Elogio da Razão Sensível
Para muitos
estudiosos e cientistas o senso comum dever manter distância do discurso
especializado caso se queira realmente fazer ciência.
Entretanto,
Maffezoli (1998) faz oposição a esse pensamento ao expor que o senso comum tem em
si validade e merece atenção, pois, acentua o autor, é ele quem serve de
substrato ao rigor científico alimentando sua legitimidade.
Para dar
suporte a sua tese, apoia-se em Heidegger ao citar que o trabalho filosófico
não é exclusivo de pessoas originais, daqueles que buscam no intelecto referendar suas teorias, pois os
camponeses, em seu ambiente de trabalho também o fazem e, por conta disso, têm
um saber incorporado que Maffezoli chama de “enraizamento dinâmico” e que de
geração em geração assegura a perduração societal.
A
partir disso, apresenta mais um argumento para validar sua teoria, afirma que é
a progressão intelectual que procede da vida e não o contrário; portanto, tem-se
ao lado da razão, a paixão e a emoção, que ocupam um lugar cada vez mais
importante, confrontando com a premissa do distanciamento entre o comum e o
científico.
Outro
teórico que também salientou a importância do senso comum foi Howard Becker, ao
afirmar que são tanto o senso comum quanto a ciência, que prescrevem a
observação atenta de todas as coisas para então se formular teorias, o que por
sua vez mostra que a ciência se pauta no senso comum mesmo que disfarçada sob
alguma outra ótica.
Contudo,
Maffezoli esclarece que não se faz necessário abdicar do intelecto, pelo
contrário, é preciso que ambos, intelectualidade e senso comum caminhem juntos,
pois, um indivíduo mesmo estando emaranhado em conceitos tem uma vida social
que repousa e compartilha emoções e afetos, tão próprios do cotidiano. Lembra
ainda que antes de ser individualizado, o gênio, o intelectual, também é
coletivo e possui uma sabedoria instintiva, componente essencial da vida social.
Fernando
Pessoa (O Livro do Desassossego), citado pelo autor, já apresentava em sua
poesia uma premissa que serve para alicerçar o pensamento contrário ao
distanciamento entre o comum e o intelectual, “sábio é aquele que monotoniza a
vida, pois o menor incidente adquire então a faculdade de maravilhar” ressaltando,
pois, a sabedoria presente no ordinário capaz de reencantar o mundo. E, é esta a ideia que o autor de Elogio da
Razão sensível acredita constituir, a longo prazo, o corpo social. São estas banalidades, as vivências
cotidianas, o senso comum, que ele afirma precisarem ser assumidas
intelectualmente, como condição de possibilidade à razão, legitimando-a; porque
segundo ele, há uma vivência comum antes
de qualquer racionalização exprimindo o que constitui a sociedade e
enriquecendo o saber.
Georg
Simmel, citado por Maffezoli, no apogeu da modernidade, também ratificava o
preceito de senso comum, criticando o trabalho normativo e impecável. Afirmava
que a progressão científica nada tem a ver com a cultura de “consumação da
vida” e que o rigor de se trabalhar o essencial é uma característica pedante de
desconexão com a vida real.
Outros
autores também defenderam a ideia do senso comum como elemento de base para o
discurso especializado empregado pelos cientistas. Foi o caso de C. G. Jung,
que pontuou a vida e os imaginários dela advindos como de clara eficácia para
serem levados a sério; de Rilke, que apontava a vivência dos problemas como
suas próprias soluções e de Elias Canetti, que em “Auto-da-Fé” apresenta a
rejeição da túnica do erudito em troca da bondade de um sábio chinês. E, para a
ênfase colocada sobre essa matéria viva é que Maffezoli ousadamente chama de
fecundidade científica, reconhecendo os elementos subjetivos como partes
integrantes das histórias humanas. Usa ainda, para esclarecer, a metáfora “a
água da objetividade é boa, mas o vinho do entusiasmo não pode faltar”. Com isso, o autor estabelece que senso comum
e fazer científico devem ser incorporados, sem que um anule o outro, mas pelo
contrário, que o hibridismo de ambos resulte em um saber mais completo e melhor
fundamentado evocando a vala de um e a técnica de outro.
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