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sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Minha vida de menina - Aluno: Cícero Augusto Carvalho Abreu

Durante minha vida em Graça sempre fui uma garota agitada. Lembro-me de que eu e
minha melhor amiga gostávamos de passear pelo mercado municipal recém-construído, mas
muito diferente do de hoje: o teto era feito de palha, sustentado por um tronco enorme. Passeávamos
por lá por não haver outra opção e também para paquerarmos os meninos.
Nascemos quase juntos: eu e o mercado. Somos uma coisa só, mas não estamos nos
livros, televisão ou qualquer documento. Estamos na memória que marcou minha adolescência.
Às vezes sinto saudades daqueles tempos, quando tudo era mais tranquilo, não
havia quase motos ou carros nas ruas.
Ao chegar em casa, ajudava minha mãe a fazer chapéu. A palha utilizada cortava meus
dedos, mas era a única forma de ajudar na renda familiar, garantindo dinheiro para, quando
chegassem os festejos, comprar tecido para fazer os vestidos.
Estudava à tarde com a professora Iracy, mestra muito severa. Minha mochila era um
saco de arroz, em que levava um lápis, a cartilha do ABC e uma tabuada. Meu pai me colocou
na escola, e meus irmãos também, para aprendermos a ler uma carta e fazer outra. Eu
era craque na leitura e não gostava da tabuada, mas estudava muito para não apanhar de
palmatória. Nunca apanhei da professora, pois ficava bem quietinha. Durante o recreio, ela
mandava-nos capinar o mato que crescia ao redor da escola, tarefa que julgava enfadonha,
pois minhas mãos às vezes inchavam.

Quando chegava da escola já era quase hora do jantar. Comíamos feijão com farofa de
toucinho. O gosto não era bom, mas de tanto comer já havia me acostumado. Raramente
comíamos carne ou biscoito, e só tomávamos refrigerante quando caíamos doentes.
Nas festas não havia bebidas alcoólicas, só o arico-rico – suco industrializado em pó
colocado em garrafas –, que tinha que ser dividido com os amigos, proporcionando momentos
de alegria e confusão.
Apesar das secas, minha família nunca passou fome, pois meu pai criava capotes e
cabras; por esse motivo não nos faltava leite. Raramente chovia, mas quando acontecia
era o maior alvoroço! Todos corriam em busca de baldes para armazenar água e eu ainda
brincava com as outras crianças na chuva. A água que caía do céu era fresquinha, contrastando
com a terra quente, e quando se misturavam produziam uma fumaça que causava
um clima de mistério. A forte chuva formava um pequeno lameiro, que, misturado à terra,
parecia um rio de chocolate. A magia da água tocando o meu rosto era muito forte.
Nessas horas o trabalho era esquecido.
Naquele tempo, a chuva era a maior alegria e a rua transformava-se em um mundo
fantástico. Além das brincadeiras no lamaçal que escorria pela rua, modelávamos panelinhas
de barro para brincar de comidinha, fazíamos bonecos de sabugo de milho ou casca
de melancia, construíamos casinhas e redes de palha para pastorar o roçado...
Quando não chovia era uma tristeza de dar dó, não havia mais a magia e sobrava tempo
para brincar pela manhã. Então, eu e a minha turma nos reuníamos nas casinhas de
palha. Lá construíamos brinquedos, conversávamos, fazíamos comidinhas de frutas e inventávamos
histórias cheias de mistérios e paixões.
Nossa vida se enchia de alegria, que vinha de muitos momentos: das brincadeiras, da
escola, da família e de quando chovia. O fim da história? Não sei, porque ainda vivo. Enquanto
viver, minhas memórias nunca irão acabar.

(Texto baseado na entrevista feita com a sra. Maria Nonata de Abreu, 58 anos.)
Professora: Vera Lúcia de Araújo Azevedo
Escola: E. E. F. Pedro Neudo Brito • Cidade: Graça – CE

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