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terça-feira, 4 de junho de 2013

Entre Memória e História - a problemática dos lugares - Pierre Nora

Citações

"Aceleração da história... uma oscilação cada vez mais rápida de um passado definitivamente morto, a percepção global de qualquer coisa desaparecida - uma ruptura de equilíbrio."  [7]

"Fala-se tanto de memória porque ela não existe mais."  [7]

"Há locais de memória porque não há mais meios de memória."  [7]

"Esse desmoronamento central de nossa memória só é um exemplo. É o mundo inteiro que entrou na dança, pelo fenômeno bem conhecido da mundialização, da democratização, da massificação, da mediatização."  [8]


"Desde que haja rastro, distância, mediação, não estamos mais dentro da verdadeira memória, mas dentro da história."  [9]

"Memória, história: longe de serem sinônimos, tomamos consciência que tudo opõe uma à outra. A memória é a vida, sempre carregada por grupos vivos e, nesse sentido, ela está em permanente evolução, aberta à dialética da lembrança e do esquecimento, inconsciente de suas deformações sucessivas, vulnerável a todos os usos e manipulações, suscetível  de longas latências e de repentinas revitalizações. A história é a reconstrução sempre problemática e incompleta do que não existe mais. A memória é um fenômeno sempre atual, um elo vivido no eterno presente: a história, uma representação do passado. Porque é afetiva e mágica, a memória não se acomoda a detalhes que a confortam ela se alimenta de lembranças vagas, telescópicas, globais ou flutuantes, particulares ou simbólicas, sensível a todas as transferências, cenas, censura ou projeções. A história, porque operação intelectual e laicizante, demanda análise e discurso crítico. A memória instala a lembrança no sagrado, a história a liberta, e a torna sempre prosaica. A memória emerge de um grupo que ela une, o que quer dizer, como Halbwachs o fez, que há tantas memórias quantos grupos existem; que ela é, por natureza, múltipla e desacelerada, coletiva, plural e individualizada. A história, ao contrário, pertence a todos e a ninguém, o que lhe dá uma vocação para o universal. A memória se enraíza no concreto, no espaço, no gesto, na imagem, no objeto. A história só se liga às continuidades temporais, às evoluções e às relações das coisas. A memória é um absoluto e a história só conhece o relativo."  [9]

"Uma sociedade que vivesse integralmente sob o signo da história não conheceria, afinal, mais do que uma sociedade tradicional, lugares onde ancorar sua memória." [9]

"A história e, mais precisamente, aquela do desenvolvimento nacional, constituiu a mais forte de nossas tradições coletivas, nosso meio de memória, por excelência."  [10]

"A definição nacional do presente chamava imperiosamente sua justificativa pela iluminação do passado."  [10]

"...o desenvolvimento de uma erudição documentária e da transmissão escolar da memória."  [11]

"Com a emergência da sociedade no lugar e espaço da Nação, a legitimação pelo passado, portanto pela história cedeu lugar à legitimação pelo futuro.  O passado, só seria possível conhecê-lo e venerá-lo, e a Nação, servi-la; o futuro preciso prepará-lo. Os três termos recuperam sua autonomia. A nação não é mais um combate, mas um dado: a história tornou-se uma ciência social; e a memória um fenômeno puramente privado.  A nação-memória terá sido a última encarnação da história-memória."  [12]

"O tempo dos lugares, é esse momento preciso onde desaparece um imenso capital que nós vivíamos na intimidade de uma memória, para só viver sob o olhar de uma história reconstruída.  Aprofundamento decisivo do trabalho da história, por um lado, emergência de uma herança consolidada, por outro.  Dinâmica interna do princípio crítico, esgotamento de nosso quadro histórico político e mental, suficientemente poderoso ainda para não nos deixar indiferentes, bem pouco consistente para só se impor por um retorno sobre seus mais evidentes símbolos."  [12]

"Os lugares de memória são, antes de tudo, restos. A forma externa onde subsiste uma consciência comemorativa numa história que a chama, porque ela a ignora.  É a desritualização de nosso mundo que faz aparecer a noção.  O que secreta, veste, estabelece, constrói, decreta, mantém pelo artifício e pela vontade uma coletividade fundamentalmente envolvida em sua transformação e sua,  renovação.  Valorizando por natureza, mais o novo do que o antigo, mais o jovem do que o velho, mais o futuro do que o passado. Museus, arquivos, cemitérios e coleções, festas, aniversários, tratados, processos verbais, monumentos, santuários, associações, são os marcos testemunhas de uma outra era, das ilusões de eternidade... São os rituais de uma sociedade sem ritual."  [13]

"...sinais de reconhecimento e de pertencimento de grupo numa sociedade que só tende a reconhecer indivíduos iguais e idênticos."  [13]

"Os lugares de memória nascem e vivem do sentimento que não há memória espontânea, que é preciso criar arquivos, que é preciso manter aniversários, organizar celebrações, pronunciar elogios fúnebres, notariar atas, porque essas operações não são naturais."  [13]

"Sem vigilância comemorativa, a história depressa os varreria. São os bastiões sobre os quais se escora.  Mas se o que eles defendem não estivesse ameaçado, não se teria, tampouco, a necessidade de construí-los.  Se vivêssemos verdadeiramente  as lembranças que eles envolvem eles seriam inúteis. E se, em compensação, a história não se apoderasse deles para deformá-los, transformá-los, sová-los e petrificá-los eles não se tornariam lugares de memória.  É este vai-e-vem que os constituiu momentos de história arrancados do movimento da história, mas que lhe são devolvidos."  [13]

" Tudo que é chamado hoje de memória não é, portanto, memória, mas já história.  Tudo o que é chamado de clarão de memória é uma necessidade da história."  [14]

"O que nós chamamos de memória é, de fato, a constituição gigantesca e vertiginosa do estoque material daquilo que nos é impossível lembrar, repertório insondável daquilo que poderíamos ter necessidade de nos lembrar."  [15]

"...o Larousse, de 1970 limitava ainda o patrimônio ao 'bem que vem do pai ou da mãe'. O 'Petit Robert' de 1979 faz 'da propriedade transmitida pelo ancestrais, o patrimônio cultural de um país'. Passou-se, muito bruscamente, de uma concepção muito restritiva dos monumentos históricos... a uma concepção que, teoricamente, não poderia deixar nada escapar."  [16]

"...as atualidades são feitas de outra coisa? - de uma memória secundária, de uma memória - prótese. A pro-indefinida do arquivo é o efeito aguçado de uma nova consciência, a mais clara expressão do terrorismo da memória historicizada.  É que esta memória vem do exterior e nós a interiorizamos como uma obrigação individual, pois que ela não é uma prática social."  [17]

"O dever de memória faz de cada um  o historiador de si mesmo."  [17]

"A psicologização integral da memória contemporânea levou a uma economia singularmente nova da identidade do eu, dos mecanismos da memória e da relação com o passado."  [18]

"A atomização de uma memória geral em memória privada da à lei da lembrança um intenso poder de coerção interior. Ela obriga cada uma se relembrar e a reencontrar o pertencimento, princípio e segredo da identidade."  [18]

"Quando a memória não está mais em todo lugar, ela não estaria em lugar nenhum se uma consciência individual, numa decisão solitária, não decidisse dela se encarregar.  Menos a memória é vivida coletivamente, mais ela tem necessidade de homens particulares que fazem de si mesmos homens-memória."  [18]

"Toda a dinâmica de nossa relação com o passado reside nesse jogo sutil do impenetrável e do abolido."  [19]

"Se ninguém sabe do que o passado é feito, uma inquieta incerteza transforma tudo em vestígio indício possível, suspeita de história com a qual contaminamos a inocência das coisas. Nossa percepção do passado é a apropriação veemente daquilo que sabemos não mais nos pertencer."  [20]

"Como não ver, nesse gosto pelo cotidiano no passado, o único meio de nos restituir a lentidão dos dias e o sabor das coisas?" [20]

"Da explosão da história-memória emerge um novo personagem, pronto a confessar diferentemente de seus predecessores, a ligação estreita, íntima e pessoal que ele mantém com seu sujeito."  [20]

"Vivendo integralmente sob o signo do futuro, ela se contentaria de processos de gravação automáticos de si mesma e se satisfaria com máquinas de se auto contabilizar, mandando de volta para um futuro indefinido a tarefa de se compreender, a si mesma. Em contrapartida, nossa sociedade, certamente arrancada de sua memória pela amplitude de suas mudanças, mas ainda mais obcecada por se compreender historicamente, está condenada a fazer do historiador um personagem cada vez mais central, porque nele se opera aquilo de que ela gostaria mas não pode dispensar: o historiador é aquele que impede a história de ser somente história."  [21]

"...um lugar de aparência puramente material, como um depósito de arquivos, só é lugar de memória se a imaginação o investe de uma aura simbólica. Mesmo um lugar puramente funcional, como um manual de aula, um testamento, uma associação de antigos combatentes, só entra na categoria se for objeto de um ritual.  Mesmo um minuto de silêncio, que parece o exemplo extremo de uma significação simbólica, é ao mesmo tempo o recorte material de uma unidade temporal e serve, periodicamente, para uma chamada concentrada da lembrança... É material por seu conteúdo demográfico, funcional por hipótese, pois garante, ao mesmo tempo, a cristalização da lembrança e sua transmissão, mas simbólica por definição visto que caracteriza por um acontecimento ou uma experiência vividos por um pequeno número uma maioria que deles não participou."  [22]

"´...é preciso ter vontade de memória." [22]

"Na falta dessa intenção de memória os lugares de memória serão lugares de história."  [22]

"Lugares portanto, mas lugares mistos, híbridos e mutantes, intimamente enlaçados de vida e de morte, de tempo e de eternidade, numa espiral do coletivo e do individual, do prosaico e do sagrado, do imóvel e do móvel."  [22]

"Na mistura, é a memória que dita e a história de escreve."  [24]

"...a memória perdura-se em lugares, como a história em acontecimentos."  [25]

"A memória, só conheceu duas formas de legitimidade: histórica ou literária."  [28]

"A história é nosso imaginário de substituição. Renascimento do romance histórico."  [28]

"História, profundidade de uma época arrancada de sua profundidade, romance verdadeiro de uma época sem romance verdadeiro.  Memória, promovida ao centro da história é o luto manifesto da literatura."  [28]

Mestranda - Rosilda da Silva





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