Total de visualizações de página

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Lembranças que o tempo não apagou - Aluno: Danley Dênis da Silva

Ainda recordo as férias escolares do mês de julho... sempre com endereço certo. Enquanto
outros garotos sonhavam com viagens para lugares desconhecidos, eu contava os
dias para retornar ao meu pequenino cantinho do mundo – nem se chamava Campo Grande
do Piauí. pois não passara ainda para a categoria de cidade, naquela época, apenas um
pequeno povoado às margens da BR-316. Hoje, sim, Campo Grande do Piauí, terra do caju.
Hoje sou adulto e carrego nos ombros as responsabilidades que a vida me trouxe, mas
quero me reportar àquele tempo de garoto, quando andava descalço, camisa aberta no
peito, cabelos revoltos pelo vento e o sol a seguir-me pelas longas trilhas. Eram as minhas
férias de julho, não tão prolongadas como as de final de ano, mas era naquela época que a
farinhada acontecia.
A casa de farinha de “padim” João Marcos – era assim que a meninada o chamava; já
os adultos tratavam-no por tio João ou seu João. Lembro-me de que era um velhinho alto,
acho que o mais idoso da região, já envergado pelo peso da idade – companheiro inseparável
de uma bengala que lhe servia de apoio nas suas incansáveis idas e vindas diárias.
Eu não sei o que me atraía tanto naquela casa de farinha, tinha horas que aquilo lá fervilhava
de gente: uns trabalhando, outros passeando e os mais preguiçosos sem nada a fazer.
Quando o motor começava a triturar a mandioca, os trabalhadores, nas suas conversas,
tentavam superar o barulho infernal que se fazia no ambiente.
Na casa principal – disso tenho a nítida lembrança –, era lá que estava meu encanto
pessoal. A sala não era um cômodo grande, encostada numa parede ficava uma cristaleira
que tinha como principal adorno o símbolo das bodas de ouro do senhor daquela casa e de
sua esposa. No centro da sala uma rede, sempre estirada, um verdadeiro convite para uns
vai e vem. Ao pé da rede reinava uma cadeira – senhora quase absoluta daquele ambiente
simples –, e sobre ela, sempre de prontidão, duas tigelinhas: uma, contendo farinha, e na
outra, rapadura.

Para a minha curiosidade, principalmente de literatura, ali encontrava-se uma verdadeira
biblioteca, que, na verdade, consistia numa “capemba” de coco babaçu dependurada na
parede e lá dentro repousavam vários livrinhos como se estivessem adormecidos: eram
versos escritos na forma de literatura de cordel. No Almanaque do Pensamento era possível
verificar as fases da lua, não que eu entendesse algo daquilo, mas queria desvendar o mistério
das palavras. E foi nesse pequeno acervo, que considerava minha biblioteca particular,
que descobri o incrível prazer da leitura.
Hoje sei que a casa de farinha ainda está em pé, mas nenhuma atividade; as trilhas cederam
lugar às ruas e avenidas; a “minha” biblioteca, não sei dizer o que lhe aconteceu; no entanto,
falo do tesouro que ficou guardado na minha memória e da saudade que corrompe
meu coração, fazendo rolar uma lágrima quando lembro os tempos que não voltam mais.

(Texto baseado na entrevista feita com o sr. Francisco José Bezerra, 46 anos.)
Professora: Ana Clemilda Bezerra
Escola: Unidade Escolar Moisés Bezerra • Cidade: Campo Grande do Piauí – PI

Nenhum comentário: