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segunda-feira, 29 de outubro de 2012

A Política - Aristóteles [parte 23]

Cometem-se grandes erros tanto num quanto noutro regime. Nas
democracias, trata-se de um erro dos demagogos tornar a massa senhora das
leis. Em vez de manter o Estado dividido em dois partidos como fazem, jogando
os pobres contra os ricos, sempre deveriam fingir que falam por eles. Nas
oligarquias, os oligarcas cometem o mesmo erro, ao se preocuparem demais
com o interesse dos ricos. Seu juramento é concebido nestes termos: "Serei
inimigo do povo e lhe farei todo o mal que puder." Deveriam, pelo contrário, jurar
estar sempre com o povo e jamais prejudicá-lo.
O mais importante meio para a conservação dos Estados, mas também o
mais negligenciado, é fazer combinarem a educação dos cidadãos e a
Constituição. Com efeito, de que servem as melhores leis e os mais estimáveis
decretos se não se acostumar os súditos a viverem segundo a forma de seu
governo? Assim, se a Constituição for popular, é preciso que sejam educados
popularmente; se for oligárquica, oligarquicamente; pois se houver
desregramento em um só súdito, este desregramento estará então em todo o
Estado. Ora, educar os súditos em consonância com o Estado não é adular os
grandes ou o povo, nem empenhar-se em comprazê-los, mas acostumar os
cidadãos a manter sua oligarquia ou sua democracia.
Nossas atuais oligarquias educam os filhos dos magistrados no luxo e nos
prazeres, enquanto que os dos pobres se exercitam e se enrijecem no trabalho.
Ora, é precisamente isto que dá a estes últimos mais vontade e mais facilidade
para tentar e realizar novidades.
Em nossas democracias, sobretudo nas que passam por ser as mais
populares, a instrução não tem um valor maior; reina ali uma liberdade mal
compreendida. Duas coisas parecem caracterizar este regime: a autoridade da
maior parte do povo e a liberdade de cada um. Aqui, a justiça parece consistir
na igualdade. Portanto, tendo todos um direito igual, é justo considerar como lei
o que agradar à maioria. A liberdade e a igualdade dão a cada um o direito de
fazer o que quiser, e assim, nessas sociedades, diz Eurípides, cada um vive a
seu modo e como bem entende. Mas este é um sofisma miserável. Não se deve
considerar como uma servidão - pois não o é - dobrar-se diante da forma do
governo, pois disso depende a segurança do Estado.
Eis, em resumo, o que tinha a dizer sobre a conservação das Repúblicas.
Resta falar da monarquia e do que a mantém.

Máximas de Estado para
as Monarquias

As monarquias também se conservam pelos meios contrários às causas
de sua ruína, principalmente pela sua redução a uma forma mais moderada.
Quanto menos coisas submetidas à autoridade absoluta dos reis houver,
mais a autoridade deles será duradoura. Serão, então, menos imperiosos, mais
iguais a seus súditos quanto às maneiras e, conseqüentemente, menos odiosos.
Foi o que manteve por tanto tempo a monarquia na Molóssia e na Lacedemônia,
onde, desde o começo, a soberania foi dividida entre dois titulares e depois
moderada em muitos pontos pelo rei Teopompo, sobretudo pelo contrapeso da
magistratura dos éforos. A diminuição do poder dos reis acarretou um
crescimento da sua duração, e até, pode-se dizer, em certo sentido, seu
aumento; esta é, justamente, a resposta dada por Teopompo às reprimendas de
sua esposa: "Não tens vergonha", recriminava ela, "de deixar para teus filhos a
realeza menor do que a recebeste de teu pai?" - "Não", retorquiu ele, "porque eu
a deixo mais duradoura."
O Recurso ao Rigor
As tiranias conservam-se de duas maneiras opostas, quer pelo rigor, quer
pela moderação.
O método do rigor transmitiu-se de mão em mão e foi observado por vários
tiranos em seus Estados. Sua instituição é atribuída a Periandro de Corinto, e
também se encontra um exemplo dele no governo dos persas. Já indicamos
mais acima algumas de suas máximas.
Rebaixar os personagens mais eminentes enquanto possível e desfazer-se
dos mais hábeis; não permitir aos súditos nem banquetes, nem associações,
nem instrução, nem qualquer outra coisa semelhante; afastar sobretudo o que é
próprio para elevar a alma e inspirar confiança; proibir-lhes a escola, assim
como as reuniões de distração; tomar todas as medidas para impedir que os
habitantes não se conheçam entre si, já que as relações só servem para
torná-los mais confiantes; ter patrulhas que andem dia e noite pelas ruas e
escutem nas portas das casas, a fim de que não haja nada de secreto no que
fazem as pessoas. Aos poucos, eles se acostumarão à escravidão. O mesmo
ocorre com outras práticas persas e bárbaras, que cheiram à tirania e têm a
mesma eficácia. Deve-se manter espiões por toda parte, saber tudo o que se
faz e tudo o que se diz, destacar agentes e espiões, como fazia Hierão em
Siracusa, colocando-os em toda parte onde havia uma reunião ou um
conciliábulo. Não se é tão ousado quando se tem algo a temer de tais vigilantes
e, quando se é, fica-se sabendo. 
Semear a discórdia entre os amigos, entre a arraiamiúda e os nobres e
entre os ricos, uns contra os outros.
Empobrecer os cidadãos, a fim de que não possam formar uma guarda
armada e, absorvidos nos trabalhos de que precisam para viver, não tenham
tempo de conspirar. Como exemplo dessas manobras, temos as pirâmides do
Egito, os templos dedicados aos deuses pelos Cipsélidas, o de Zeus Olímpico
pelos filhos de Pisístrato, as fortificações de Samos por Polícrates, que são
todas coisas que tendem aos mesmos fins de ocupação e empobrecimento-
Aumentar o peso dos impostos, como em Siracusa no tempo de Dionísio, o
tirano, onde, em cinco anos, foram obrigados a dar em contribuições tudo o
que valia a terra.
Guerrear, outro artifício dos tiranos a fim de ocupar os súditos e mantê-los
ininterruptamente na dependência de um general. A realeza tem cortesãos
como apoio, mas é próprio do tirano desconfiar dos seus, que têm, como
todo mundo, vontade de matá-lo, mas, além disso, têm também o poder de
fazê-lo.
Fazer uso dos recursos da extrema democracia, como a atribuição do
governo doméstico às mulheres, para que elas revelem os segredos de
seus maridos, e com o afrouxamento da escravidão, para que também os
escravos denunciem seus senhores.
Os escravos e as mulheres nada tramam contra os tiranos e até, se tiverem
a felicidade de ser bem tratados por eles, afeiçoam-se necessariamente à
tirania, ou à democracia, pois o povo também pode ser um tirano. Os dois
regimes estimam os aduladores: o povo, seus demagogos, os tiranos, os que
rastejam diante deles. Um homem franco e leal ama, mas não adula; eles, pelo
contrário, provocam a adulação e favorecem os malvados. Precisam deles para
suas torpezas "Um prego expulsa outro", diz o provérbio. A gravidade e a
franqueza desagradam-lhes. Querem ter este privilégio sozinhos. Quem quer
que use delas parece disputar com eles sua preeminência e seu despotismo.
Tais pessoas são-lhes odiosas, como se atentassem contra a tirania. Admitem
em suas mesas os estrangeiros de preferência aos cidadãos, encarando estes
como inimigos e aqueles como indiferentes e, portanto, só concedem a eles o
acesso à sua pessoa.
Eis por que meios, todos eles gerados pela malignidade e pela improbidade
mais consumada, se mantém a tirania. Podemos, porém, reduzi-los a três, pois,
no fundo, são apenas três as coisas de que se vale o tirano:
A primeira, manter seus súditos no mais profundo aviltamento; um homem
sem coragem não conspira nem trama contra ninguém. 
A segunda, fazer com que desconfiem uns dos outros, pois a tirania não
pode ser derrubada se não houver pessoas que tenham confiança recíproca.
Assim, os tiranos declaram guerra a todo homem de bem que tiver coragem.
Esta categoria de pessoas é perniciosa a seu regime, por não quererem
deixar-se tratar servilmente, serem francos com todos, sobretudo entre eles, e
não denunciarem ninguém.
A terceira, não lhes deixar nenhum poder. Sem poder, ninguém tentará
arruinar a tirania, porque não se tenta o impossível.
Todos os desígnios dos tiranos tendem a algum destes fins, e todos os seus
atos estão relacionados com eles. Nada de confiança entre cidadãos, nada de
poder, nada de alma: eis o método de rigor.


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