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sexta-feira, 26 de outubro de 2012

A Política - Aristóteles [parte 19]

Em todos os lugares, é a desigualdade que ocasiona as sedições, quer
porque não se respeite nenhuma proporção entre desiguais, quer porque se
estabeleçam muitas diferenças entre iguais; pois a própria monarquia é uma
desigualdade chocante quando se estabelece entre iguais e para sempre. Para
aqueles que buscam a igualdade por toda parte, ela é uma fonte eterna de
subversões.
Há dois tipos de igualdade, uma em número, outra ; em mérito: em número,
quando se encontra dos dois lados uma mesma multidão ou grandeza; em
mérito, quando há proporção, quer aritmética, como entre três, dois e um, quer
geométrica, como entre quatro, dois e um. Numa, existe a mesma diferença,
noutra, a mesma proporção, pois dois é metade de quatro, assim como um é
metade de dois.
Concorda-se sobre a justiça simples ou igualdade numérica. Só há
contestação, como já ficou dito, sobre a justiça proporcional, que se deve ao
mérito. Uns, por serem iguais sob certos aspectos, imaginam ser inteiramente
iguais; outros, por serem desiguais em algo, se consideram superiores em tudo
e dignos de todas as preferências. Foi destas duas pretensões opostas que
nasceram principalmente a democracia e a oligarquia. A nobreza e o mérito
encontram-se em poucas pessoas; a maioria não as tem. Não se encontrarão
em parte alguma cem homens nobres e cem pessoas de mérito, mas em toda
parte os pobres pululam.
É impolítico fundar meramente a Constituição de um Estado sobre uma ou
outra igualdade. A experiência o prova; nenhum Estado organizado assim é
duradouro. É fatal que partindo de um erro capital e de um princípio vicioso se
chegue a más conseqüências; portanto, só se deve empregar a igualdade
aritmética em algumas partes, e nas demais servir-se da igualdade geométrica.
No entanto, a democracia é mais segura e menos sujeita a sedições do que
a oligarquia. Esta as vê nascerem dos dois lados, umas da parte dos
governantes entre si, outras da parte do povo; a democracia só sofre sedições
da parte das minorias oligarquias, e não do próprio povo; e, para falar
exatamente, neste caso não se trata nem mesmo de sedições.
O governo republicano, tirado da classe média, aproxima-se mais da
democracia do que da oligarquia. Assim, é o mais seguro e o mais estável de
todos os governos.

As Outras Causas
Como nos propusemos examinar de onde nascem as sedições e as
revoluções, devemos começar vendo quais são em geral seus princípios e
causas. São três, cujas características inicialmente esboçaremos.
Consideraremos um após outro a disposição dos espíritos à sedição, os
motivos que os levam a ela e o começo das querelas e das perturbações civis.
Em geral, a causa desta disposição à mudança é que uns, como já
dissemos, enfatuados pela igualdade, se revoltam por se acreditarem menos
bem tratados do que os outros, que consideram apenas seus iguais; estes, que
rendo conservar a desigualdade e sua preponderância, se chocam por, embora
sendo superiores, não ter mais e,. talvez até menos do que o vulgo. Pode haver
justiça em suas pretensões. Sempre o que os dispõe à sedição é o. esforço dos
inferiores para serem iguais, e dos iguais para se tornarem superiores.
O objeto de suas lutas é o lucro ou a honra e seus j contrários. Querendo
evitar para si ou para seus amigos alguma afronta ou desgraça, insuflam
revoltas e perturbações no Estado.
As causas que assim geram esses movimentos e essas comoções são
em número de sete e até mais, de ume outro ponto de vista. Duas são as que
acabam de ser expostas, o lucro e a honra. Animam de diversas formas os
cidadãos uns contra os outros, pois nem sempre eles os pretendem para si
mesmos, como no caso precedente, mas às vezes lutam porque os vêem justa
ou injustamente distribuídos a outrem. As outras causas são ora os ultrajes, o
terror, o demasiado poder ou crédito, o desprezo, os crescimentos excessivos;
ora os aborrecimentos, o esquecimento, o envilecimento e a diferença de
tratamento que se sente.
Dentre estas razões para a subversão, já se pressente que força têm o
ultraje e a acumulação de lucros, e como eles agem. Quando são os altos
funcionários que ofendem ou especulam, os cidadãos se revoltam tanto contra
eles como contra o governo que autoriza essa licença. A avareza dos chefes
manifesta-se ora pela pilhagem dos bens privados, ora pela do tesouro público.
Sabemos também o quanto pode a ambição e como ela excita as
revoltas. Os que não participam dos cargos públicos revoltam-se por vê-los
todos serem concedidos a outros. Sua repartição só é justa quando se faz
segundo o mérito; é injusta quando pessoas sem talento os conseguem,
enquanto que os outros, apesar de sua virtude, são excluídos.
A sedição também acontece por demasiada preeminência, quando um
ou vários cidadãos se elevam a um grau de potência maior do que convém à
dignidade e às forças do Estado, o que comumente degenera em monarquia ou
coalizão tirânica, conhecida sob o nome de dinastia (ou politirania); por isso, é
costume em alguns lugares, como em Argos e em Atenas, afastar a tempo
esses personagens, tipo de banimento chamado ostracismo. Seria melhor,
porém, como dissemos, prevenir, desde o princípio, a superioridade, do que
remediá-la depois de tê-la experimentado. 
Outra causa de revolta é, entre os culpados, a consciência de um grande
crime e o medo de ser punido por ele, ou, ainda, o perigo de que se está
ameaçado e se quer prevenir. Foi assim que em Rodes os nobres conspiraram
contra o povo para deter as perseguições judiciárias iniciadas contra eles.
Também o desprezo conduz da desobediência às conspirações e à
sedição. Nas oligarquias, quando os excluídos dos cargos são maioria e se
sentem os mais fortes; nas democracias, quando os ricos desprezam os
membros do governo que desempenham mal suas funções ou os negligenciam.
Assim, em Tebas, a democracia mal governada foi inteiramente arruinada
depois da batalha das Vinhas; em Megara, após duas perturbações e sua
anarquia; em Siracusa, antes da tirania de Gelão; em Rodes, depois do motim
dos nobres contra o povo e da insurreição contra Atenas.
Os crescimentos desmedidos de uma classe relativamente às outras
também são causas de revolução. Assim, os membros que compõem um corpo
devem crescer proporcionalmente, para que subsista a mesma comensura. O
animal morreria se o pé, por exemplo, crescesse até quatro côvados, não tendo
o resto do corpo mais do que dois palmos; poderia até degenerar em outra
espécie, se crescesse de tamanho e sofresse alteração de figura além de sua
proporção natural. Assim também o Estado, sendo de maneira semelhante
composto de partes, altera-se e se enfraquece se algumas delas, como
freqüentemente acontece, crescem insensivelmente em detrimento das outras,
por exemplo, a massa dos pobres nas democracias e nas Repúblicas.
O acaso às vezes traz estas mudanças. Em Tarento, i tendo sido a maior
parte da nobreza, pouco depois da guerra dos persas, derrotada pelos Lapiges,
passou-se da República para a democracia. Em Argos, depois do massacre
feito pelo lacedemônio Cleômenes sobre seu exército perto do Hebdome (ou
Teatro), os habitantes foram obrigados a admitir seus camponeses entre os
cidadãos. Em Atenas, depois de ter perdido contra os espartanos a batalha
terrestre, a nobreza que se recrutara para esta guerra diminuiu
consideravelmente e foi forçada a ceder ao povo. As mesmas modificações
ocorrem com as democracias, mas são mais raras. Por exemplo, quando a
quantidade de pobres aumenta e vários deles se tornam ricos, ou então quando
os bens dos ricos aumentam de valor, passa-se à oligarquia, e até à oligarquia
concentrada que chamamos politirania.
Às vezes, sem que haja sedição, o governo muda em razão de seu
aviltamento, como em Heréia, onde começaram a se envergonhar das eleições
e os magistrados foram depois sorteados, por causa da torpeza dos eleitos. O
regime ainda se modifica por negligência, quando se deixa que cheguem à
suprema magistratura homens mal intencionados para com a pátria, como
Heracleodoro em Oréia, o qual, após sua promoção, transformou a oligarquia
em democracia. 
Algumas vezes a mudança se realiza através de progressos imperceptíveis;
no final, fica-se admirado vendo os costumes e as leis mudadas sem que se
tenha atentado para as causas ligeiras e silenciosas que preparam as
mudanças. Na Ambrácia, por exemplo, depois de ter escolhido magistrados de
pequena fortuna, passou-se a admitir pouco a pouco alguns que não possuíam
nada. Ora, há pouca ou nenhuma diferença entre nada e muito pouco.
A diversidade de origem entre os habitantes também excita querelas até que
estejam bem acostumados a estarem juntos. Assim como um Estado não se
forma com toda espécie de gente, tampouco se cria em um instante. Todos os
que admitiram estrangeiros para residir em sua cidade, foram quase sempre
enganados por eles, como os de Trezena, que, em Síbaris, receberam os
aqueus. Foram obrigados a ceder-lhes o lugar quando o número deles
aumentou, o que causou a desgraça. Os sibaritas retiraram-se para Túrio e ali
fizeram a mesma tentativa, mas, querendo dispor do território como senhores,
foram vencidos e expulsos. Os bizantinos sofreram algo semelhante da parte de
estrangeiros e tiveram subitamente que recorrer às armas para repeli-los. Os
antisianos, que de modo semelhante haviam aceitado os banidos de Quios,
também se viram obrigados a livrar-se deles pela força. Os zanclianos foram
vencidos e expulsos pelos de Samos, que os tinham recebido. Também foram
estrangeiros que perturbaram os apoloniatas do Ponto Euxino. Os siracusanos,
após a expulsão de seus tiranos, tendo tornado cidadãos alguns soldados e
mercenários estrangeiros, tiveram tantos aborrecimentos por causa disso que
foi preciso romper com eles. Os de Anfípolis foram quase todos expulsos pelos
de Cálcis, por tê-los recebido em sua cidade.
Nas oligarquias, quem conspira é o povo, considerando injurioso que,
apesar de sua pretensa igualdade, não o admitam nos mesmos postos. Nas
democracias, quem se revolta são os nobres, por verem que são colocados no
mesmo plano que os que não o são.
Às vezes a sedição parece derivar da própria natureza do lugar que foi mal
escolhido para habitação. Em Clazômenas, os habitantes do Centro (ou bairro
dos banhos) detestam os da ilha; em Cólofon, a parte do norte odeia a do sul;
em Atenas, o pireu é mais democrático do que a cidade. Pois, assim como num
exército, um riacho, mesmo bem pequeno, pode romper a falange, assim
também, numa cidade, qualquer diferença de habitação basta para quebrar, o
entendimento e o acordo entre os habitantes.
Mas o que há de mais incompatível são, em primeiro lugar, a virtude e o
vício, depois as riquezas e a pobreza. Estas diferentes causas têm, por sua vez,
cada qual seus graus: na própria classe dos pobres, uns são piores do que os
outros, e isso, como acabamos de dizer, se deve a habitarem em bairros
diferentes.


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