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quarta-feira, 31 de outubro de 2012

A Política - Aristóteles [parte 25 b]

Quanto ao tempo fixado por ele para a mudança, mudarão
simultaneamente as Constituições que não começaram juntas, como se
tivessem todas sido inauguradas um dia antes do solstício?
E por que essa República passaria a ter a forma lacedemônia, se a
maior parte das outras se transforma no Estado contrário e não no que se lhes
aproxima? Deve haver a mesma razão em toda mudança. Segundo ele, a forma
lacedemônia se transformará em oligarquia; a oligarquia, em democracia; a
democracia, em tirania, embora também se transformem no sentido contrário, a
saber, a democracia em oligarquia, mais até do que em monarquia.
Além disso, não fala da tirania e não diz se sofre ou não mutação, nem
por que causa, nem em que espécie de República. Deixa este ponto
indeterminado, como algo em que a exatidão não seja fácil. Segundo ele, a
mudança deveria retornar à primeira e melhor espécie, de tal forma que haveria
um circuito contínuo; mas a tirania algumas vezes dá lugar a outra tirania, como
em Sícion a de Míron sucedeu à de Clístenes; ou a uma oligarquia, como em
Cálcis, a de Antileo; ou uma democracia, como em Siracusa, a de Gelão; ou à
aristocracia, como a de Carilau na Lacedemônia, e também em Cartago.
A oligarquia passa a tirania, como se vê na Sicília em quase todas as
antigas oligarquias: as de Leonte transformaram-se na tirania de Panécio; em
Gela, na de Cleandro; em Reges, na de Anaxilau, o mesmo ocorrendo em vários
outros lugares.
Não é verdade que estas transformações se devam à avareza e à
ambição dos que estão investidos das magistraturas públicas. Antes acontecem
porque os que superam os demais em riqueza não gostam que os pobres
tenham uma parte igual no governo.
Em várias oligarquias, não é permitido aos ricos exercerem artes
lucrativas; há leis que o proíbem. Mas em Cartago, que é governada
democraticamente, estas profissões lhes são permitidas, e isto ainda não
causou nenhuma mudança naquela República.
Também é falso que a oligarquia contenha dois Estados, o dos ricos e o
dos pobres. Por que isso ocorreria mais nessa espécie de República do que na
Lacedemônia ou alguma outra, onde nem todos são iguais nem quanto aos bens
nem quanto ao mérito? Suponhamos que ninguém se torne mais pobre do que
antes, mas que a massa dos pobres aumente, a oligarquia não deixará de se ter
transformado em democracia; assim como a democracia se transformará em
oligarquia se houver mais ricos do que pobres e uns forem mais negligentes e
outros mais hábeis na busca de seus interesses. 
Das diferentes causas de revolução, porém, Sócrates só trata de uma, a
saber, o empobrecimento pela prodigalidade ou pela usura, como se todos ou a
maioria tivessem sido ricos desde o começo, o que não é verdade. Vê-se que,
quando alguns dos principais dissiparam seus bens, pensam em novidades,
mas o mesmo não acontece com os demais. Eles não causam nenhuma
perturbação, e tampouco aspiram à democracia mais do que a qualquer outra
forma de governo. O que leva a sedições e a revoluções, mesmo entre aqueles
que não consumiram suas riquezas, é a exclusão dos cargos públicos, são os
outros tipos de injustiça, é a excessiva liberdade ou licença de fazer
impunemente tudo o que se quer. Assim, apesar da diversidade entre as
oligarquias e as democracias, Sócrates expõe as suas mudanças da mesma
maneira que se estas duas formas de governo pretendessem ambas à mesma
espécie.
As leis, que Platão escreveu depois, são aproximadamente do mesmo
gênero que A República. Portanto, basta que nos limitemos aqui a algumas
observações sobre a Constituição civil que delas resulta.
Sócrates, que Platão faz falar em sua República, não abordou senão
pouquíssimos pontos, como a comunidade das mulheres e dos filhos, a dos
bens e a distribuição dos poderes. Com efeito, ele divide a generalidade dos
habitantes em duas classes, a dos lavradores e a dos guerreiros, da qual ele
extrai uma terceira classe, que é a do Conselho, em que coloca a suprema
autoridade. Não diz se os lavradores e os artesãos são ou não admitidos em
alguma magistratura, nem se devem ter armas e tomar parte nos trabalhos de
guerra, ou deles serem afastados. Pretende, no entanto, que as mulheres sejam
guerreiras como seus maridos, e educadas nos mesmos exercícios que os
guardiães da nação: é na formação destes últimos que ele principalmente se
detém. O resto da discussão está cheio de inutilidades e de coisas acessórias.
Os livros das Leis, em sua maioria, só contêm disposições de detalhe e
quase nada sobre a forma de governo, a não ser quando, querendo oferecer
algo que possa convir a todos os Estados, pende imperceptivelmente para uma
outra espécie de República. Todavia, não há mudanças notáveis no que diz
respeito à comunidade de mulheres e de bens. O resto é quase o mesmo, a
mesma disciplina, a mesma incompatibilidade entre as funções honestas do
governo e do serviço público, por um lado, e os trabalhos necessários, mas
sórdidos, das artes mecânicas, por outro; as mesmas reuniões de comensais,
acrescentando, porém, banquetes para as mulheres, com a diferença de que,
numa de suas duas Repúblicas, há apenas mil guerreiros, ao passo que na outra
ele pretende ter cinco mil. 
Todas as palavras que neste livro atribui a Sócrates são cheias de
superfluidades pomposas e de novidades problemáticas, cuja apologia talvez
fosse difícil fazer.
Para não falar na multidão com que compõe sua República, seria preciso
nada menos do que os campos de Babilônia ou de algum lugar igualmente vasto
para alimentar na ociosidade cinco mil homens numa cidade, com bandos bem
mais numerosos de mulheres e de criados. Em matéria de suposição, sem
dúvida, é permitido dar livre curso à imaginação, mas pelo menos nos devemos
deter nos limites do possível.
Sócrates diz também que o legislador, ao fazer suas leis, deve dirigir sua
atenção para duas coisas: o lugar e os homens. Seria preciso acrescentar a
circunvizinhança, se pretende que a Cidade conserve sua condição política.
Entre outras coisas, ela deve servir-se de armas, que são convenientes não
apenas dentro dela, mas que podem ser-lhe úteis em outra região. Se nem
todos aprovam essa força armada no interior para a defesa privada ou para o
serviço público, pelo menos é preciso que haja uma força formidável nas
fronteiras, para opô-la aos inimigos quando invadirem ou quando se retirarem.
Quanto aos patrimônios, não seria possível determinar melhor e mais
claramente sua extensão? "Cada um" - diz ele - "deve ter o suficiente para viver
frugalmente." É como se dissesse "para viver bem", mas a fórmula é muito vaga,
pois é possível ser frugal e miserável. Seria melhor ter explicitado: "para viver
frugalmente e na abastança", expressões das quais uma se assemelha ao luxo,
outra à pobreza, e, por conseguinte, caracterizam melhor os hábitos relativos ao
uso dos bens, ao qual não cabe nem fraqueza nem rigor, mas sim temperança e
liberalidade.
Existe também inconseqüência, ao introduzir a partilha igual dos bens,
em nada determinar sobre o número dos cidadãos e em não colocar nenhum
limite na proliferação, como se as esterilidades e as mortes devessem
compensar exatamente os nascimentos. Isto parece efetivamente ocorrer no
presente estado de nossas cidades, mas não seria mais a mesma coisa no
futuro. A razão é que sendo divididas as propriedades proporcionalmente ao
número de herdeiros, não há mais pobres quanto ao presente; ao passo que,
não sendo mais possível para o futuro, os que nascessem em regime comunista
não teriam nada, fosse qual fosse o número desses extranumerários. 
Dever-se-ia, portanto, determinar a geração das crianças pela possibilidade de
sobrevivência, para que ninguém excedesse a quota prescrita, com a condição
de deduzir deste cálculo os acidentes de morte e de esterilidade; sem isso,
necessariamente ocorrerá, como vimos na maioria dos Estados, que os
cidadãos cairão na indigência. Ora, a indigência gera a sedição e a
improbidade.
Também Fídon de Corinto, um dos mais antigos legisladores, era
favorável a manter as famílias na igualdade e fazer com que o número de
cidadãos fosse sempre aproximadamente o mesmo, embora fossem diferentes
os lotes de terra no começo. Nas Leis de Platão, é exatamente o contrário, mas
falaremos em outro lugar dessa igualdade, e mostraremos o que de melhor se
pode prescrever a respeito.
O mesmo autor contenta-se com dizer que, assim como a cadeia difere
da trama pela lã, deve haver algum atributo que distinga os que mandam e os
que obedecem, mas não explicita quais são estas marcas distintivas.
De resto, já que permite o aumento da riqueza mobiliária até o quíntuplo,
por que não autoriza que se aumentem os bens fundiários na mesma proporção,
ou pelo menos até certa concorrência? A repartição feita por ele do terreno para
construção tampouco parece muito conveniente à comodidade, nem à
economia. Dá a cada qual dois lugares distintos; ora, um mesmo homem não
habita duas casas.
Sua forma de governo não é nem uma democracia, nem uma oligarquia,
mas um regime médio que ele chama
propriamente de "republicano", composto inteiramente de militares. Se
propôs esta forma por ser a mais geralmente consagrada em todas as
sociedades civis, talvez tenha razão; se foi como a melhor depois da primeira a
de A República -, ele está enganado. Sem contestação, preferir-se-á o Estado
dos lacedemônios ou algum outro mais aristocrático.
Alguns pensam que a melhor Constituição é a que se compõe de todas
as outras, e por esta razão louvam a da Lacedemônia, uma mistura de
oligarquia, de monarquia e de democracia, sendo o primeiro destes poderes
exercido pelo Senado, o segundo pelo rei e o terceiro pelos éforos, e situam a
democracia nas refeições públicas e na vida comum e cotidiana.
As leis de Platão consideram como a mais excelente Constituição um
governo misto de tirania e de democracia, formas que ninguém julga ser as de
um verdadeiro governo, ou então considera como a pior de todas. São mais
sensatos os que misturam todas as formas. De fato, a melhor é a que reúne
todas as demais.

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