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terça-feira, 11 de junho de 2013

“Passados presentes: mídia, política, amnésia” do livro “Seduzidos pelas memória: arquitetura, monumentos, mídia” de Andreas Huyssen.

Andreas Huyssen (professor de alemão e literatura na Columbia University), lançou no ano 2000 a obra “Seduzidos pelas memória: arquitetura, monumentos, mídia”. No capítulo intitulado “Passados presentes: mídia, política, amnésia”, o autor desenvolve sua problemática partindo do pressuposto de que a emergência da memória, caracterizada por um desejo de volta ao passado, trata-se de um fenômeno cultural e político central nas sociedades ocidentais, e que contrasta com a sede de futuro sentida no contexto da modernidade no início do século XX. Huyssen (2000, p.9) explica que esse fenômeno a que denomina passados presentes, parece ter se configurado a partir dos anos 1980, quando se altera a percepção dos sujeitos com relação ao tempo a partir de suas experiências de tempo, momento em que os futuros presentes (termo criado pelo historiador Rainhart Koseleck) perdem centralidade.

Apoiando-se no conceito de tempo e espaço do geógrafo David Harvey, o autor explica que tempo e espaço são categorias enraizadas na percepção histórica e que a separação entre elas impossibilita o entendimento das culturas modernas e pós-modernas na medida em que tempo e espaço são interligados de diferentes maneiras, mais ou menos complexas, mas que suportam a diversidade de discursos sobre a memória. O entendimento da possibilidade de diferentes modernidades e modernidades em diferentes estágios, para o autor (p.10) possibilitaram um novo entendimento dos processos de globalização.
Segundo Huyssen os discursos de “memória de um novo tipo”, os quais teriam aparecido a partir da década de 1960 no contexto de descolonização e do surgimento de movimentos sociais, foram impulsionados a partir da década de 1980 pelo crescimento dos debates em torno do Holocausto, principalmente nos Estados Unidos e Europa, onde eventos, discursos e uma variedade de produtos televisivos e impressos eram produzidos apropriando-se de eventos históricos que marcaram o Holocausto, o que de acordo com Huyssen (p.11) remexeu as “codificações da história nacional posteriores à Segunda Guerra Mundial”.
O deslocamento da memória do Holocausto do seu lugar original é percebido na forma como este evento foi sendo utilizado ao abordar outros conflitos. Duas situações são trazidas pelo autor para demonstrar as diferentes apropriações da memória do Holocausto, primeiro através dos discursos utilizados pelos políticos durante os massacres em Ruanda e na Bósnia e em outro momento, durante a guerra em Kosovo. Uma vez que, durante os conflitos na Bósnia e em Ruanda comparações com o Holocausto foram rejeitadas por políticos, pela imprensa toda opinião pública, segundo o autor como uma forma de resistir a uma intervenção. (p.12). Porém, durante a guerra em Kosovo, a memória do Holocausto foi apropriada como forma de justificar a intervenção armada pela OTAN.


Para Huyssen a memória do Holocausto, acionada durante a guerra em Kosovo para legitimar uma intervenção internacional, foi motivada por uma política de culpa na Europa e nos Estados Unidos que estaria relacionada, inclusive, à intervenção na Bósnia que o autor qualifica como fracasso. A guerra em Kosovo teria mostrado a influência que a cultura de memória passara a exercer a partir da década de 1990, mas de outro modo também a produziu questionamentos “sobre o uso do Holocausto como um lugar-comum universal para explicar os traumas históricos” (p.12) e em que medida pode servir como metáfora para memórias, para avaliações de todos os traumas históricos das sociedades, o alerta de Huyssen é no sentido de que as comparações com o Holocausto podem produzir falsas memórias ou dificultar a compreensão de histórias específicas.

Além do Holocausto, outras memórias são utilizadas na construção de passados-presentes, Huyssen (p.14) cita como exemplos a restauração de centros urbanos, de cidades-museus e paisagens inteiras, de empreendimentos patrimoniais, a moda e objetos retrô, a comercialização da nostalgia, a difusão das práticas memorialísticas nas artes visuais, e todo o entretenimento memorialístico e toda sua produção em cima de biografias e eventos históricos, sintomas de um mundo que está sendo musealizado, de acordo com Huyssen e que utiliza essas memórias na tentativa de produção de uma recordação total (p.15).
Huyssen (p.15) afirma que apesar de haver uma comercialização crescente da memória pela indústria cultural ocidental, ela também “assume uma inflexão política mais explícita em outras partes do mundo”, citando como exemplo os debates políticos e culturais na América Latina ao redor dos presos políticos desaparecidos e seus filhos, no que diz respeito à violações dos direitos humanos, justiças e responsabilidade coletiva. Essa mobilização de memórias seria uma forma de combater a política do esquecimento promovida pelos governos pós-ditatoriais. Considerando ainda os debates em torno do Apartheid na África do Sul, das políticas fundamentalistas no Oriente Médio, Huyssen quando afirma que “A disseminação geográfica da memória é tão ampla quanto é variado o uso político da memória [...]” (p.16).

O autor atenta que embora o uso das memórias possa parecer um fenômeno global, no seu núcleo elas fazem parte de contextos específicos de territórios e nações. E, na medida em que essas nações buscam a criação de políticas democráticas e se deparam com as sombras de passados marcados pela obscuridade de ditaduras militares, totalitarismos, essas nações tem como desafio “assegurar a legitimidade e futuro das suas políticas emergentes, buscando maneiras de comemorar e avaliar os erros do passado” (p.17) E ainda que debates sobre a memória nacional incorra em temas como genocídios, limpeza étnica, migração, direito das minorias o autor reforça que é preciso se perguntar como o Holocausto como lugar-comum da memória universal traumática “reforça ou limita as práticas de memórias e as lutas locais” (p.17), que para o autor deveriam ser pensadas e reavaliadas global e localmente.

Huyssen aponta um paradoxo no enfoque sobre o passado e a memória, sendo a cultura de memória, contemporânea, acusada de amnésia por críticos que avaliam que a difusão midiática da memória a deixou cada vez mais disponível, o que leva o autor a se interrogar se esse aumento de memória é acompanhado de um aumento de esquecimento, considerando que grande parte das memórias comercializadas em massa que consumimos são memórias imaginadas, e por esse motivo seriam mais facilmente esquecidas. Mas aí também emerge a ambiguidade de outra questão destacada pelo autor: o medo do esquecimento dispara o desejo de lembrar, ou o desejo de lembrar dispara o esquecimento. Huyssen (p.19) questiona se é possível que o excesso de memória na cultura de mídia, essa sobrecarga de memória, saturadas, seja capaz de acionar uma memória do esquecimento.

Para o autor (p.19) “As próprias estruturas da memória pública midiatizada ajudam a compreender que, hoje, a nossa cultura secular, obcecada com a memória, tal como ela é, está também de alguma maneira tomada por um medo, um terror mesmo, do esquecimento.” Esse medo é transportado para o centro de questões como a dos presos políticos na América Latina e do Holocausto na Europa e Estados Unidos. Emerge daí uma questão fundamental, quanto mais o bombardeio de informações que representa a comercialização de memória nos faz apelos para lembrar, mais cresce o medo do esquecimento que através de rememorações públicas e privadas se busca evitar. Essas rememorações denunciam que o que se busca diante do perigo do esquecimento, o qual é sentido pela instabilidade dos movimentos do tempo na contemporaneidade, é um ponto de ancoragem que ofereça segurança, supostamente encontrada nas experiências de tempos pretéritos (p.20). 

Para Huyssen (p.21) não é possível mais discutir memória sem considerar a influência das tecnologias de mídia como veículos de memória, não tem como pensar os traumas históricos apenas do ponto de vista político sem considerar suas representações na mídia, para o autor “não há nenhum espaço puro fora da cultura da mercadoria, por mais que possamos desejar um tal espaço.” Na opinião do autor, as questões não podem ser resolvidas por uma oposição entre memória real e memória trivial, como se a trivialidade de algumas memórias não fizesse parte do escopo do qual os historiadores constroem a realidade, e qualquer oposição nesse sentido seria a reprodução da dicotomia alta e baixa cultura.

Ao considerar a existência de uma diferença entre a construção da realidade e de suas representações em imagens e linguagens é preciso considerar as inúmeras possibilidades de representação da realidade do evento e de suas memórias. É preciso ter em mente que o olhar sobre o real é uma interpretação, que uma fotografia ou um documentário com imagens reais são captadas por lentes operadas por indivíduos que fizeram escolhas, que buscaram representar determinado momento de uma ou de outra forma. 
Para Huyssen (p.22) é preciso pensar a memória traumática e a memória visual ocupando um mesmo espaço, o público. A memória traumática é comercializada tanto quanto memória do divertimento, o interesse no lucro movimenta esse comércio de venda de passados que está na moda. 

Para o autor “[...] nós estamos obcecados com re-re-representação, repetição, replicação e com a cultura da cópia, com ou sem original. (p.24)” Uma vez que, na ausência de passados capazes de suportar representações no presente, memórias são inventadas, produtos são criados embasados na fantasmagoria de belas épocas, no culto a ícones e a mitos imaginados como uma forma de frear a aceleração do tempo frente a instantaneidade do tempo presente, tempo que se encolhe cada vez mais produzindo sensações de ameaça e insegurança. (p.23)

Para Huyssen (p.26), a necessidade de passado é algo que também não pode ser explicada tão somente pela comercialização de memórias pela indústria da cultura, mas por uma necessidade das pessoas de valorizar esses passados que são consumidos, é o medo do futuro que ganha foco em meio às transformações de tempos, um vazio que é preenchido por essa cultura de memória. O encurtamento do presente pode ser percebido pelo tempo de permanência dos produtos nas prateleiras, os lançamentos, as novidades são rapidamente suplantadas por outros produtos, isso quando não chegam às prateleiras como objetos obsoletos. 

Na opinião do autor (p.28), é preciso que memória e musealização caminhem juntas a fim de criar uma proteção contra a obsolescência e controlar nossa ansiedade diante da velocidade das transformações que encurtam tempos-espaços.

Huyssen traz a teoria proposta pelo filósofo alemão do início do século XX, Hermann Lübbe, o qual afirmou que o museu seria uma forma de compensar a perda de estabilidade, na medida em que fornece opções de identidades culturais tradicionais, no entanto a teoria de Lübbe não reconheceu que mesmo essas identidades “tradicionais” são atingidas pelos processos de modernização. 

Para Huyssen (p.29), essa crença na musealização cultural como forma de compensar os deslocamentos sentidos no mundo social, é qualificada pelo autor como “demasiadamente simples e ideológica”, uma vez que não reconhece que o próprio passado está sendo desestabilizado pela indústria cultural musealizante e pela mídia.

O autor (p.30), considerando as categorias espaço e tempo como fundamentais da experiência e da percepção humana, bem como sua mutabilidade diante das mudanças históricas localiza a memória como lugar de onde partem esses apelos a um passado que é sempre melhor, que remete a lugares circunscritos na paisagem por fronteiras culturais bem delineadas, construída através de relações sociais permanentes e fluxos de tempo regulares.

Para Huyssen (p.30) o que está em voga não são períodos gloriosos imaginados, mas um desejo de continuidade dentro do tempo, visto como uma possibilidade de extensão do vivido, que permite nos situarmos no tempo a partir de uma linearidade histórica.

Para Huyssen “quanto mais rápido somos empurrados para o futuro global que não nos inspira confiança, mais forte é o nosso desejo de ir mais devagar e mais nos voltarmos para a memória em busca de conforto.” (p.32) Porém, essas memórias que o século XX oferece não trazem conforto, e essa é questão que emerge no final do século XX, momento em que o autor escreve. Afinal como glorificar o passado, se um olhar sobre o passado do século XX revela movimentos que conduziram a genocídios e destruições em massa (p.31).

O autor questiona como poderiam ser organizadas e representadas as memórias locais, regionais e nacionais no futuro, considerando a possibilidade de haver uma memória global, possibilidades que dependerão em grande parte da articulação de recursos disponíveis para se trabalhar com essas memórias. Na atualidade, os arquivos digitais representam o recurso disponível mais avançado para o abrigo de memórias em formatos de imagens e sons, porém a maior crítica que se faz aos arquivos digitais diz respeito a sua segurança, ao quanto podemos confiar nos computadores e na sua capacidade de armazenamento seguro de memórias. Atualmente são percebidas muitas práticas que visam negar ou combater a globalização e que sinalizam a necessidade de uma ancoragem no tempo, enfatizada pelo autor através do que ele entende como sendo uma febre de memória. 

O autor (p.36) vê uma saída nas práticas de memória nacionais e locais que contestam a globalização pela da negação de tempo, espaço e lugar, afirmando que a partir delas se pode pensar em novas configurações de tempo e de espaço. Isso porque na opinião do autor não há como pensar o futuro dentro do ciberespaço na medida em que as memórias são incorporadas ao social, nas relações entre grupos, regiões, nações.

Para Huyssen (p.37) é certo que no futuro as memórias serão modeladas pelas tecnologias digitais, porém ela não será reduzida a essas tecnologias, pois a memória é humana, social e está em movimento constante que pode conduzi-la a diferentes caminhos, inclusive do esquecimento. 

Segundo o autor, “se nós estamos, de fato, sofrendo um excesso de memória, devemos fazer um esforço para distinguir os passados usáveis dos passados dispensáveis.” (p.37) Faz-se necessário uma rememoração produtiva, uma seleção de memórias que possam contribuir com o futuro do presente e não apenas com o futuro do passado através da  celebração de memórias.

Mestrando - Gustavo Grein

Um comentário:

Anônimo disse...

Nossa, muito bom, um grande parabéns e muito sucesso.