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quarta-feira, 31 de outubro de 2012

A Política - Aristóteles [parte 25]

Aquele que, tentando discipliná-la, se gaba de torná-la virtuosa por meios
diferentes da filosofia, dos bons costumes e das boas leis, engana-se
redondamente. Assim agiram o legislador de Creta e o da Lacedemônia, que
limitaram a comunidade dos bens, um apenas aos fundos destinados à despesa
com as refeições públicas, outro ao uso familiar das posses de cada um.
Deve-se, aliás, atentar para a longa seqüência dos séculos e dos anos
anteriores ao nosso e persuadir-se de que as boas instituições não escaparam
à sagacidade dos que nos antecederam. Quase tudo foi imaginado, mas, dos
diversos projetos propostos, uns não foram aceitos, outros foram abandonados
após algumas tentativas.
Da mesma forma, basta submeter a uma tentativa a comunidade
socrática e se terá a prova de que ela é impraticável. Com efeito, jamais se
formará um Estado se não se começar por classificar os homens e partilhar os
bens, destinando alguns ao uso público e distribuindo o restante às cúrias e às
tribos particulares.
Assim, nada resta que possamos conservar do sistema de Sócrates, a
não ser que não se deve permitir a agricultura aos militares, como os
lacedemônios começam a estabelecer entre eles.
De resto, Sócrates não explica e não deixa entrever facilmente qual será
a forma de governo entre seus comunistas.
Embora a grande maioria seja formada por cidadãos não destinados ao
manejo das armas, ele não diz se os bens dos lavradores devem ser
particulares ou comuns, e se entre eles também haverá comunidade de
mulheres e de filhos. Devendo tudo ser comum entre todos, qual será a diferença
entre uns e outros? Que vantagem terão os chefes, e que aprendizado farão do
comando, a menos que se imitem os cretenses, que admitem seus escravos em
tudo, só lhes proibindo os exercícios do ginásio e a faculdade de portar armas,
que reservam a si próprios? Se se praticarem distinções, como em outros
lugares, qual será então o modo de comunidade? Não haverá necessariamente
dois Estados em um só, em oposição um com o outro? De fato, Sócrates faz de
seus guardiães ou militares como que os protetores do Estado e coloca no
grupo dos meros cidadãos os lavradores, os artesãos e os demais.
Haverá nesse regime acusações, processos e todos os outros males que
Sócrates encontra nos outros Estados, embora o seu, segundo diz, formado
pela sua disciplina, só vá precisar de muito poucas leis, tais como as da polícia
das cidades e dos mercados e outros objetos semelhantes. 
Ele atribui a seus guerreiros a superintendência da educação pública.
Aos lavradores, dá todos os imóveis, à custa do imposto territorial.
Evidentemente, estes serão pessoas de outra categoria, bem mais altivos do
que os dotas, os penestas e outras espécies de escravos.
Mas Sócrates não determina se tudo isso será igualmente necessário ou
não, nem qual será o governo, a disciplina e as leis das pessoas que lhes
estarão subordinadas, o que, no entanto, não é fácil de subentender, nem de
pouca importância para conservar o bom entendimento com os guerreiros.
Tampouco explica se os lavradores terão as mulheres em comum e as terras em
particular; supondo que tudo seja comum, quem cuidará da casa, enquanto os
maridos trabalharem na cultura dos campos? É indecente tomar o exemplo dos
animais e sujeitar as mulheres às mesmas funções que os homens, sobretudo já
que estes se abstêm das ocupações domésticas.
Sua magistratura é concebida da maneira mais perigosa. Sua
perpetuidade é um germe de sedição para os que ainda não adquiriram
nenhuma consideração e, com mais forte razão, para as pessoas valorosas, que
já prestaram serviço. Esta herança é até uma conseqüência necessária de seus
princípios, pois, segundo ele, os deuses não repartiram indistintamente seus
dons mais preciosos a todo o mundo, ora para uns, ora para outros, mas
sempre para os mesmos. As qualidades intelectuais são 0 apanágio de alguns,
que as recebem exclusivamente no nascimento, uns o ouro, outros a prata; o
bronze e o ferro vão para os que devem ser lavradores ou artesãos.
Embora pretenda que a legislação torne felizes a todos, Sócrates retira
de seus guardiães, com os trabalhos de que os cumula, toda esperança de
felicidade. É impossível que um Estado seja feliz se todas as suas partes, ou a
maior parte delas, não o são. Não se dá o mesmo que com os números pares,
de que todas as partes podem ser ímpares: é preciso que pelo menos algumas
de suas partes sejam felizes. Se seus guardiães não o são, que outros poderão
sê-lo? Certamente não serão nem os artesãos, nem os assalariados.
Platão ou, se quiserem, Sócrates, que ele faz falar, tampouco trata de
uma maneira satisfatória das revoluções ou das transformações de Estado".
Não indica nenhuma causa de mudança própria ao que chama a primeira e
melhor República. "É", diz ele, "da ordem da natureza que nada seja eterno e
tudo mude após certo período de tempo. A mudança ocorre quando o número
elementar epiternário, combinado com o número quinário, dá dois acordes e é
elevado ao cubo."" Então, a natureza dá à luz seres maus, cuja malícia não
poderia ser corrigida pela educação. Talvez Sócrates diga a verdade, pois pode
haver homens tão mal nascidos que sejam incapazes de qualquer instrução e de
qualquer virtude. Mas por que a revolução ocorreria em sua República e não em
qualquer outra? 

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