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quarta-feira, 12 de junho de 2013

Andando na cidade - Michel Certeau

Ideias principais

“Do 110º andar do World Trade Center, ver Manhatan. Sob a bruma varrida pelo vento, a ilha urbana, mas no meio do mar, acorda os arranha-céus de Wall Street, abaixa-se em Greenwich, levanta de novo as cristas de Midtown, aquieta-se no Central Park e se encapela enfim para lá do Harlen.”

“Transforma-se numa texturologia em que os extremos coincidem, os extremos de ambição e da degradação, oposições brutais de raças e estilos, contrastes entre  os edifícios de ontem, já transformados em latas de lixo, e as irrupções urbanas de hoje que bloqueiam seu espaço. Ao contrário de Roma, Nova Iorque nunca aprendeu a arte de envelhecer exibindo todos os seus passados. Seu presente se inventa, hora a hora, no ato de deitar fora suas realizações prévias e desafiar o futuro. Uma cidade composta de lugares paroxísticos de relevos monumentais.”

Voyeurs ou Caminhantes

“Subir até o alto do World Trade Center é o mesmo que ser arrebatado até o domínio da cidade. O corpo não está mais enlaçado pelas ruas que o fazem rodar e girar segundo um a lei anônima; nem possuído, jogador ou jogado, pelo rumor de tantas diferenças e pelo nervosismo do tráfego novaiorquino. Aquele que sobe até lá no alto foge à massa que carrega e tritura em si mesma toda identidade de autores ou de espectadores. Ícaro, acima dessas águas, pode agora ignorar as astúcias de Dédalo em labirintos móveis e sem fim. Sua elevação o transfigura em voyeur. Coloca-o à distância. Muda num texto que se tem diante de si, sob os olhos, o mundo que enfeitiçava e pelo qual se estava “possuído”. Ela permite lê-lo, ser um Olho solar, um olhar divino. Exaltação de um impulso abrangente e gnóstica. Ser apenas este ponto que vê, eis a ficção do saber.


“Será necessário depois de cair de novo no sombrio espaço onde circulam multidões que, visíveis lá do alto, em baixo não vêem? Queda de Ícaro. No 110º andar, em cartaz, semelhante a uma esfinge, propõe um enigma ao pedestre por instante transformado em visionário: É difícil estar por baixo quando você esta em cima.”

“O desejo de ver a cidade precedeu os meio de satisfazê-lo”. Os pintores medievais ou renascentistas representaram a cidade vista numa perspectiva que olho nenhum havia ainda apreciado. Será que as coisas mudaram desde que os processos técnicos se organizaram em um “poder que tudo vê”?

“O World Trade Center é somente a mais monumental das figuras do urbanismo ocidental. A atopia-utopia do saber ótico leva consigo há muito tempo o projeto de superar e articular as contradições nascidas da aglomeração urbana.” 

“Os praticantes comuns da cidade moram “lá em baixo”, abaixo do limiar onde a visibilidade começa. Eles caminham- uma forma elementar dessa experiência da cidade; eles são caminhantes. Wandersmanner, (andarilhos) cujos corpos acompanham resolutamente um “texto” urbano, que escrevem sem serem capazes de lê-lo.”

“Esses praticantes fazem usos de espaços que não podem ser vistos; o conhecimento que têm destes é tão cego quanto o dos amantes abraçados”.

“Nesse conjunto, tentarei localizar as práticas estranhas ao espaço “geométrico” ou “geográfico” das construções visuais, panópticas ou teóricas. Essas práticas do espaço referem-se a uma forma específica de operações (modos de operar), a uma outra espacialidade (uma experiência de espaço “antropológica”, poética e mítica) e a uma mobilidade opaca e cega, característica da cidade febril”.

‘“Uma cidade migratória, ou metafórica, desliza assim para o texto claro da cidade planejada e legível”.

Do conceito da Cidade às Práticas Urbanas

“Planejar uma cidade é tanto pensar a própria pluralidade do real quanto efetivar essa maneira de pensar o plural: é saber como articulá-lo e ser capaz de fazê-lo”.

Um conceito Operacional

“A cidade fundada pelo discurso utópico e urbanístico define-se pela possibilidade de uma operação tripla: a produção de seu espaço próprio, a substituição de um “não quando” e a criação de sujeito anônimo e universal que é a própria cidade”.

“A cidade’, como um nome próprio, fornece assim um modo de conceber e construir o espaço tendo como base um número finito de propriedades estáveis, isoláveis e interligadas”.
“O sistema de lucro gera uma perda que, nas formas múltiplas da miséria e da pobreza fora do sistema e do desperdício dentro dele, constantemente transforma a produção em gasto”.
“A racionalização da cidade leva à sua mitificação nos discursos estratégicos, que são estimativas baseadas na hipótese ou na necessidade de sua destruição para chegar a uma decisão final”.

“A organização funcionalista, ao privilegiar o progresso ( isto é o tempo), provoca a condição do esquecimento de sua possibilidade- o próprio espaço; o espaço torna-se assim o ponto cego numa tecnologia cientifica e política”.

“Hoje quaisquer que possam ser os avatares desse conceito, temos de reconhecer que se no discurso a cidade serve como um marco totalizante e quase mítico para as estratégias socioeconômicas e políticas, a vida urbana permite cada vez mais a re-emergência do elemento que o projeto urbanístico excluía”.

“A linguagem do poder é em si mesma “urbanizante”, mas a cidade torna-se presa dos movimentos contraditórios que contrabalançam e se combinam fora do alcance do poder panóptico”.

“A cidade passa a ser o tema dominante das legendas políticas, mas não é mais um campo de operações programadas e reguladas. Sob os discursos que ideologizam a cidade, os ardis e combinações de poderes eu não têm identidade legível proliferam, sem pontos de apoio, sem transparência racional, eles são impassíveis de administrar”.

A volta das práticas

“A cidade-Conceito vem decaindo. Isso significa que a doença que aflige tanto a racionalidade que a afundou quanto seus profissionais aflige também as populações urbanas?”

“Quando transformam seu espanto em “catástrofes”, quando buscam encerrar as pessoas no pânico de seus discursos, estão eles mais uma vez necessariamente certos?”.

“Essa trilha poderia inscrever-se como uma consequência, mas também como recíproca, da analise das estruturas de poder feita por Foucault. Ele a conduziu na direção dos mecanismos e procedimentos técnicos, “instrumentalidades menores” capazes, apenas pela organização dos detalhes, de transformar uma multiplicidade humana numa sociedade ‘disciplinadora” e de administrar, diferenciar, classificar e hierarquizar todos os desvios relativos a aprendizagem, saúde, justiça, exercito ou trabalho”.

“Na atual conjuntura, marcada por uma contradição entro o modo de administração coletiva e um modo de reapropriação individual, essa questão não é menos importante, caso se admita que as práticas espaciais de fato estruturam secretamente as condições determinantes da vida social”.

Fala dos Passos Perdidos

“Essa historia começa ao rés do chão, com passos. São eles os números, mas um número que não constitui uma série. Não se pode conta-lo, porque cada de suas unidades é algo qualitativo: um estilo de apreensão táctil de apropriação cinética”.

“A operação de andar, perambular, ou ver vitrines, isto é, a atividade dos passantes, transforma-se em pontos que traçam uma linha totalizante e reversível no mapa. Ele nos permitem apreender apenas um conjunto de relíquias no “não-quando” de uma superfície de projeção. Visível em si, ela tem o efeito de tornar invisível a operação que a possibilitou”.

A retórica do andar

“O andar dos passantes propicia uma serie de voltas e desvios que podem ser comparados a “torneios de frase” ou figuras estilísticas. Há uma retórica do andar. A arte de tornear frases encontra equivalente numa arte de compor um percurso. Assim a linguagem comum, essa arte pressupõe e combina estilos e usos”.
“Ao ligar atos e passos, significados abertos e direções, essas palavras operam em nome de um esvaziamento e um esgotamento do seu papel primeiro. Tornam-se espaços liberados que podem ser ocupados”.


Mestranda: Ana Carla Jacintho

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