Total de visualizações de página

terça-feira, 25 de setembro de 2012

A Política - Aristóteles - parte 2


Pois há inicialmente o comando do senhor, que se exerce sobre o que chamamos de empregados necessários. Não é preciso que aquele que o exerce saiba fazer os trabalhos servis, basta que saiba utilizá-los; cabe a seus
servidores saber a execução. Assim como há vários tipos de funções servis, há também vários tipos de escravos. Entre as pessoas que estão em servidão, é
preciso contar os trabalhadores manuais que vivem, como indica seu nome, do trabalho de suas mãos e os artesãos que se ocupam dos ofícios sórdidos. Assim, em alguns lugares, antigamente, antes que o povo chegasse à extrema licença, os cargos ou poderes públicos não eram conferidos a esse tipo de gente. Suas ocupações não convêm nem ao homem de bem, nem ao alto
funcionário, nem ao bom cidadão, se não for para seu uso pessoal, caso em que ele é ao mesmo tempo senhor e servo.
Mas há um outro tipo de comando que tem por súditos as pessoas livres e de mesma condição: é o que se chama o governo civil. Só se aprende começando por obedecer. Assim, pelo próprio serviço sob as ordens do
hiparca, se aprende a comandar a cavalaria; servindo sob o general e os demais oficiais da infantaria, aprende-se a comandar os diversos graus militares. Existe até uma máxima quanto a isto, que diz que não é possível bem
comandar se antes não se tiver obedecido. Ora, estes são dois gêneros diferentes de mérito, e é preciso que um bom cidadão adquira ambos, saiba obedecer e esteja em condições de comandar. Ambos também convêm ao homem de bem, embora de modo diferente,
pois a temperança e a justiça diferem até entre pessoas livres, das quais uma é superior e a outra inferior, por exemplo, entre homem e mulher. A coragem de
um homem se aproximaria da pusilanimidade se fosse apenas igual à de uma mulher, e a mulher passaria por atrevida se não fosse mais reservada do que um
homem em suas palavras. A administração doméstica, em ambos os casos, também deve apresentar alguma diferença, sendo um encarregado de comprar,
outro de economizar e de conservar. O mérito especial do que comanda é a prudência. As outras virtudes lhe são
comuns com os que obedecem. Estes não precisam de prudência, mas sim de confiança e de docilidade; são como os instrumentos ou então como o
fabricante de alaúdes, e o homem que comanda é como o executante que os toca.  Sabemos, agora, se as qualidades do homem de bem e do bom cidadão
são ou não as mesmas, como elas se assemelham e em que diferem. Da Finalidade do Estado O homem é, por sua natureza, como dissemos desde o começo ao falarmos
do governo doméstico e do dos escravos, um animal feito para a sociedade civil. Assim, mesmo que não tivéssemos necessidade uns dos outros, não deixaríamos de desejar viver juntos. Na verdade, o interesse comum também
nos une, pois cada um aí encontra meios de viver melhor. Eis, portanto, o nosso fim principal, comum a todos e a cada um em particular. Reunimo-nos, mesmo que seja só para pôr a vida em segurança. A própria vida é uma espécie de dever para aqueles a quem a natureza a deu e, quando não é excessivamente cumulada de misérias, é um motivo suficiente para permanecer em sociedade.
Ela conserva ainda os encantos e a doçura neste estado de sofrimento, e quantos males não suportamos para prolongá-la!
Mas não é apenas para viver juntos, mas sim para bem viver juntos que se fez o Estado, sem o quê, a sociedade compreenderia os escravos e até mesmo os outros animais. Ora, não é assim. Esses seres não participam de forma alguma da felicidade pública, nem vivem conforme suas próprias vontades. Os homens tampouco se reuniram para formar uma sociedade militar e se
precaver contra as agressões, nem para estabelecer contratos e fazer trocas de coisas ou outros serviços. Caso contrário, os tirrenianos e os cartagineses e
todos os outros povos que comerciam uns com os outros seriam membros de uma mesma Cidade. Eles possuem tratados redigidos por escrito, com base
nos quais importam e exportam suas mercadorias, garantem-nas uns aos outros, prometendo defendê-las a mão armada. Mas não têm, quanto a esses
objetos, nenhum magistrado que lhes seja comum. Cada um desses povos tem os seus em seu próprio território. Eles não se preocupam com o que os outros
são, nem com o que fazem, se são injustos ou corrompidos como particulares, só fazendo questão da garantia que ambos os povos se deram mutuamente de
não se lesarem. Aqueles, pelo contrário, que se propõem dar aos Estados uma boa constituição prestam atenção principalmente nas virtudes e nos vícios que
interessam à sociedade civil, e não há nenhuma dúvida de que a verdadeira Cidade (a que não o é somente de nome) deve estimar acima de tudo a virtude.
Sem isso, não será mais do que uma liga ou associação de armas, diferindo das outras ligas apenas pelo lugar, isto é, pela circunstância indiferente da proximidade ou do afastamento respectivo dos membros. Sua lei não é senão
uma simples convenção de garantia, capaz, diz o sofista Licefron, de mantê-los no dever recíproco, mas incapaz de torná-los bons e honestos cidadãos.  Para tornar isto mais claro, suponhamos que aproximamos os lugares e que
as cidades de Megara e Corinto se toquem; esta proximidade não fará com que os dois Estados se confundam, mesmo que se acertassem casamentos entre
uma e outra cidade, apesar de este ser um dos laços mais íntimos para a comunicação mútua. Suponhamos, até, alguns homens: um carpinteiro, outro lavrador, outro
sapateiro, um quarto de alguma outra profissão. Suponhamos, se quiser, dez mil deles, residindo separadamente, mas não a uma distância tão grande
que não se possam comunicar. Eles fizeram um pacto de não-agressão no que toca a seus comércios e até prometeram tomar armas para sua mútua defesa,
mas não têm outra comunicação a não ser o comércio e seus tratados. Mais uma vez, esta não será uma sociedade civil. Por quê, então? Nesta hipótese,
não se dirá que estejam afastados demais para se comunicarem.
Aproximando-se assim, a casa de cada um deles assumiria o papel de cidade e eles se prestariam, graças à sua confederação, ajuda contra as agressões injustas. No entanto, se não tivessem nessa aproximação uma comunicação mais importante do que a que têm quando separados, esta ainda não seria exatamente uma Cidade ou uma sociedade civil. A Cidade, portanto, não é
precisamente uma comunidade de lugar, nem foi instituída simplesmente para se defender contra as injustiças de outrem ou para estabelecer comércio. Tudo
isso deve existir antes da formação do Estado, mas não basta para constituí-lo. A Cidade é uma sociedade estabelecida, com casas e famílias, para viver
bem, isto é, para se levar uma vida perfeita e que se baste a si mesma. Ora, isto não pode acontecer senão pela proximidade de habitação e pelos casamentos.
Foi para o mesmo fim que se instituíram nas cidades as sociedades particulares, as corporações religiosas e profanas e todos os outros laços, afinidades ou maneiras de viver uns com os outros, obra da amizade, assim
como a própria amizade é o efeito de uma escolha recíproca. O fim da sociedade civil é, portanto, viver bem; todas as suas instituições não são senão
meios para isso, e a própria Cidade é apenas uma grande comunidade de famílias e de aldeias em que a vida encontra todos estes meios de perfeição e
de suficiência. É isto o que chamamos uma vida feliz e honesta. A sociedade civil é, pois, menos uma sociedade de vida comum do que uma sociedade de
honra e de virtude. As Condições da Felicidade Particular
Cremos ter estabelecido suficientemente em outro lugar em que consiste a felicidade da vida". Contentar-nos-emos aqui em fazer a aplicação de nossos princípios.
Ninguém contestará a divisão, habitual entre os filósofos, dos bens em três classes: os da alma, os do corpo e os exteriores. Todos estes bens devem ser
encontrados junto às pessoas felizes.
Jamais se contará entre elas um homem que não tem coragem, nem temperança, nem justiça, nem prudência; quem tem medo até do voo das
moscas no ar; quem se entrega a todos os excessos da bebida e da comida; quem, pelo mais vil interesse, mataria seus melhores amigos; quem demonstra
ter tão pouca razão quanto as crianças e os furiosos.
Mas, embora estejamos de acordo sobre isso, diferimos quanto ao mais e quanto ao menos. A maioria, pensando que lhes basta ter um pouco de virtude,
deseja ultrapassar infinitamente os outros em riqueza, em poder, em glória e outros que tais. Sobre isto, é fácil saber o que pensar: basta consultar a
experiência. Todos vemos que não é pelos bens exteriores que se adquirem e conservam as virtudes, mas sim que é pelos talentos e virtudes que se adquirem
e conservam os bens exteriores e que, quer se faça consistir a felicidade no prazer ou na virtude, ou em ambos, os que têm inteligência e costumes
excelentes a alcançam mais facilmente com uma fortuna medíocre do que os que têm mais do que o necessário e carecem dos outros bens. Por pouco que atentemos a isto, a razão basta para nos convencer. Os bens
exteriores são apenas instrumentos úteis, conformes a seu fim, mas semelhantes a qualquer outro instrumento, cujo excesso necessariamente é nocivo ou, pelo menos, inútil a quem os manipula. Os bens da alma, pelo
contrário, não são apenas honestos, mas também úteis, e quanto mais excederem a medida comum, mais terão utilidade.
Em geral, as melhores disposições e maneiras de ser seguem entre si as mesmas proporções e desproporções que seus sujeitos; se, portanto, a alma,
por sua natureza e relativamente a nós, tem um valor muito diferente do corpo e dos bens, seus bons costumes ultrapassam igualmente os dessas outras
substâncias. Tais bens só são desejáveis por ela, e todo homem os deseja para a alma, e não a alma para eles. Consideremos, pois, como certo que a cada um
cabe uma felicidade proporcional à virtude e à prudência que tiver, e na medida em que age conformemente a elas. Exemplo e prova disto é Deus, que é feliz
não por algum bem exterior, mas por si mesmo e por seus atributos essenciais.  A felicidade é muito diferente da boa fortuna. vêm-nos da fortuna os bens
exteriores, mas ninguém é justo ou prudente graças a ela, nem por seu meio. Dos mesmos princípios depende a felicidade do Estado. É impossível que
um Estado seja feliz se dele a honestidade for banida. Não há nada de bom a esperar dele, nem tampouco de um particular, sem a virtude e a prudência; a
coragem, a justiça e a prudência têm no Estado o mesmo caráter e a mesma, influência que nos particulares; são exatamente os mesmos que merecem de
nós a reputação de corajosos, justos e prudentes.
Que isto nos sirva de prefácio. Não podemos deixar de lembrar estes princípios. Como, porém, eles pertencem a uma outra teoria, não nos estenderemos mais aqui sobre eles`. Basta-nos agora ter estabelecido que a
melhor existência para cada um em particular e para todos os Estados é a virtude com bastante riqueza para poder praticá-la. Se alguém quiser contestá-lo, nós lhe daremos em seguida uma mais ampla satisfação.

Felicidade Privada e Felicidade Pública
Resta-nos explicar se a felicidade é idêntica para o Estado e para cada particular. Que devemos colocá-la entre os mesmos gêneros de bem é um ponto
sobre o qual todos estão de acordo. Os que colocam a felicidade do homem nas riquezas só consideram felizes os Estados ricos. Os que a colocam no
despotismo e na força pretendem que a suprema felicidade do Estado é dominar vários outros. Os que não veem outra felicidade para o homem que não
a virtude chamam feliz apenas o Estado em que a virtude é honrada. Mas desde o primeiro passo surge uma questão para ser examinada: que
vida preferir, a que toma parte do governo e dos negócios públicos ou a vida retirada e livre de todos os embaraços do gênero? Não entra no plano da Política determinar o que pode convir a cada indivíduo, mas sim o que convém à pluralidade. Em nossa Ética, aliás, tratamos
do primeiro ponto. Portanto, nós o omitiremos aqui para nos determos no outro. Não há nenhuma dúvida de que o melhor governo seja aquele no qual cada
um encontre a melhor maneira de viver feliz. Mas aqueles mesmos que concordam em preferir a vida virtuosa não chegam a um acordo sobre se devemos preferir a vida ativa e política à vida contemplativa e livre da confusão
dos negócios humanos, vida esta que alguns consideram como a única digna do filósofo. Com efeito, estes dois gêneros de vida, a vida filosófica e a carreira
política, foram escolhidos por todos os que, tanto antigos quanto modernos, tiveram a ambição de se distinguir por seus méritos. E certamente não é de
pouca importância saber onde está a verdade.
É próprio da sabedoria, tanto a de cada homem em particular quanto a de todo Estado em geral, dirigir suas ações e sua conduta para o melhor fim. Ora,
muitos pensam que comandar seus semelhantes, se praticado com despotismo, é uma grande injustiça, mas que, se comanda politicamente, não é uma
injustiça, mas somente um obstáculo à própria tranquilidade. Alguns, pelo contrário, julgam que a vida ativa e consagrada aos negócios públicos é a única
digna do homem e que jamais se acharão na vida privada tantas ocasiões de exercer cada virtude quanto no trato dos negócios públicos e no governo do
Estado. Outros chegam a sustentar que o despotismo e o império da força são, para um povo, a única maneira de ser feliz. Vemos, com efeito, que em alguns
Estados o governo e as leis tendem à preocupação única de dominar os vizinhos. Por mais que consideremos todas as constituições espalhadas por diversas regiões, se suas leis, em sua maioria bastante confusas, têm um fim
particular, este fim sempre é dominar. Na Lacedemônia e em Creta, a quase totalidade de sua disciplina e de suas numerosas regras é dirigida para a
guerra. Em todas as nações que têm o poder de crescer, entre os citas, entre os persas, entre os trácios, entre os celtas, não há nenhuma profissão mais
estimada do que a das armas. Em alguns lugares, existem leis para estimular a coragem guerreira. Em Cartago, as pessoas são decoradas com tantos anéis
quantas foram as campanhas que fizeram. Na Macedônia, uma lei pretendia que
aqueles que não houvessem matado nenhum inimigo tivessem que andar de cabresto. Entre os citas, aquele que estivesse nesse caso sofria a afronta de
não beber à roda, na taça das refeições solenes. A Ibéria, nação belicosa, levanta ao redor das tumbas tantos obeliscos quantos inimigos o defunto matou.
Em outras partes, encontramos instituições semelhantes, ordenadas pelas leis ou estabelecidas pelo costume.
Contudo, se quisermos prestar atenção a isto, parecerá muito absurdo que a política ensine a dominar seus vizinhos, com ou sem a força. Com efeito, como
erigirem máxima de Estado ou em lei o que não é nem mesmo lícito? Ora, é lícito comandar sem nenhum direito e ainda mais contra todo direito. Uma vitória
injusta não pode ser um motivo justo. Este absurdo não se observa em nenhuma outra ciência. Não é ofício nem do médico, nem do piloto persuadir ou fazer
violência, um a seus doentes, o outro a seus marinheiros. Mas muitos parecem considerar a dominação como 0 objeto da política, e aquilo que não cremos nem
justo nem útil para nós não temos vergonha de tentar contra os outros. Eles não querem justiça no governo a não ser para eles próprios, mas, se trata de
comandar os outros, ela é a coisa com que menos se preocupam; absurdo revoltante, a menos que a natureza não tenha destinado uns a dominar e não
tenha recusado a outros esta aptidão. Se ela estabeleceu esta distinção, pelo menos não se deve tentar dominar a todos, mas apenas aos que só servem
para serem submetidos. É assim que não se vai à caça para pegar os homens e comê-los ou matá-los, mas apenas para pegar os animais selvagens que são
comestíveis.

Nenhum comentário: