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segunda-feira, 24 de setembro de 2012

A Política - Aristóteles (parte1)


A Política  - Aristóteles
Da Origem do Estado - O Estado e seu Governo

Como sabemos, todo Estado é uma sociedade, a esperança de um bem, seu princípio, assim como de toda associação, pois todas as ações dos homens têm por fim aquilo que consideram um bem. Todas as sociedades, portanto, têm como meta alguma vantagem, e aquela que é a principal e contém em si todas as outras se propõe a maior vantagem possível.
Chamamo-la Estado ou sociedade política.
Enganam-se os que imaginam que o poder de um rei ou de um magistrado de República só se diferencie do de um pai de família e de um senhor pelo número maior de súditos e que não há  nenhuma diferença específica entre seus
poderes. Segundo eles, se tem poucos súditos é um senhor; se tem alguns a mais é um pai de família; se tiver ainda mais é um rei ou um magistrado de República. Como se não houvesse diferença entre uma grande família e um pequeno Estado, nem entre um rei e um magistrado de República.  A distinção seria que um rei governa sozinho perpetuamente, enquanto um magistrado de
República comanda e obedece alienadamente, em virtude da Constituição.
Tudo isso, porém, é errado, como veremos ao examinar esta matéria segundo o método que usamos em nossas outras obras'.
Como não podemos conhecer melhor as coisas compostas do que decompondo-as e analisando-as até seus mais simples elementos, comecemos por detalhar assim o Estado e por examinar a diferença das partes, e procuremos saber se há uma ordem conveniente para tratar de cada uma delas.

A Formação da Cidade
Nesta como em qualquer outra matéria, uma  excelente atitude consiste em remontar à origem. É preciso, inicialmente, reunir as pessoas que não podem passar umas sem as outras, coma o macho e a fêmea para a geração. Esta maneira de se perpetuar não é arbitrária e não pode, na espécie humana assim como entre os animais e as plantas, efetuar-se senão naturalmente. É para a mútua conservação que a natureza deu a um o comando e impôs a submissão ao outro.
Pertence também ao desígnio da natureza que  comande quem pode, por sua inteligência, tudo prover e, pelo contrário, que obedeça quem não
possa contribuir para a prosperidade comum a não ser pelo trabalho de seu corpo. Esta partilha é salutar para o senhor e para o escravo.
A condição da mulher difere da do escravo.  A natureza, com efeito, não age com parcimônia, como os artesãos de Delfos que forjam suas facas para vários fins; ela destina cada coisa a um uso especial; cada instrumento que só tem o seu uso é o melhor para ela. Somente entre os bárbaros a mulher e o escravo estão no mesmo nível. Assim, esses povos não têm o atributo que importa naturalmente a superioridade e sua sociedade só é composta de escravos dos dois sexos. Foi isso que fez com que o poeta acreditasse que os gregos tinham, de direito, poder sobre os bárbaros, como se, na natureza, bárbaros e escravos se confundissem. A principal sociedade natural, que é a
família, formou-se, portanto, da dupla reunião do homem e da mulher, do senhor e do escravo. O poeta Hesíodo tinha razão ao dizer que era preciso
antes de tudo A casa, e depois a mulher e o boi lavrador, já que o boi desempenha o papel do escravo entre os pobres. Assim, a família é a sociedade cotidiana formada pela natureza e composta de pessoas que comem, como diz Carondas, o mesmo pão e se esquentam, como diz
Epimênides de Creta, com o mesmo fogo.
A sociedade que em seguida se formou de várias casas chama-se aldeia e se assemelha perfeitamente à primeira sociedade natural, com a diferença de não ser de todos os momentos, nem de uma frequentação tão contínua. Ela contém as crianças e as criancinhas, todas alimentadas com o mesmo leite.
De qualquer modo, trata-se de uma colônia tirada da primeira pela natureza.
Assim, as Cidades inicialmente foram, como ainda hoje o são algumas nações, submetidas ao governo real, formadas que eram de reuniões de pessoas que já viviam sob um monarca. Com efeito, toda família, sendo governada pelo mais velho como que por um rei, continuava a viver sob a mesma autoridade, por causa da consanguinidade. Este é o pensamento de Homero, quando diz:
Cada um, senhor absoluto de seus filhos e de suas mulheres, Distribui leis a todos...
Isso ocorria porque nos primeiros tempos as famílias viviam dispersas. É ainda por esta razão que todos os homens que antigamente viveram e ainda
vivem sob reis dizem que os deuses vivem da mesma maneira, atribuindo-lhes o governo das sociedades humanas, já que os imaginam sob a forma do homem.
O Homem, "Animal Cívico"
A sociedade que se formou da reunião de várias aldeias constitui a Cidade, que tem a faculdade de se bastar a si mesma, sendo organizada não apenas
para conservar a existência, mas também para buscar o bem-estar. Esta sociedade, portanto, também está nos desígnios da natureza, como todas as outras que são seus elementos. Ora, a natureza de cada coisa é precisamente seu fim2. Assim, quando um ser é perfeito, de qualquer espécie que ele seja - homem, cavalo, família -, dizemos que ele está na natureza. Além disso, a coisa que, pela mesma razão, ultrapassa as outras e se aproxima mais do objetivo proposto deve ser considerada a melhor. Bastar-se a si mesma é uma meta a que tende toda a produção da natureza e é também o mais perfeito estado. É, portanto, evidente que toda Cidade está na natureza e que o homem é naturalmente feito para a sociedade política. Aquele que, por sua natureza e não por obra do acaso, existisse sem nenhuma pátria seria um indivíduo detestável, muito acima ou muito abaixo do homem, segundo Homero: Um ser sem lar, sem família e sem leis.
Aquele que fosse assim por natureza só respiraria a guerra, não sendo detido por nenhum freio e, como uma ave de rapina, estaria sempre pronto para cair sobre os outros.
Assim, o homem é um animal cívico, mais social do que as abelhas e os outros animais que vivem juntos. A natureza, que nada faz em vão, concedeu
apenas a ele o dom da palavra, que não devemos confundir com os sons da voz. Estes são apenas a expressão de sensações agradáveis ou desagradáveis, de que os outros animais são, como nós, capazes. A natureza deu-lhes um órgão limitado a este único efeito; nós, porém, temos a mais, senão o conhecimento desenvolvido, pelo menos o sentimento obscuro do bem e do mal, do útil e do nocivo, do justo e do injusto, objetos para a manifestação dos quais nos foi principalmente dado o órgão da fala. Este comércio da palavra é o laço de toda sociedade doméstica e civil.
O Estado, ou sociedade política, é até mesmo o primeiro objeto a que se propôs a natureza'. O todo existe necessariamente antes da parte. As sociedades domésticas e os indivíduos não são senão as partes integrantes da Cidade, todas subordinadas ao corpo inteiro, todas distintas por seus poderes e suas funções, e todas inúteis quando desarticuladas, semelhantes às mãos e aos pés que, uma vez separados do corpo, só conservam o nome e a aparência, sem a realidade, como uma mão de pedra. O mesmo ocorre com os membros da Cidade: nenhum pode bastar-se a si mesmo. Aquele que não
precisa dos outros homens, ou não pode resolver-se a ficar com eles, ou é um deus, ou um bruto. Assim, a inclinação natural leva os homens a este gênero de sociedade.
O primeiro que a instituiu trouxe-lhe o maior dos bens. Mas, assim como o homem civilizado é o melhor de todos os animais, aquele que não conhece nem justiça nem leis é o pior de todos. Não há nada, sobretudo, de mais intolerável do que a injustiça armada. Por si mesmas, as armas e a força são indiferentes ao bem e ao mal: é o princípio motor que qualifica seu uso. Servir-se delas sem
nenhum direito e unicamente para saciar suas paixões rapaces ou lúbricas é atrocidade e perfídia. Seu uso só é lícito para a justiça. O discernimento e o respeito ao direito formam a base da vida social e os juízes são seus primeiros órgãos.
Do Senhor e do Escravo
Após ter indicado quais são as partes que constituem o Estado, devemos, já que os Estados são formados de famílias, falar primeiro do governo
doméstico.
Uma família completamente organizada compõe-se de escravos e de  pessoas livres. Mas como só se conhece a natureza de um todo pela análise de suas partes integrantes, sem exceção das menores, e como as partes primitivas e mais simples da família são o senhor e o escravo, o marido e a mulher, o pai e os filhos, convém examinar quais devem ser as funções e a condição de cada uma destas três partes.
Chamaremos despotismo o poder do senhor sobre o escravo; marital, o do marido sobre a mulher;  paternal, o do pai sobre os filhos (dois poderes para os quais o grego não tem substantivos).
Alguns fazem também entrar no econômico  a parte relativa aos bens que compõem o patrimônio das famílias e aos meios de adquiri-los. Trata-se até,
segundo outros, do elemento principal.

O Poder do Senhor ou "Despotismo"
Para conhecer o que é indispensável à composição da família, comecemos por falar do poder despótico e da escravidão, e vejamos senão seria possível encontrar sobre esta matéria algo mais satisfatório do que já foi dito até o presente.
Uns, de fato, como já vimos, confundem todos os poderes e compreendem,num só e único sistema, o poder do mestre e a realeza, o governo republicano
e a administração da economia; outros consideram que o poder senhorial não tem nenhum fundamento na natureza e pretendem que esta nos criou a todos
livres, e a escravidão só foi introduzida pela lei do mais forte e é, por si mesma, injusta como um puro efeito da violência.
Quanto à economia, observo que é impossível viver comodamente, ou mesmo simplesmente viver, sem o necessário. Portanto, como os bens fazem parte da casa, os meios de adquiri-los também fazem parte do governo doméstico; e, assim como nenhuma das artes que têm um objeto preciso e
determinado realiza sua obra sem seus instrumentos próprios, a economia também precisa deles para chegar ao seu objetivo.
Existem dois tipos de instrumentos: uns inanimados, outros animados.
Assim é que, para a navegação, o leme é o instrumento inanimado e o piloto, o
instrumento animado. Em todas as artes, o trabalhador é uma espécie de instrumento.
Um bem é um instrumento da existência; as propriedades são uma reunião de instrumentos e o escravo, uma propriedade instrumental animada, como um agente preposto a todos os outros meios. Se cada instrumento pudesse executar por si mesmo a vontade ou a intenção do agente, como faziam,
dizem, as marionetes de Dédalo ou os tripés de Vulcano, que vinham por si mesmos, segundo Homero, aos combates dos deuses, se a lançadeira
tecesse sozinha a tela, se o arco tirasse sozinho de uma cítara o som desejado, os arquitetos não mais precisariam de operários, nem os mestres de escravos.
Chama-se "instrumento" o que realiza o efeito, e "propriedade doméstica" o que ele produz. O tear, por exemplo, e o torno, além do exercício que nos
proporciona seu uso, fornecem-nos ainda pano e camas; ao passo que o pano e a cama que eles nos produzem se imitam ao nosso simples uso.
Há também diferença entre "fazer" e "agir" e, como ambos precisam de instrumentos, deve haver entre seus instrumentos a mesma diferença. A vida
consiste no uso, não na produção. O servidor é o ministro da ação; chamam-no propriedade da casa, como parte dela.
A coisa possuída está para o possuidor assim como a parte está para o todo; ora, a parte não é somente distinta do todo, ela lhe pertence; o mesmo
ocorre com a coisa possuída em relação ao possuidor. O senhor não é senão o proprietário de seu escravo, mas não lhe pertence; o escravo, pelo contrário,não somente é destinado ao uso do senhor, como também dele é parte. Isto basta para dar uma ideia da escravidão e para fazer conhecer esta condição.
O homem que, por natureza, não pertence a si mesmo, mas a um outro, é escravo por natureza: é uma posse e um instrumento para agir separadamente e sob as ordens de seu senhor.

A Servidão Natural
Mas faz a natureza ou não de um homem um escravo? É justa e útil a escravidão ou é contra a natureza? É isto que devemos examinar agora.
O fato e a experiência, tanto quanto a razão, nos conduzirão aqui ao conhecimento do direito.
Não é apenas necessário, mas também vantajoso que haja mando por um lado e obediência por outro; e todos os seres, desde o primeiro instante do
nascimento, são, por assim dizer, marcados pela natureza, uns para comandar, outros para obedecer.
Entre eles, há várias espécies de superiores ou de súditos, e o mando é tanto mais nobre quanto mais elevado é o próprio súdito. Assim, mais vale
comandar homens do que animais. O que se executa mediante melhores agentes é sempre mais bem executado, partindo então a execução do mesmo princípio que o comando; ao passo que, quando aquele que manda e aquele que obedece são de espécies diferentes, cada um sacrifica algo de seu.
Em tudo o que é composto de várias partes, quer contínuas, quer disjuntas, mas tendentes a um fim comum, sempre notamos uma parte eminente à qual as outras estão subordinadas, e isso não apenas nas coisas animadas, mas também nas que não o são, tais como os objetos suscetíveis de harmonia.
Mas, aqui, me afastarei por certo de meu objetivo.
O animal compõe-se primeiro de uma alma, depois de um corpo: a primeira, por sua natureza, comanda e o segundo obedece. Digo "por sua
natureza", pois é preciso considerar o mais perfeito como tendo emanado dela, e não o que é degradado e sujeito à corrupção. O homem, segundo a natureza, é aquele que é bem constituído de alma e de corpo. Se nas coisas viciosas e depravadas o corpo não raro parece comandar a alma, é certamente por erro e contra a natureza.
É preciso, portanto, como dissemos, considerar nos seres animados a autoridade do senhor e a do magistrado: a primeira é a da alma sobre o corpo;
a segunda exerce sobre as paixões humanas o poder da razão. É claro que o comando, nestas duas espécies, é conforme à natureza, assim como ao
interesse de todas as partes, e a igualdade ou a alternância seriam muito nocivas a ambas.
O mesmo ocorre com o homem relativamente aos outros animais, tanto os que se domesticam quanto os que permanecem selvagens, a pior das duas
espécies. Para eles é preferível obedecer ao homem; seu governo é-lhes salutar.
A natureza ainda subordinou um dos dois animais ao outro. Em todas as espécies, o macho é evidentemente superior à fêmea: a espécie humana não é exceção.
Assim, em toda parte onde se observa a mesma distância que há entre a alma e o corpo, entre o homem e o animal, existem as mesmas relações; isto é, todos os que não têm nada melhor para nos oferecer do que o uso de seus corpos e de seus membros são condenados pela natureza à escravidão. Para eles, é melhor servirem do que serem entregues a si mesmos. Numa palavra, é
naturalmente escravo aquele que tem tão pouca alma e poucos meios que resolve depender de outrem. Tais são os que só têm instinto, vale dizer, que percebem muito bem a razão nos outros, mas que não fazem por si mesmos uso dela. Toda a diferença entre eles e os animais é que estes não participam de modo algum da razão, nem mesmo têm o sentimento dela e só obedecem a suas sensações. Ademais, o uso dos escravos e dos animais é mais ou menos o mesmo e tiram-se deles os mesmos serviços para as necessidades da vida.
A natureza, por assim dizer, imprimiu a liberdade e a servidão até nos hábitos corporais. Vemos corpos robustos talhados especialmente para carregar fardos e outros usos igualmente necessários; outros, pelo contrário, mais disciplinados, mas também mais esguios e incapazes de tais trabalhos, são bons apenas para a vida política, isto é, para os exercícios da paz e da guerra. Ocorre muitas vezes, porém, o contrário: brutos têm a forma exterior da liberdade e outros, sem aparentar, só têm a alma de livre.
Limitando-nos aos aspectos materiais, como no caso das estátuas dos deuses, não hesitamos em acreditar que os indivíduos inferiores devem ser
submissos. Se isto é verdade quando se trata do corpo, por mais forte razão devemos di-lo da alma; mas a beleza de um não é tão fácil de discernir quanto a da outra.

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