Total de visualizações de página

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

A Política - Aristóteles [parte 23 b]

O Uso da Moderação
O outro método, inverso do primeiro, consiste, como dissemos, na
moderação. Concebe-se ela ao se considerar a maneira como se deprava a
monarquia. Assim como esta se arruína à medida que se torna mais tirânica, a
tirania firma-se ao se tornar mais régia, mantendo apenas a força necessária
para se fazer obedecer tanto pelos que querem bem ao tirano quanto pelos
outros, poder que não pode perder sem ele próprio se perder.
Isto posto, é preciso que o tirano faça, em parte, o que fazem os reis, e que,
quanto ao demais, salve as aparências simulando corretamente os sentimentos
e os modos de um bom príncipe.
Em primeiro lugar, que tenha o ar de se preocupar com o bem público;
que evite as despesas que ferem o povo, como a dilapidação das finanças;
que se abstenha de fazer, às custas dos pobres que têm tanta dificuldade
para economizar, grandes gastos, principalmente essas generosidades
escandalosas, como pensões para suas amantes e para os encarregados
de seus prazeres, para estrangeiros sem mérito, para artesãos de
corrupção e de imoralidade; que preste contas da percepção e do emprego
dos impostos, como alguns tiranos no passado. Por este meio, será tido por
econômico e fará com que se esqueça sua tirania. Sendo senhor do
Estado, não deve temer a falta de dinheiro. Mais vale para ele estar sem
dinheiro para suas campanhas do que deixar em casa tesouros empilhados;
com isto, ficarão menos tentados de abusar desse dinheiro os que, em sua
ausência, governarem o Estado, pessoas muito mais temíveis para ele do
que os meros cidadãos. Estes marcham com ele para o combate, enquanto
que aqueles ficam na retaguarda.

Quanto à percepção dos impostos, o tirano deve comportar-se como se só
os aumentasse para a manutenção do Estado e, se ela ocorrer, para as
despesas de guerra; numa palavra, mostrar-se tal que seja considerado mais o
guardião do que o senhor do tesouro público. 
Que o tirano tenha também uma abordagem fácil e um ar grave, de modo
que os que tiverem acesso a ele pareçam menos temê-lo do que respeitá-lo, o
que homens desprezíveis não conseguem facilmente. Se não se preocupar com
nenhuma outra virtude, que pelo menos seja cortês, tenha a política de passar
por virtuoso, e se abstenha não apenas ele mesmo de toda injúria contra seus
súditos, de qualquer sexo que for, mas também não tolere que nenhum de seus
domésticos ofenda ninguém, e cuide de que suas mulheres se comportem da
mesma maneira para com as outras mulheres. Pois há injúrias feitas por
mulheres de tiranos que arruínam a tirania.
Sobre a questão dos prazeres sensuais, que faça o contrário de seus
êmulos de hoje, que não se contentam em se entregar a eles da manhã à noite,
durante vários dias, mas ainda querem que todos saibam a vida que levam, para
serem admirados como seres felizes. Que use moderadamente deste tipo de
prazeres; que pelo menos tenha a aparência de não correr atrás deles, e até de
procurar furtar-se a eles. Não se surpreende com facilidade e não se despreza
um homem sóbrio, mas sim um homem bêbado, nem um homem vigilante, mas
sim um homem sonolento.
Numa palavra, deve agir de modo totalmente inverso do que dissemos mais
acima, conservar e adornar a cidade, como se fosse o seu curador, e não o
tirano.
Que demonstre principalmente muito zelo pela religião. Teme-se menos
injustiça da parte de um príncipe que se crê seja religioso e parece temer aos
deuses, e se está menos tentado a conspirar contra ele quando se presume que
tem a assistência e o favor do Céu. Mas é preciso que sua piedade não seja
afetada, nem supersticiosa.
Além disso, que honre as pessoas de bem e os que se sobressaem por
algum talento, a ponto de convencê-los de que não seriam melhor tratados por
seus concidadãos no Estado da mais ampla liberdade. Que deixe para si
mesmo a distribuição das honras e entregue a seus oficiais e aos juízes as
punições.
Outro cuidado para a conservação e a segurança de toda monarquia
consiste em não elevar ninguém, ou então elevar mais de um, pois assim eles se
vigiarão mutuamente. Se, por acaso, só se puder fazer avançar um só, que não
seja nem arrogante nem audacioso: estes caracteres são, em todas as coisas,
muito empreendedores. Se for preciso rebaixar alguém e tirar-lhe o crédito e a
autoridade que não seja de uma vez, mas pouco a pouco. 
É necessário sobretudo abster-se de qualquer injúria, principalmente de dois
tipos: uma, bater em quem quer que seja; outra, desonrar a juventude por
lubricidade. Este respeito é indispensável sobretudo para com as pessoas
ambiciosas e nobres. Os avaros suportam com impaciência a injúria que toca na
diminuição de seus bens, e as pessoas sábias e honestas, tudo o que atenta
contra a sua honra. A própria punição das faltas deve evitar o ultraje. Só se deve
fazer uso dele com uma espécie de jeito paternal.
Se acontecer que o príncipe se deixe levar por alguma fraqueza com
pessoas jovens, que seja por amor, e não por abuso de autoridade, e, se ferir a
honra, que indenize com maiores honras.
Entre aqueles que conspiram contra a vida do tirano, os mais temíveis,
contra os quais mais se deve cuidar, são os que sacrificam a própria vida
contanto que seja para matar, principalmente os que estão motivados pelo
ressentimento de alguma injúria, quer em sua própria pessoa, quer na dos seus.
Nada se poupa quando a cólera e o despeito se misturam. "É difícil", diz
Heráclito, "conter a cólera; põe-se nela a vida."
Como os Estados são compostos de duas partes, pobres e ricos, deve-se
fazê-los compreender que sua salvação depende da do Estado e do cuidado
que tomarem para não se prejudicarem uns aos outros no que quer que seja.
Mas que o príncipe traga para o seu lado os mais poderosos, para que, se
acontecer uma sedição, não seja forçado nem a libertar os escravos nem a
desarmar os cidadãos. Se um dos partidos unir-se a ele, suas forças lhe
bastarão para resistir ao partido que ousar atacá-lo.
Em suma, não há esforços que não devam ser feitos pelo tirano para que
seus súditos o encarem não como um egoísta ou um déspota que liga tudo ao
seu interesse, mas sim como um rei ou como um curador ou ecônomo
unicamente ocupado com o bem público. Que ele seja moderado em todas as
ações; não se permita nenhum excesso; seja cortês com os nobres e amável
com o povo; com isso, tornará mais florescente a sua autoridade, e mais
agradável e duradoura, não estando mais exposto ao ódio que o temor inspira, e
reinando não sobre gente aviltada, mas sobre sujeitos livres, gente de coragem
e de bem. Enfim, que regre de tal modo seus costumes e suas maneiras que, se
não for bom, o pareça pelo menos pela metade, e se for mau só o pareça pela
metade.
Estas são, aproximadamente, todas as causas de subversão e os diversos
meios de salvação para as diversas formas de governo.


Nenhum comentário: