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sábado, 27 de outubro de 2012

A Política - Aristóteles - [parte 21]

Portanto, a monarquia tem em comum com o poder aristocrático o fato de se
dar pelo mérito pessoal ou pelo dos avôs, pelos beneficios assinalados, pelo
poder ou por todos estes motivos juntos; pois todos os que haviam prestado
grandes serviços ou podiam prestá-los às Cidades e às nações alcançaram
esta honra, alguns, como Codro, impedindo através de suas façanhas guerreiras
que as Cidades caíssem na servidão, outros retirando-as dessa condição, como
Ciro. Houve ainda reis fundadores de um Estado ou conquistadores de um país,
como os reis da Lacedemônia, da Macedônia e dos Molossos.
A meta e o dever de um rei são zelar para que os proprietários não sejam
desapossados por agressores injustos e nem o povo seja ultrajado por pessoas
insolentes. O tirano, pelo contrário, como já ficou dito muitas vezes, não se
preocupa com o interesse público, a não ser quando este está ligado ao seu
próprio interesse. A volúpia e o dinheiro de todos, eis o que busca o tirano;
honra, eis o que é necessário aos reis. Sua guarda é composta de cidadãos; o
tirano convoca estrangeiros para a sua.
A tirania reúne os vícios da democracia aos da oligarquia. Ela tem em
comum com a segunda o fato de proporse a opulência como fim
não teria condições de manter a guarda e a magnificência), de desconfiar do
povo, de desarmá-lo, de oprimi-lo, de expulsá-lo das cidades e dispersá-lo
pelos campos ou colônias. Da democracia, ela toma a guerra aos nobres, sua
destruição aberta ou clandestina, seu banimento, considerando-os como rivais
ou como inimigos de seu governo. De fato, é de ordinário desta classe que
procedem as conspirações, querendo alguns deles dominarem eles próprios, e
outros temendo ser escravos. Assim, vimos Periandro aconselhar Trasibulo a
cortar as espigas mais altas, isto é, desfazer-se dos cidadãos mais eminentes.
Causas Comuns da Monarquia e à Tirania
Mais uma vez, portanto, são os mesmos princípios que produzem as
revoluções nas monarquias e nas Repúblicas; isto é, a injustiça, o perigo ou o
desprezo da parte dos reis incitam seus súditos a conspirarem contra eles; a
injustiça que acontece principalmente por ultraje à pessoa do súdito, ou à sua
honra e, às vezes, pela espoliação de seus bens.
As conspirações tendem aos mesmos fins nos dois regimes, pois tendo os
monarcas abundantes riquezas e honras, todos querem tê-las da mesma forma
que eles. Mas as conspirações fazem-se ou contra a pessoa dos príncipes, ou
contra o Estado. 
Aquelas que têm por causa a injúria pessoal são de diversos tipos, cada
qual provocando um gênero de ressentimento. Os ofendidos conspiram, na
maioria dos casos, para se vingarem, e não em seu próprio proveito. Assim foi a
conjuração contra os filhos de Pisístrato; ela teve por causa a injúria feita à irmã
de Harmódio e a ofensa que ele próprio sentira na ocasião. Harmódio armou-se
para vingar a irmã., Aristogíton para vingar Harmódio. Periandro, tirano de
Ambrácia, permitiu que conjurassem contra ele por ter perguntado num banquete
a uma de suas amantes se estava grávida de um filho seu. Pausânias matou o
rei Filipe porque este desdenhava vingá-lo do ultraje que Átalo lhe fizera. Derdas
conspirou contra Amintas, que se vangloriava de ter colhido a :flor de sua
juventude. Evágoras de Chipre foi morto por Eunucus, cuja esposa fora raptada
pelo filho daquele príncipe.
Várias insurreições não tiveram outra causa além dos atentados dos reis ao
pudor de outrem, principalmente a de Crateus contra Arquelau, que o torturara
para servirse dele. A injúria já era mais do que suficiente, mas Crateus já estava,
além disso, agastado pela recusa que lhe fizera Arquelau de suas duas filhas,
uma depois da outra, embora lhe tivesse prometido uma delas em casamento.
Premido pela guerra que tinha que sustentar contra Sirra e Arrabeu, Arquelau
casou a mais velha com o rei de Eliméia e a mais moça com o filho de Amintas,
pensando que Crateus, filho de Cleópatra, não ousaria hostilizá-lo. Todavia, o
verdadeiro começo de sua ruptura originouse da ofensa e do ressentimento de
Crateus por ter sido solicitado a tolerar ações desonrosas. Helanocrata de
Larissa participou da mesma conspiração, pela mesma razão. O príncipe,
depois de ter abusado de sua juventude, prometera mandá-lo de volta à sua
pátria; o jovem achou que só o mantinha junto a si para se divertir, e não por
amá-lo. Parro e Heráclides de Eno mataram Cótis para vingar a ofensa feita a
seu pai. Adamasto igualmente o traiu por tê-lo castrado quando ainda era
criança.
Muitos outros, indignados por terem sido maltratados e feridos, mataram ou
tentaram matar nobres e reis. Foi assim que, em Mitilene, Megacles, em
emboscada com seus amigos, matou os pentálidas que, enquanto passeavam,
se divertiam batendo nos passantes com varas de ferro. Depois, Esmérdis fez
outro tanto com Pentilo, que ordenara que fosse surrado por uma mulher a cujas
indiscrições ele sempre cedera. Decânico urdiu e conduziu a conspiração contra
Arquelau e foi o instigador de todos os outros assassinos. O motivo de sua
cólera tinha origem no fato de que, tendo se referido ao hálito infecto de
Eurípides, Arquelau o entregara àquele poeta vingativo, que o mandou açoitar
cruelmente. Muitos outros ainda, por causas semelhantes, foram assassinados
ou tiveram suas vidas ameaçadas. 
Os perigos e o medo às vezes também incitam a arruinar as monarquias,
assim como os outros Estados. Xerxes, bêbado de vinho, encarregara Artábano
de crucificar Dario. Artábano, crendo que o príncipe se esqueceria dessa ordem
por ter sido dada no auge da embriaguez, não a executou. Quando Xerxes deu
mostras de sua cólera por isso, Artábano o matou para evitar sua própria perda.
Outras conspirações procedem do desprezo, como a que foi feita contra
Sardanapalo, visto, dizem os antigos mitólogos, fiando no meio de um grupo de
mulheres. Se, quanto a esse príncipe, o fato é duvidoso, pode ser verdadeiro
quanto a algum outro. Díon insurgiu-se pela mesma causa contra Dionísio, o
jovem, que estava sempre bêbado e era desprezado igualmente por todos os
súditos.
O desprezo torna infiéis até mesmo os protegidos. A confiança com que são
honrados persuade-os de que poderão de repente tentar um golpe seguro. O
pouco caso que têm pelo monarca também torna audaciosos os que ganharam
poder e acreditam poder tornar-se senhores do Estado. O fato de sua situação
colocá-los longe de todo perigo leva-os com maior facilidade a fazer a tentativa,
sobretudo os que têm o comando dos exércitos; foi o que fez Ciro contra
Astiago, cujos costumes eram desprezíveis e a incapacidade evidente, já que
vivia na moleza e seu exército estava irritado com a ociosidade. Seutes da
Trácia agiu da mesma forma contra Amãdoco, cujas tropas comandava.
Às vezes a conjuração tem vários motivos. Ao desprezo junta-se a cobiça,
como no caso de Mitrídates contra Aribarzane. Ninguém é mais empreendedor
do que os audaciosos que têm valentia e foram educados por seus mestres na
carreira militar. A magnanimidade somada ao poder transforma-se em ousadia.
Estas duas qualidades os levam à conjuração, por estarem certos do êxito.
Os que conspiram para conseguir um nome são de uma espécie
completamente diferente. Não atacam os tiranos pelas honras e pelas riquezas,
mas sim para conquistar a glória e fazer com que falem deles. O desejo de um
grande nome e da memória da posteridade faz com que arrisquem grandes
façanhas, mas pessoas deste tipo são raras. É preciso estar, como Díon, o
bravo, disposto ao sacrifício da própria vida e a perder tudo, se falhar o golpe. A
natureza não engendra facilmente almas tão heróicas. Ele atacou Dionísio com
um punhado de homens, declarando que lhe bastava, chegado ao ponto que
fosse, ter vencido as dificuldades da aventura. Mesmo se morresse depois do
primeiro passo na corrida, ele ambicionava a glória de uma morte tão bela. 
A tirania também se arruína, como qualquer outro Estado, pelo exterior,
quando tem na vizinhança algum outro Estado mais poderoso, num sistema
contrário. O contraste das instituições faz nascer a vontade de agredir e, quando
toda uma nação almeja alguma coisa, executa-a assim que pode. Os Estados
opostos, por exemplo uma democracia vizinha a uma tirania, são tão inimigos
quanto os oleiros o são dos oleiros, no dizer de Hesíodo, pois a última espécie
de democracia é ela própria uma tirania. O mesmo ocorre com a monarquia e a
aristocracia. Por isso os lacedemônios e os siracusanos, enquanto foram bem
governados, destruíram várias tiranias.
Algumas vezes a tirania morre por si mesma, quando ocorre uma divisão
entre os pretendentes, como outrora a de Gelão e em nossos dias a de Dionísio.
A de Gelam foi destruída por Trasíbulo, irmão de Hierão. Bajulando o filho de
Gelão à maneira dos demagogos, levava-o à dissolução para reinar. A família e
os cortesãos do jovem príncipe tentaram, por certo, reunir forças para salvar a
tirania e se desfazer de Trasíbúlo, mas os conjurados, tendo encontrado uma
ocasião favorável, expulsaram-nos todos. Quanto a Díon, que, à frente de um
exército e com a ajuda do povo, expulsara o jovem Dionísio, seu cunhado,
também foi morto, por sua vez.
Como o ódio e o desprezo são as duas causas principais pelas quais se
conspira contra a tirania, é necessariamente à pessoa dos tiranos que se liga o
ódio; no entanto, sua ruína na maioria dos casos procede do desprezo. Prova
disso é que quase todos os usurpadores conservaram a soberania durante a
vida, apesar do ódio público, mas quase todos os seus sucessores
perderam-na incontinente. A vida dissoluta que levam faz com que caiam no
desprezo e dá mil ocasiões de os exterminar.
A cólera está ligada ao ódio e produz quase os mesmos efeitos, mas é
ainda mais enérgica. Os que são animados por ela insurgem-se com mais
violência, não podendo, na perturbação da paixão, ouvir os conselhos da razão.
As pessoas deixam-se levar pela impetuosidade da cólera principalmente por
injúria. Esta reação tornou-se funesta para a tirania dos filhos de Pisistrato e de
vários outros, mas o ódio atinge com maior segurança os seus alvos. Ao passo
que a cólera é acompanhada de uma dor que não permite raciocinar, a
animosidade isenta desse ardor calcula e age silenciosamente.
Enfim, tudo o que dissemos das causas que destroem a oligarquia
imoderada e a extrema democracia pode convir à tirania, pois elas próprias são
espécies de tirania.

Superioridade da Monarquia
A monarquia tem menos a temer das causas exteriores e por isso mesmo
dura mais tempo. Mas, de ordinário, ela destrói a si mesma de duas maneiras,
quer pela divisão dos que dela participam, quer por sua tendência à tirania,
querendo os reis aumentar sem parar o seu poder, a despeito das leis. Assim,
vemos hoje muito poucos Estados governados por reis. Se existem ainda
alguns, são de preferência monarquias absolutas e tiranias. A realeza é uma
dignidade estabelecida voluntariamente, cujo poder se estende às maiores
coisas. Ora, como a maioria dos homens se assemelha e raramente se encontra
alguém tão perfeito para corresponder à grandeza e à dignidade do cargo, as
pessoas não se submetem de bom grado a semelhantes instituições. Se alguém
quiser reinar por astúcia ou por violência, não haverá monarquia, mas sim
tirania.
Quanto às monarquias hereditárias, elas têm uma causa especial de
enfraquecimento. Muitos príncipes sem mérito se sucedem e, não tendo seu
poder sido adquirido por seus ancestrais através da tirania, mas sim pela honra,
esquecem-se disso e revoltam seus súditos com sua insolência. Dissolve-se,
então, com facilidade o pacto que os une. Não é mais rei aquele a quem seus
súditos se recusam a obedecer; daí em diante não passa de um tirano que
governa homens livres contra a vontade.


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