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quarta-feira, 24 de outubro de 2012

A Política - Aristóteles - [parte 18]

Importância e excelência da classe média
Em todos os lugares, encontram-se três tipos de homens: alguns muito ricos,
outros muito pobres, e outros ainda que ocupam uma situação média entre
esses dois extremos. É uma verdade reconhecida que a mediania é boa em
tudo. A abastança de riquezas é, portanto, a melhor de todas as situações; é ela
que se presta melhor aos conselhos da razão: nada lhes obedece mais
dificilmente do que a beleza extrema, a força incomparável, a alta nobreza, a
excessiva riqueza e seus contrários, a extrema pobreza, a extrema fraqueza e a
grande infâmia. Desses extremos, alguns conduzem à insolência e à pior
improbidade, outros à patifaria e à baixeza. Ora, essas são as duas fontes dos
insultos e dos males que nos fazem.
Pessoas desse tipo são, aliás, pouco interessadas em empregos e cargos
públicos, quer no serviço, quer no conselho, e, por conseguinte, são inúteis à
pátria.
Os da primeira classe, favorecidos demais pela natureza ou pela fortuna,
poderosos, ricos e rodeados de amigos ou de protegidos, não querem nem
sabem obedecer. Desde a infância, são tomados por essa arrogância
doméstica e a tal ponto corrompidos pelo luxo que desdenham na escola até
mesmo escutar o professor. Os da outra classe, abatidos pela miséria e pelas
preocupações, curvam-se diante dos outros de modo que esses últimos,
incapazes de comandar, só sabem obedecer servilmente. Os primeiros, pelo
contrário, não obedecem a nenhuma ordem, mas mandam despoticamente.
Conseqüentemente, o Estado compõe-se apenas de servos e de déspotas, e
de forma alguma de pessoas livres. Aqueles são ciumentos, estes
desprezadores, vícios contrários à amizade e portanto ao regime político que
tem sua origem na benevolência. Assim suspeitosos de inimizade, mal aceitam
caminhar juntos.
Ora, a sociedade deseja sobretudo membros iguais e semelhantes, o que
só se pode encontrar na mediania; ela não poderia ser melhor governada do
que por pessoas semelhantes aos que lhe deram origem. São estes os
cidadãos que com mais segurança se mantêm; não desejam o que é dos outros,
como os pobres, nem estimulam a inveja de ninguém, paixão comum dos
pobres contra os ricos, e, não correndo risco de emboscadas, nem estando eles
mesmos à espreita, vivem sem perigo.
Por isso Focilides dizia que uma modesta abastança era o objeto de seus
desejos,
só pedindo ao céu ser ele próprio medíocre em sua pátria. Nenhuma sociedade
civil é melhor do que a que se compõe de tais pessoas, nem mais própria para
ser bem governada do que quando, superior em número e em poder ao restante
dos cidadãos, o ultrapassa em dois terços ou pelo menos em um terço. A
acessão deste terço faz com que a balança penda para o seu lado e previna os
excessos do partido contrário. É, portanto, uma grande felicidade para o Estado
que nele se encontrem apenas fortunas medíocres e suficientes. Em toda parte
onde uns têm demais e outros nada, segue-se necessariamente que haja ou
democracia exacerbada, ou violenta oligarquia, ou então tirania, pelo excesso
de uma ou de outra. Pois a tirania surge de igual modo da insolente e
desenfreada democracia e da oligarquia, desastre que, como explicaremos ao
tratar das revoluções, acontece muito menos entre tais pessoas de nível médio. 
A mediania é, pois, o melhor estado; é o único que não sofre sedições. Com
efeito, não acontecem nem agitações, nem divisão onde muitos se encontram
de posse de uma riqueza média. Assim, as grandes cidades são menos
sediciosas porque nelas se encontram mais pessoas abastadas. As cidades
pequenas, pelo contrário, dividem-se facilmente em dois partidos, sem que
ninguém permaneça neutro, sendo quase todos ou pobres ou ricos.
Pela mesma razão, há mais segurança nas democracias do que nas
oligarquias, e elas duram mais tempo, porque os medíocres são mais
numerosos e participam mais dos cargos públicos do que num Estado
oligárquico. Quando os pobres não têm este contrapeso, e começam a
prevalecer pelo número, tudo vai mal e a democracia não tarda a cair no
aniquilamento.
Um poderoso argumento a favor da mediocridade é que os melhores
legisladores foram cidadãos de média fortuna. Sólon declara-se tal em suas
poesias, Licurgo tornou-se tal quando parou de reinar e Carondas também o
era, como quase todos os outros.
Pode-se compreender, depois disto, por que a maioria dos Estados são ou
democráticos ou oligárquicos. É porque neles se encontra um pouco de simples
abastança e, estando os ricos e os pobres além e aquém da linha da mediania,
atraem para si o governo, e se segue daí a democracia ou a oligarquia. De
resto, quando ocorrem revoltas e combates entre os pobres e os ricos, os que
saem vencedores não toleram mais comunicação nem igualdade com os
vencidos no governo, mas reservam para si, como prêmio da vitória, o privilégio
de governar. Se o vencedor for o povo, ele estabelece uma democracia; se
forem os ricos, faz-se uma oligarquia, como aconteceu com todos os que
conquistaram a soberania na Grécia, ajustando ambos a forma de governo a
seu proveito particular, sem de maneira nenhuma consultarem o interesse do
Estado.
É por isso que jamais ou raramente aconteceu, e entre muito poucos povos,
que se tenha optado por uma República média. Entre os príncipes não há um só
exemplo desta moderação, em toda a antiguidade; em todas as outras partes,
virou costume recusar a igualdade e procurar dominar quando se sai vencedor,
ou ceder e obedecer quando se é vencido".
Por tudo isso que acaba de ser dito, vemos qual seja o melhor dentre os
Estados, e o que faz a sua excelência. Esta noção servirá aos outros, tanto no
gênero democrático quanto no oligárquico, para mostrar-lhes sua situação e
fazer com que se compreenda com facilidade qual é depois dele o primeiro,
qual o segundo e assim por diante. Será necessariamente o melhor o que mais
se aproximar dele, e o pior o que mais se afastar, a menos que haja
circunstâncias particulares. De fato, é possível que se encontrem circunstâncias
tais que o melhor não seja o mais útil nem o mais conveniente para certos
povos. 
A conseqüência natural do que precede seria examinar que gênero e
espécie convêm a cada povo. Examinemos, porém, inicialmente o que convém
a todos em geral, pois é preciso que a parte de um Estado que deseje a sua
conservação seja mais poderosa do que a que não a deseja.
Em todo Estado há duas coisas a considerar: a qualidade e a quantidade
das pessoas; a qualidade, isto é, a liberdade, a riqueza, o saber, a nobreza; a
quantidade, isto é, a parte superior em número. É possível que das duas partes
de que um Estado se compõe uma seja superior pela qualidade e a outra pela
quantidade, que haja mais plebeus do que nobres, mais pobres do que ricos, ì;
mas de maneira que não excedam em quantidade mais do que os que são
inferiores pela qualidade. É sob estes dois aspectos que vamos compará-los.
Quando a multidão dos pobres predomina nesta proporção, a democracia
estabelece-se naturalmente. Ela é de espécie análoga à parte do povo que
predomina, a saber, a primeira espécie, se for a massa dos lavradores, a última,
se for a dos artesãos e dos trabalhadores manuais, e assim das outras que
ocupam uma situação intermediária entre essas duas.
Mas quando os ricos e os pobres predominam mais em qualidade do que
são superados em quantidade, acontece a oligarquia, e, de igual forma, a
espécie de oligarquia em relação com o número da sociedade oligárquica.
Em todos os casos, quer se trate de fazer uma Constituição oligárquica,
quer a pretendam democrática, o legislador deve prestar atenção às pessoas
de condição média. Se seu número for superior aos dos dois extremos, ou ao
de um deles, a Constituição será firme e estável. Não se deve temer que os
ricos se entendam com os pobres contra os médios; uns jamais vão querer
deixar-se dominar pelos outros; se procurassem outra Constituição, não
encontrariam nunca uma mais adaptada ao interesse comum do que esta; nem
os democratas se deixarão governar pelos oligarcas, nem estes pelos
democratas, mesmo alternadamente, devido à desconfiança mútua. Em todos
os lugares, é ao árbitro que as pessoas se dirigem; e o árbitro mais conveniente
é aquele que, colocado entre dois, não pende mais para um lado do que para o
outro; quanto mais o poder supremo for moderado por este intermediário, mais
a Constituição será estável.
É um erro, mesmo nas Constituições aristocráticas, dar, como fazem muitos,
muito aos ricos e muito pouco ao povo; a longo prazo, de coisas que só têm
aparência de bem resulta necessariamente um mal real: o Estado arruina-se
mais pela cupidez dos ricos do que pela dos pobres.

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