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terça-feira, 4 de junho de 2013

Tempo e patrimônio - François Hartog

Citações
262-A objetivação do passado fez do tempo algo naturalizado, um impensado na História. Vivemos a imposição de um presente onipresente, o presentismo. A resposta da história profissional francesa foi a história do tempo presente após déc. De 1980, relacionada a demandas da atualidade judiciária (crimes contra a humanidade, com característica de temporalidade imprescritível). Para compreender esta inquietação usa a noção de “regime de historicidade” a partir de reflexões de M. Sahlins e C. Lévi-Strauss.
263-Diálogo entre M. Sahlins e R. Koselleck possibilita elaborar uma semântica dos tempos históricos, levando em consideração as tensões entre “experiência” e “horizonte de espera” (conceitos de Koselleck) e estando atento aos modos de articulação do presente, do passado e do futuro. “Regimes de historicidade” pode ser compreendido de forma: restrita - como uma sociedade trata seu passado ou; ampla - designar uma modalidade de consciência de si de uma comunidade humana. Isto serviria para iluminar modos de relação ao tempo; formas de experiência; maneiras de ser no tempo.
264-Noção de presentismo acompanhou Hartog em 1994, quando os restos do Muro não tinham ainda desaparecido em Berlim, quando discutia a reconstrução ou não do Castelo real, dentre outras coisas. Em Berlim, o tempo era um problema, visível, tangível, ineludível. Procurou-se apagar o passado de um lado e do outro de um muro que pouco a pouco tornava-se muro de tempo. Lá, o historiador vagueia frente a fragmentos, restos, marcas de ordem do tempo diferentes.
265-Memória e patrimônio são tratadas como indícios, sintomas de nossa relação com o tempo. Questãoum novo regime de historicidade, centrado sobre o presente, estaria se formulando? Patrimônio se impôs como categoria dominante da vida cultural e das políticas públicas. Recenseamos “novos patrimônios” e declinamos “novos usos” do patrimônio. Retrata panorama das políticas de patrimônio na França nas décadas de 1980-90.
266-”Lugares de memória” do historiador Pierre Nora chegaram ao diagnóstico de uma “patrimonialização” da história da França, senão da França mesma, fazendo com que saíssemos da “história-memória” rumo a “história-patrimônio”. Patrimônio se encontra ligado ao território e à memória, que operam como vetores de identidade. Patrimônio se apresenta como um convite à anamnese coletiva. Ao “dever” da memória com o remorso, se teria acrescentado uma “ardente obrigação” do patrimônio. Comenta o caso do Japão, que se utilizou do conceito de “tesouro nacional”.

267-Comenta caso do santuário d'Ise ressaltando que no Japão o dilema ocidental “conservar ou restaurar” não existe. O “tesouro nacional” é conferido a um artista ou artesão enquanto ele é detentor de um patrimônio intangível, podendo este título conferir recompensas (indenizações), mas obrigando-o a transferir o saber.
268-No decorrer dos últimos anos o patrimônio e a memória tomaram amplitude de tal forma até tender ao limite que seria o “tudo patrimônio”, ou seja, tudo seria patrimônio ou suscetível de tornar-se. A patrimonialização ou musealização se aproximando do presente implicou em estipular que nenhuma obra de arquiteto vivo seria considerada legalmente monumento histórico. O que é um indício deste presente que se historiciza, já evocado. Os patrimônios se multiplicam (dá exemplos).
269-Comenta Cartas Patrimoniais de Atenas e Veneza. Comenta midiatização da experiência dos templos de Abou-Simbel. Quanto mais a noção de patrimônio crescia, mais se enfraquecia a noção de monumento. Lei francesa havia substituído “interesse nacional” por “interesse público do ponto de vista da história e da arte”. Hoje o privilégio da definição da história-memória tem a concorrência ou contestação em nome das memória parciais, setoriais, particulares, que querem se fazer reconhecer como legítimas.
270-Estado-nação não impõe mais seus valores, mas preserva o que é tido como “patrimônio” pelos diversos atores. Monumento tende a ser suplantado pelo memorial. Do recenseamento de 1980 a 200 na França verificou-se que o valor dos objetos de associações que requerem o patrimônio reside, parcialmente, no fato de que elas mesmas estão na origem do seu reconhecimento. O olhar do patrimônio como turismo é objeto de investimento importantes. O século XX é o que mais invocou o futuro mas terminou seu último terço entregue a um presentismo massivo, invasor, fabricando cotidianamente o passado e o futuro do qual ele tem necessidade.
271-Gostaríamos de preparar a partir de hoje o museu de amanhã e reunir os arquivos de hoje como se fosse já ontem, tomados que estamos entre aamnésia e a vontade de nada esquecer. Museificação e comercialização dos fragmentos do Muro de Berlim como relíquia histórica antes dele ser totalmente demolido. Patrimonialização do meio ambiente em 1972 uniu-o à cultura devido à ameaça à degradação ao primeiro.
272-Patrimônio sempre se nutriu de cortes, da problematização da ordem do tempo, dos jogos de ausência e presença, do visível e do invisível, que marcaram e guiaram as incessantes e sempre mutantes formas de produzir semióforos. Patrimônio é um recursos para o tempo de crise, sendo ilusório nos fixarmos sobre uma acepção única do termo. O que distingue o crescimento patrimonial contemporâneo dos demais é a rapidez de sua extensão, a multiplicidade de suas manifestações e seu caráter fortemente presentista, quando o presente tomou uma extensão inédita. Patrimônio é trabalho pela aceleração: é preciso fazer rápido antes que seja muito tarde.
273-O futuro não é mais o “princípio da esperança”, mas ameaça. Uma ameaça da qual nós fomos os iniciadores e da qual nós devemos nos reconhecer, hoje, na falta já de ontem, como os responsáveis. Assim, interrogar o patrimônio e seus regimes de temporalidades nos conduziu ao entendimento de que esperamos um futuro que não é mais um horizonte luminoso.
Mestrando - Álisson de Souza Castro

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