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sexta-feira, 26 de outubro de 2012

A Política - Aristóteles [parte 20]

Das Revoluções Próprias às Repúblicas
Causas das Revoluções na Democracia

A principal causa das mudanças é, nos estados democráticos, o atrevimento
dos demagogos. Caluniam os ricos uns após os outros e os obrigam a fazer
coalizões, pois o temor diante do perigo comum tem o efeito de reconciliar os
maiores inimigos. Em seguida, amotinam publicamente o povo contra a
coalizão, como se vê quase em toda parte.
Foi com tais maldades que forçaram em Cós os nobres a conspirar e
destruir a democracia. Em Rodes, distribuíram aos soldados todo o dinheiro
proveniente dos impostos e impediram que os capitães das galeras
recebessem o que lhes era devido, acusando-os de vários delitos. Para evitar,
então, a punição, os acusados foram obrigados a conspirar contra a democracia
e a derrubaram. A democracia de Heracléia também deveu a ruína a seus
demagogos. Depois de terem enfraquecido o Estado com a partida das
colônias, tiveram a temeridade de arruinar e expulsar os nobres. Estes, tendo-se
reunido, recuperaram forças e destruíram o poder do povo. Em Megara, o
mesmo resultado: os demagogos baniram a maioria dos nobres, a fim de obter
dinheiro pelo confisco de seus bens; os banidos viram-se em número bastante
elevado para fazer-lhes guerra; venceram o povo, voltaram à cidade e
estabeleceram a oligarquia. De modo semelhante, Trasímaco arruinou a
democracia de Cumas.
Se prestarmos atenção, constataremos que as mesmas revoluções
aconteceram em todas as outras partes da mesma maneira. Para bajular o
povo, ora se apertam os ricos, quer submetendo os bens de uns a leis agrárias
e a novas partilhas, quer empregando as rendas dos outros no pagamento dos
magistrados, ou cumulando-os de impostos; ora os caluniam para ter ocasião
de acusá-los e confiscá-los.
Antigamente, quando o mesmo personagem era demagogo e general de
exército, as democracias não deixavam de se transformar em Estados
despóticos. Com toda certeza, os antigos tiranos originaram-se dos
demagogos.
Isso já não acontece com tanta freqüência quanto antigamente, pois
então, não estando ainda exercitados comumente na arte de bem falar, as
armas eram o único meio de se obter poder. Hoje que a eloqüência foi levada
ao mais alto grau de perfeição e goza da maior estima, são os oradores que
governam o povo. Mas como não têm nenhum conhecimento da arte, não ousam
tentar nada contra o Estado, ou, se o fizeram em algum lugar, as tentativas foram
rapidamente reprimidas. Assim, as usurpações da suprema autoridade eram
mais freqüentes no passado do que no presente, porque se davam a alguns
cidadãos magistraturas de alta importância, como em Mileto a Pritania, e se
submetiam à decisão deles os maiores interesses. Aliás, as cidades estavam
longe de ser tão grandes, já que o povo preferia morar no campo, ocupando-se
com seus trabalhos rústicos. Portanto, se esses magistrados eram guerreiros,
apossavam-se do governo. Seu principal recurso era a confiança que obtinham
do povo, pelo ódio que demonstravam contra os ricos. Foi assim que Pisístrato
obteve a tirania de Atenas; querelando contra os habitantes da planície;
Teagênio, a de Megara, mandando matar o gado dos proprietários, quando o
encontrou passando à margem do rio; e Dionísio, a de Siracusa, acusando de
traição Dafne e os grandes, artifícios que eram tidos como ímpetos de
patriotismo e davam popularidade. 

Causas das Revoluções na Oligarquia
Quanto às oligarquias, há duas causas manifestas de revolução:
A primeira, da parte do povo, quando os homens do governo se mostram
injustos para com a multidão; então, o primeiro que aparece basta para
insurgi-Ia, sobretudo quando é um membro do Senado que se oferece como
chefe, como Ligdamis de Naxos, que depois usurpou a soberania.
A segunda, da parte dos ricos, em conseqüência da existência de vários
grupos entre eles; a sedição parte dos que são apenas particulares, sendo
freqüentemente muito poucos os outros ricos que governam. Foi o que
aconteceu em Marselha, na Istria, em Heracléia e em outras Cidades, onde os
que não participavam do governo não pararam de conspirar até que tivessem
mudado as máximas e os costumes. Uma das regras quase gerais era que o
pai e os filhos, ou o filho mais velho e o mais moço, não podiam ser magistrados
ao mesmo tempo. Pelo menos, este costume era observado em muitos lugares,
mesmo naqueles em que a oligarquia era a mais organizada politicamente. Nas
cidades que acabamos de citar, foi preciso admitir em primeiro lugar os irmãos
mais velhos e depois os mais jovens. Disto resultou que na Istria a oligarquia
passou a ser uma democracia; que em Heracléia, de um número menor de
magistrados, se passou a ter seiscentos; que em Cnido, ela se transformou
devido à dissensão entre os nobres, em razão do pequeno número de pessoas
admissíveis no governo graças à exclusão mencionada do filho pelo pai e dos
mais moços pelo mais velho. O povo, aproveitando-se de sua discórdia e
tomando um dentre eles como chefe, atacou os outros e os derrotou. Com efeito,
toda sociedade não deixa nunca de se enfraquecer quando é dilacerada pelas
facções. Mais antigamente, em Eritréia, durante a oligarquia dos Basilidas, que,
no entanto, governavam bem, o povo, indignado por estar sob o jugo de um
punhado de pessoas, mudou essa forma de governo.
As oligarquias também se destroem por si mesmas, quando são roídas pela
demagogia de seu próprio chefe. Uma primeira maneira de as coisas
acontecerem é a adulação de seus colegas por algum membro de um Senado
oligárquico e, portanto, pouco numeroso (assim agiram Cáricles em Atenas, no
tempo dos Trinta tiranos, e Fínicos na época dos Quatrocentos). Outro modo de
agir é garantir ao povo a complacência dos magistrados, como em Larissa,
onde os guardiães do Estado bajulavam até a populaça, porque ela dominava
as eleições. É o que sempre ocorre em toda oligarquia em que as designações
não se fazem por cooptação, mas sim pelo povo ou pelo exército, em razão da
importância da renda ou da classe de que se é membro. A este respeito, temos
o exemplo de Ábido. O mesmo ocorre nos Estados em que o poder judiciário
não é conferido pelos magistrados ligados ao governo; então, os bajuladores do
povo, para obter cargos nos tribunais, incitam-no a se apoderar de todos os
poderes, como aconteceu em Heracléia do Ponto. 
Também é arriscar-se a uma revolução a tentativa de reduzir a oligarquia a
um número menor, pois por serem de igual força, os inovadores são sempre
obrigados a chamar o povo em seu auxílio.
Outra oportunidade de revolução para as oligarquias é a dissipação de seus
bens em farras feitas pelos funcionários do governo. Seu recurso, então, está
nas inovações. Inovam tanto que eles próprios se tornam senhores do Estado ou
escolhem alguém para apoderar-se dele, como Hipariano fez com Dionísio em
Siracusa, ou como um certo Cleotimos, após ter introduzido os colonos de
Cálcis em Anfípolis, semeou a discórdia entre os novos habitantes e os ricos.
Foi por este mesmo meio que em Egina o Estado esteve a ponto de mudar em
virtude de um títere de Cares. Esses intrigantes têm sempre alguma novidade a
propor. Às vezes pilham o tesouro público e entram em disputa por causa disso,
quer com seus próprios cúmplices, quer com os que se opõem aos roubos,
como ocorreu em Apolônia do Ponto.
Mas quando a oligarquia está de acordo consigo mesma, não é fácil
destruí-Ia. Temos um exemplo disto no Estado de Farsala, onde poucos homens
mantêm grande número deles na obediência, porque estão em harmonia e se
conduzem bem entre si.
O Estado oligárquico periclita também quando, no seio da primeira minoria,
nasce uma outra espécie de oligarquia ainda mais estreita, o que acontece
quando, apesar do pequeno número de magistrados, os principais cargos e
dignidades não são, porém, comuns a todos. Observamo-lo em Élida, onde o
Estado era governado por só noventa senadores; seu número foi ainda mais
reduzido; além de serem vitalícios, sua eleição assemelhava-se ao despotismo,
assim como à dos senadores da Lacedemônia.
Estas mudanças se fazem tanto em tempo de guerra quanto em tempo de
paz. Em tempo de guerra, os magistrados, desconfiando do povo, são
obrigados a chamar tropas estrangeiras e não raro aquele a quem confiam o
comando se torna seu tirano, como Timófanes em Corinto. Se tal comando é
confiado a vários, estes se coalizam numa dinastia, ou então, temerosos de
serem pegos no mesmo truque, fazem com que o povo participe do governo,
para reconciliarem-se com ele. Em tempo de paz, os oligarcas, desconfiados
uns dos outros, entregam a guarda do Estado a seus soldados, sob o comando
de algum general neutro, o qual às vezes acaba por se tornar senhor dos dois
partidos, como aconteceu em Larissa sob o comando dos Alevadas de Samos
e em Ãbido, no tempo das facções, das quais uma era a de Ifíade. 
As sedições também nascem das vexações e dos insultos que os homens
do governo fazem uns aos outros. Além dos exemplos já citados, temos, a
respeito do casamento, o de Diágoras, que, em semelhante oportunidade,
derrubou a oligarquia dos cavalheiros em Erétria; acerca de processo ou
condenação, a sedição de Heracléia; em razão de adultério, a de Tebas, crime
justamente punido, ignominiosa e escandalosamente, tanto em Heracléia, na
pessoa de Eurition, quanto em Tebas, na de Árquias, onde seus inimigos
levaram a animosidade ao ponto de prendê-los a vigas em praça pública, com
coleiras de ferro.
Várias oligarquias, como as de Cnido e de Quios, também foram
destruídas por serem despóticas demais, e isso por senadores irritados
com a insolência dos outros.
Enfim, o curso ainda que fortuito dos acontecimentos traz mudanças tanto
para as Repúblicas quanto para as oligarquias que regulam pela renda a
eleição de seus senadores, de seus juízes e dos outros funcionários. O índice
de renda restringe bastante bem por algum tempo o acesso às magistraturas a
poucas pessoas nas oligarquias e às pessoas de riqueza média nas
Repúblicas. Se, porém, pela felicidade da paz ou por alguma outra
prosperidade inesperada, os mesmos bens aumentam de valor, então todos os
cidadãos se tornam admissíveis em todos os cargos. Esta mudança às vezes
acontece aos poucos, imperceptivelmente, e outras vezes de repente.
Mas a transformação das democracias e das oligarquias nem sempre
resulta num governo contrário. Às vezes, o regime permanece sendo do mesmo
gênero. Passa-se, no entanto, do domínio das leis ao do arbítrio, ou
reciprocamente.
Como todas as Constituições aristocráticas têm algo de oligárquico,
nelas os nobres têm mais facilidade para se apropriarem do território. Na
Lacedemónia, por exemplo, os bens são possuídos por um número bastante
restrito de nobres. Ali têm eles mais facilidade de fazerem o que querem e
de assumirem a aliança que lhes agradar. O casamento ali realizado por
Dionísio arruinou o Estado dos locrianos. Isto não teria acontecido numa
democracia ou numa aristocracia bem constituída.
A mudança é imperceptível nas aristocracias, quando se corrompem aos
poucos. É o que também acontece em toda República, como vimos na
enumeração das causas gerais de mudança, dentre as quais não nos
esquecemos de mencionar a negligência pelas pequenas coisas. Quando se
deixa passar algum ligeiro erro, passase lenta e facilmente a um maior, até que
se tenha destruído toda ordem e revirado o Estado completamente. A República
de Túrio, mais uma vez, passou bastante por isso. Sua lei proibia prorrogar por
mais de cinco anos o comando do exército. Alguns jovens que seguiam a
carreira militar, com boa reputação entre os soldados e cheios de desprezo pela
magistratura, decidiram primeiro revogar essa regra e perpetuar seu comando,
quase certos de que o povo de bom grado os reelegeria. Os senadores,
consultados a este respeito, de início se opuseram, mas depois consentiram,
imaginando que, mudada a lei, não se tocaria no resto da Constituição. Mas
quando quiseram resistir às outras transformações que se continuavam a fazer,
foi em vão. Os inovadores conseguiram tornar despótica toda a forma do
governo.
Em suma, todas as Repúblicas se destroem ou por si mesmas ou pelas
potências de fora, quer vizinhas, quer distantes, que dispõem de força, como
aconteceu através dos atenienses e dos lacedemônios, suprimindo os primeiros
por toda parte as oligarquias, e os segundos, as democracias.


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