejam.
- E as provetas chegam aqui para serem predestinadas pormenorizadamente.
- Para depois descerem ao Depósito de Embriões.
- Onde vamos agora. E, abrindo uma porta, o Sr. Foster tomou a dianteira para descer uma escada e
conduzi-los ao subsolo.
A temperatura era ainda tropical. Desceram numa penumbra que cada vez era maior. Duas portas e um
corredor com duas esquinas protegiam a cave contra qualquer possível infiltração da luz diurna.
- Os embriões parecem-se com uma película fotográfica - disse o Sr. Foster humoristicamente, abrindo
a segunda porta. - Apenas suportam a luz vermelha.
Com efeito, a obscuridade, onde reinava um pesado calor, em que os estudantes então seguiram, era
visível e encarnada, como, numa tarde de Verão, é a obscuridade apercebida através das pálpebras
cerradas. Os lados arredondados das provetas que se alinhavam até ao infinito, fila sobre fila, prateleira
sobre prateleira, brilhavam como inúmeros rubis, e entre os rubis moviam-se fantasmas vermelhos e
vagos de homens e de mulheres de olhos purpúreos, de faces rutilantes. Um zunido, um rumor de
máquinas, imprimiam ao ar uma ligeira vibração.
- Dê-lhes alguns números, senhor Foster - disse o Diretor, que estava fatigado de falar.
O Sr. Foster nada mais desejava senão isso.
- Duzentos e vinte metros de comprimento, duzentos de largura, dez de altura. - Apontou com a mão
para cima. Como 9 galinhas a beber água, os estudantes ergueram os olhos para o tecto distante. - Três
andares de porta-provetas: ao nível do solo, primeira galeria, segunda galeria.

A estrutura metálica das galerias sobrepostas, leve como uma teia de aranha, perdia-se em todas as
direções, na obscuridade. Perto deles, três fantasmas vermelhos estavam ativamente ocupados em
descarregar provetas que retiravam de uma escada móvel, o escalator que partia da Sala de
Predestinação Social.
Cada proveta podia ser colocada num de entre quinze porta-garrafas, cada um dos quais, embora não
fosse possível notar-se, era um transportador que avançava à velocidade de trinta e três centímetros e
um terço por hora. Duzentos e sessenta e sete dias, à razão de oito metros por dia. Um total de dois mil
cento e trinta e seis metros. Uma volta à cave ao nível do solo, uma outra à altura da primeira galeria,
metade de outra à altura da segunda e, na ducentésima sexagésima sétima manhã, a luz do dia na Sala
de Decantação. Daí em diante, a existência independente - assim era denominada.
- Mas nesse intervalo de tempo - disse o Sr. Foster como conclusão - conseguimos fazer-lhes bastantes
coisas. Oh! Muitas coisas. - O seu riso era satisfeito e triunfante.
- Aí está o estado de espírito que me agrada - disse de novo o Diretor. - Vamos dar a volta. Dê-lhes
todas as explicações, senhor Foster.
Com eficácia, o Sr. Foster deu-as. Falou-lhes do embrião, que se desenvolve no seu leito de peritônio.
Fez-lhes provar o rico pseudo-sangue de que ele se alimenta. Explicou por que razão tinha necessidade
de ser estimulado pela placentina e pela tiroxina. Falou-lhes do extracto de corpus luteum. Mostroulhes
os tubos reguladores por onde, em todos os doze metros entre zero e dois mil e quarenta ele é
injetado automaticamente. Falou dessas doses gradualmente crescentes de líquido pituitário
administradas durante os últimos noventa e seis metros do seu percurso. Descreveu a circulação
materna artificial instalada em cada proveta no metro cento e doze. Mostrou-lhes o reservatório de
pseudo-sangue, a bomba centrífuga que mantém o líquido em movimento sobre a placenta e o impele
para o pulmão sintético e para o filtro dos resíduos. Disse algumas palavras acerca da perigosa
tendência do embrião para a anemia, das doses maciças de extracto de estômago de porco e de fígado
de poldro fetal que, em consequência, é necessário fornecer-lhe. Mostrou-lhes os mecanismos simples
por meio dos quais, durante os dois últimos metros de cada percurso de oito, todos os embriões são
simultaneamente agitados para se familiarizarem com o movimento. Aludiu ao perigo daquilo que se
chama «traumatismo de decantação» e enumerou as precauções tomadas a fim de reduzir ao mínimo,
por um ajustamento apropriado do embrião na proveta, esse perigoso choque. Falou-lhes das provas de
sexo efetuadas próximo do metro duzentos e explicou-lhes o sistema de classificação: um T para os
machos, um círculo para as fêmeas, e para os que estavam destinados a ser neutros um ponto de
interrogação negro sobre fundo branco.
- Porque, é claro - disse o Sr. Foster - , na imensa maioria dos casos a fecundidade é simplesmente um
incômodo. Um ovário fértil em cada mil e duzentos chegaria à vontade para as nossas necessidades.
Mas precisamos de ter por onde escolher. E, além disso, é necessário conservar uma enorme margem
de segurança. Assim, deixamos que se desenvolvam normalmente cerca de trinta por cento dos
embriões femininos. Os outros
recebem uma dose de hormonas sexuais masculinas em todos os vinte e quatro metros durante o resto do
percurso. Resultado - quando são decantados, estão neutros, absolutamente normais sob o ponto de
vista da estrutura, salvo - teve de reconhecer - possuírem, é verdade, uma leve tendência para o
crescimento da barba, mas estéreis. Estéreis garantidos. O que nos leva, enfim
- continuou o Sr. Foster -, a abandonar o domínio da simples imitação estéril da Natureza para
entrarmos no mundo muito mais interessante da descoberta humana. - Esfregou as mãos.
Porque, é evidente, não nos contentamos unicamente em incubar os embriões: isso qualquer vaca é
capaz de fazer. Também os predestinamos e condicionamos. Decantamos os nossos bebés sob a forma
de seres vivos socializados, sob a forma de Alfa ou de Epsilões, de futuros varredores ou de futuros ...
Esteve a ponto de dizer «futuros Administradores Mundiais», mas, corrigindo-se a tempo, disse
«futuros Diretores de Incubação».
O D. I. C. mostrou-se sensível ao cumprimento, que recebeu com um sorriso.
Encontravam-se no metro trezentos e vinte, no porta-garrafas n.º 11. Um jovem mecânico Beta-Menos
trabalhava com uma chave de parafusos e uma chave inglesa, na bomba de pseudo-sangue de uma
proveta que passava. O zunido do motor eléctrico tornava-se mais grave, em mudanças Ograduais, e
enquanto ele apertava os parafusos ... Mais grave, mais grave., uma torção final, uma olhadela ao
contador de voltas, e terminou. Avançou dois passos ao longo da fila e começou a mesma operação na
bomba seguinte.
- Ele diminui o número de voltas por minuto - explicou o Sr. Foster. - O pseudo-sangue circula mais
lentamente e, em consequência, passa para os pulmões com intervalos mais demorados; dá, assim,
menos oxigênio ao embrião. Nada melhor que a falta de oxigênio para manter um embrião abaixo
normal. - De novo esfregou as mãos.
- Mas para que é preciso manter o embrião abaixo normal? - perguntou um estudante ingênuo.
- Que burro! - disse o diretor, quebrando um longo silêncio. - Nunca lhe veio à ideia que é necessário
ao embrião Epsilão um ambiente de Epsilão, assim como uma hereditariedade de Epsilão?
Era evidente que isso nunca lhe tinha passado pela ideia.
Ficou confuso e contrito.
- Quanto mais baixa é a casta - disse o Sr. Foster -, menos oxigênio se lhe dá. O primeiro órgão
atingido é o cérebro. Em seguida o esqueleto. Com setenta por cento do oxigênio normal, obtêm-se
anões. Com menos de setenta por cento, monstros sem olhos. Os quais para nada servem - concluiu o
Sr. Foster. - No entanto - a sua voz tornou-se confidencial, desejoso de expor o que tinha a dizer -, se se
pudesse descobrir uma técnica para reduzir a duração da maturação, que benefício isso seria para a
sociedade! Consideremos o cavalo.
Eles consideraram-no.
- Adulto aos seis anos; o elefante aos dez, enquanto aos treze um homem não é ainda adulto
sexualmente e não o é fisicamente senão aos vinte. Daqui, naturalmente, esse fruto do desenvolvimento
retardado: a inteligência humana. Mas entre os Epsilões - continuou muito justamente o Sr. Foster - não
temos necessidade de inteligência humana. Não há necessidade e, portanto, não se obtém. Mas, se bem
que entre os Epsilões o espírito esteja maduro aos dez anos, é necessário esperar dezoito para que o
corpo esteja apto para o trabalho. Tantos anos de maturidade, supérfluos e sem utilidade! Se fosse
possível acelerar o desenvolvimento físico até o tornar tão rápido como, digamos, o de uma vaca, que
enorme economia poderia daí resultar para a comunidade!

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