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quinta-feira, 1 de novembro de 2012

A Política - Aristóteles [parte 26]

A sua não tem nada de monárquico; não é senão oligárquica e
democrática. Inclina-se principalmente para a primeira, o que se reconhece pela
maneira como são conferidas as magistraturas. É comum à oligarquia e à
democracia sortear os magistrados, mas é oligárquico que os ricos sejam
obrigados a assistir às Assembléias, a nomear os magistrados e a se ocupar
das outras funções públicas, sendo os demais dispensados. Também é
oligárquico querer que a maioria dos magistrados seja escolhida dentre os ricos
e que os melhores postos, na eleição dos membros do Senado, sejam
reservados à maior opulência. Na verdade, todos são convocados para as
eleições, mas são obrigados a escolher primeiro entre a primeira classe de
ricos, depois na segunda e depois na terceira; os da terceira e da quarta
classes, porém, não são forçados a dar seu voto, e só é permitido aos da
primeira e da segunda eleger entre os da quarta; é preciso apenas que cada
classe forneça o mesmo número de eleitos. Portanto, a maioria e os principais
sairão do grupo dos mais ricos, não se envolvendo o povo na eleição porque a
lei não 0 força a isso.

Também a seleção entre os candidatos tem os seus riscos; por pouco
que alguns queiram entender-se e conspirar, até mesmo em pequeno número,
sempre comandarão as eleições.
É evidente que este não é um governo meio monárquico, meio
democrático, e isso ficará ainda mais claro pelo exame que fizemos deste
assunto.
Assim é A República de Platão, com as modificações trazidas por As
leis.

Exame da Constituição de
Faléias de Calcedõnia
Houve outras Constituições imaginadas tanto por particulares quanto por
filósofos ou homens versados na direção dos negócios públicos. Estas
Constituições aproximam-se muito mais das que existiram no passado, ou que
ainda estão em vigor, do que as duas precedentes, pois ninguém havia pensado
em tornar as mulheres e as crianças comuns, nem em propor banquetes
públicos para as primeiras. Ocuparam-se com coisas mais necessárias.
Segundo alguns desses autores, o ponto capital é bem ordenar os
patrimônios. Pretendem que é daí que nascem todas as distensões civis. Este
foi também o primeiro objeto em que pensou Faléias de Calcedônia.
Faléias pretende a igualdade de riqueza entre todos os cidadãos, coisa
fácil de se conseguir, dizia ele, se se começar desde a fundação de um Estado,
mais difícil quando ele já estiver estabelecido, mas ainda assim praticável,
decretando que os ricos farão doações e não as receberão, enquanto que os
pobres as receberão e não as darão. 
Platão, como vimos, permitia em suas Leis aumentar a riqueza até certo
ponto, mas não queria que o aumento fosse além do quíntuplo dos menores
patrimônios.
Os que propõem leis sobre esta matéria não deveriam esquecer, como
ocorre hoje, que fixando o nível das riquezas, também convém determinar o
número de filhos, pois se o número de filhos exceder a quantidade de
patrimônio, a lei necessariamente revogará a si mesma; além da sua violação,
também ocorrerá o inconveniente de muitos ricos se tornarem pobres, o que
acarretará revoluções.
Essa importância do nível das riquezas para a tranqüilidade pública foi bem
percebida pelos antigos. Sólon fez dele um artigo de sua Constituição. Outros
proibiram a aquisição ilimitada de imóveis; é necessário restringir-se ao que
permitem as leis. Pela mesma razão, proíbem, como entre os locrianos, que se
vendam os bens, principalmente a herança dos pais, exceto em caso de uma
calamidade bem evidente. Por se terem descuidado sobre este ponto, os de
Lêucade caíram no excesso da democracia. Não foi mais pelo censo que se
teve acesso aos cargos públicos.
Pode acontecer que, sendo as fortunas iguais, sejam excessivas e
demasiado favoráveis ao luxo, ou que, minguadas demais, se aproximem da
miséria. Assim, não é bastante reduzi-Ias à igualdade: é preciso que alcancem
uma justa média. De nada serve que o legislador reduza as fortunas à igualdade
se não reduzir também as paixões, o que só é possível através da boa
educação, cujo plano deve ser traçado pelas leis.
Faléias talvez diga que tomou providências sobre isto, pois quer a igualdade
em duas coisas: nas propriedades e na instrução. Seria preciso, então, que ele
declarasse o que se deve ensinar à juventude. O que importa que a educação
seja uma e a mesma para todos, se inspirar ou fomentar o desejo de riquezas e
de honras, ou até mesmo dos dois ao mesmo tempo? Pois não é apenas a
desigualdade das fortunas, mas também a das honras, que está na origem das
revoluções, com a diferença, porém, de que a desigualdade dos bens choca
mais a massa e, pelo contrário, a identidade de tratamento é o que mais ofende
as pessoas de mérito, como quando o bravo e o covarde têm honras iguais.
Não é apenas para obter o necessário que lhes falta que os homens se
entregam a ações injustas, como o roubo, quando são levados pelo frio ou pela
fome (o que Faléias procura solucionar pela igual repartição dos bens); também
são incitados a isso pelo prazer e para a satisfação de suas paixões; pois se o
desejo ultrapassa a necessidade, passarão por cima dos princípios de justiça
para satisfazê-las, principalmente se o prazer que esperam não lhes parecer
unido a nenhuma amargura. Qual será, então, o remédio para esses três males? 
Ou suprir através do talento para ganhar a vida a modéstia de riqueza, ou
adaptar-se às privações e à frugalidade; ou então, caso se aspire ao prazer
puro, procurá-lo por si mesmo na filosofia, pois os outros prazeres só se obtêm
através dos outros. Ademais, não é para satisfazer a simples necessidades,
mas sim para aplacar paixões imoderadas que se chega aos grandes crimes;
por exemplo, não se chega à tirania para evitar o frio, mas para aplacar grandes
paixões. Assim, não é pela morte de um ladrão, mas pela dos usurpadores da
soberania que se conferem as grandes honras. A Constituição de Faléias,
portanto, só é boa contra as pequenas trapaças.
Ela contém muitas outras medidas que podem bastar para que os cidadãos
se governem entre si, mas também seria preciso pensar nos vizinhos, nos
estrangeiros que freqüentam o país e em tudo o que vem de fora. É sobretudo
essencial à Constituição do Estado possuir uma força militar que baste para a
defesa em caso de guerra, e sobre isto ele não fala.
Quanto à riqueza do Estado, não deve ser nem grande demais, a ponto de
despertar a cobiça dos vizinhos ou de alguma outra potência, nem medíocre a
ponto de não bastar para cobrir as despesas de uma guerra contra seus iguais
e semelhantes. Faléias tampouco diz algo sobre isto. Contudo, seria bom
calcular bem sobre este ponto. Talvez a melhor medida fosse arrumar as coisas
de tal sorte que a dificuldade e os gastos de ataque ultrapassem os lucros da
vitória, consideração de Êubolo que fez com que Autofradates, ao se preparar
para assediar Atárnea, desistisse da empresa: "Veja", disse-lhe ele, "que essa
praça não vale o tempo que nela se perderá."
A igualdade de riquezas entre cidadãos sem dúvida tem seus méritos
para prevenir as revoluções, mas não é tão grande como se poderia pensar.
As pessoas que se destacam por algum talento suportam-na com
impaciência, por não serem feitas para a igualdade. Por isso, muitas vezes
os vemos envolvidas em revoltas e semeando a confusão.
Por outro lado, a improbidade humana é insaciável. No começo, os
mendigos lhe dizem que só precisam de dois óbolos para viver; uma vez que os
tenham conseguido, querem mais; em seguida, não põem mais freios em seus
desejos, e passam a vida correndo atrás da fortuna. É bem menos importante
igualar as riquezas do que extirpar o desejo das pessoas honestas e, dos
malandros, o poder de acumular. É o que acontecerá se mantivermos estes
últimos na inferioridade e se não os provocarmos, ademais, por alguma
injustiça.
Faléias nem mesmo concebeu bem a sua igualdade. Não a estabelece
senão nas terras e outros imóveis. Mas as riquezas consistem também em
escravos, em rebanhos, em dinheiro e em tudo o que chamamos de mobiliário.
Seria bom estabelecer também quanto a isso a igualdade, ou prescrever-lhe
limites, ou então deixar tudo isso de lado.
Além disso, reduz todo o Estado a muito poucas cabeças por sua maneira
de classificar os homens. Põe os artesãos no grupo dos escravos públicos, sem
lhes dar nenhum lugar entre os cidadãos. Quanto aos que se empregam nos
trabalhos públicos, vá lá. Mas, mesmo assim, isso deve ser feito como se
estabeleceu em Epidamno, ou como Diofante determinou antigamente em
Atenas.
Com isso se pode julgar bem ou mal constituída.

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