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sexta-feira, 26 de outubro de 2012

A Política - Aristóteles - [parte 19 b]

Os Pretextos e Ocasiões
As sedições não nascem de pequenas causas, mas às vezes têm pequenos
começos.
Ordinariamente, elas repousam sobre grandes interesses, e os menores
ganham força quando elas se elevam entre os principais do país. Foi assim que,
antigamente, em Siracusa, o Estado foi perturbado por dois jovens magistrados
rivais em amor. Durante a ausência de um, o outro conquistou sua amada. O
despeito, quando ele voltou, sugeriu-lhe atrair e seduzir a mulher de seu rival.
Tendo cada um deles conseguido o apoio de outros magistrados, a discórdia
espalhou-se por toda a cidade.
Portanto, nunca é cedo demais para abafar as brigas dos altos
funcionários e dos grandes. O mal está na origem. Em tudo, o que começou
já está feito pela metade. O menor erro cometido no início repercute em tudo
que se segue.
As brigas entre os poderosos de ordinário arrastam consigo todo o
Estado. Foi o que aconteceu em Hestiéia, após a guerra dos persas, quando
dois irmãos disputavam uma herança. O menos rico dos dois, irritado por seu
irmão desviar uma parte do despojo, especialmente o tesouro encontrado por
seu pai, atraiu para seu partido toda a arraia-miúda; o outro, que era opulento,
conseguiu o apoio de todos os ricos. Em Delfos, uma disputa a respeito de um
casamento foi também o princípio de todas as sedições que depois
aconteceram. O noivo, por lhe terem predito que a união lhe traria desgraça,
hesitou em tomar sua noiva e a deixou sem nada concluir. Os pais da moça,
considerando-se insultados, acusaram falsamente o jovem de ter roubado
durante a celebração de um sacrifício o dinheiro do tesouro sagrado e o fizeram
morrer como sacrílego. Em Mitilene, uma briga que surgiu por causa de uma
vultosíssima herança que coube a duas jovens, à morte de Timófanes, seu pai,
foi o começo dos desastres e da guerra contra os atenienses. Doxandre, que
havia pedido as duas moças em casamento para seus dois filhos, vendo-os
recusados, conspirou e insuflou contra sua pátria os atenienses, junto aos quais
tinha direito de hospitalidade pública. Mitilene foi tomada pelo general Paques.
Problema semelhante ocorreu entre os fócios, envolvendo Mnaseas, pai de
Mneson, e Eutícrates, pai de Onomarco, por uma jovem e rica herdeira. Foi o
começo da "guerra sagrada". Em Epidamno, um casamento também revirou o
Estado. O pai da noiva, tendo sido condenado a uma multa pelo pai do noivo,
que se tornara magistrado, não pôde conter seu ressentimento por este
pretenso insulto e fez com que se revoltassem todos os que estavam excluídos
dos cargos. 
Surge uma grande ocasião para mudar, quer para oligarquia, quer para
democracia ou para República, a Constituição dos Estados quando algum grupo
de magistrados ou alguma classe numerosa de cidadãos adquire para si novos
graus de prestígio, ou consegue aumentar seu poder. Assim agiu o areópago
que, tendo-se glorificado na guerra dos persas, tentou reduzir o governo a uma
forma mais concentrada. Por seu lado, a plebe naval, que contribuíra mais do
que todos para a vitória da batalha de Salamina, orgulhosa de ter proporcionado
à Ática, por sua marinha, a preeminência sobre todos os Estados da Grécia,
não deixou de fortalecer a democracia. Em Argos, tendo os membros se
distinguido na primeira batalha de Mantinéia, contra os lacedemônios, tentaram
arruinar a democracia. Em Siracusa, o povo a quem se devia a vitória alcançada
sobre os atenienses substituiu a forma republicana pela democracia. Em Cálcis,
quando o povo expulsou o tirano Foxus junto com a nobreza, tornou-se
instantaneamente senhor do governo. Da mesma forma, em Ambrácia, depois
de ter expulsado o tirano Periandro e seus partidários, o povo apossou-se do
governo.
Numa palavra - e isto é bom que se saiba -, todos os que, quer na
condição privada, quer na magistratura, quer em família, quer em tribo ou
qualquer outra associação que possa haver, proporcionaram ao Estado algum
acréscimo de potência, sempre ocasionaram certa perturbação, quer começada
por invejosos, quer por terem eles próprios, envaidecidos com o sucesso,
desdenhado permanecer nos limites da igualdade.
Os Estados também sofrem comoções quando aquelas de suas partes
que parecem contrárias, como os ricos e a arraia-miúda, se contrabalançam e a
classe média é ou nula ou muito pouco numerosa. Pois se uma das duas
facções se torna muito superior, a porção média não quer arriscar-se contra
quem tem uma superioridade evidente. Aqueles, aliás, que excelem em mérito
são sempre menos numerosos do que os outros e por isso raramente insuflam
sedições e pouco participam delas.
Estas diversas mudanças acontecem ou por força ou por astúcia: por força,
ao constranger, de repente ou após certo prazo, o povo a se submeter; por
astúcia, quer conquistando-o com belas palavras e conservando-o com lisonjas
no estado a que o conduziram, quer induzindo-o primeiro a uma mudança
voluntária, para depois nela mantê-lo forçosamente e a contragosto, depois que
reconhece o erro. Foi assim que em Atenas os Quatrocentos lograram o povo
com a falsa esperança de que o rei da Pérsia ajudaria com seu dinheiro os
atenienses a fazerem guerra contra os lacedemônios, e assim se apossaram do
governo.
Estas são as mudanças comuns a todos os Estados. Daqui para a frente
consideraremos separadamente as revoluções particulares a cada forma de
governo.

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