Total de visualizações de página

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

História que o tempo não apaga - Aluna: Aline Cristina dos Santos

Numa quarta-feira pela manhã papai saiu correndo para chamar a parteira – mulher
que realizava partos naturais em casa. Não demorou muito e escutaram um chorinho: era
uma linda menina. Foi assim que nasci. Adorava quando minha mãe contava essa história.
Vim de uma família simples e pobre, a casa onde morava era pequena, com poucos
móveis: uma velha mesa e um fogão a lenha que aquecia nossos corpos e corações nas
noites frias e longas. Ficava no São Miguel, bairro pioneiro de Uchoa. Foi ali que a cidade
começou em volta de uma capela. Tinha poucas ruas, todas de terra, algumas casas, de
onde era possível sentir o gostoso cheiro da mata verde que a rodeava por todos os lados.
Muito pequenina, já ia para a roça, mamãe me acomodava em uma manta em cima de
um saco branco, o que impedia que as formigas me picassem enquanto ela colhia algodão.
Assim tirava nosso sustento. Éramos onze, fora papai e mamãe.
Agora me arrisco a dizer “papai”, mas minha convivência com ele... Era um homem severo.
Falava, todos respeitavam, obedeciam e pronto!
Mamãe, não. Era uma rosa e com seu amor irradiava ternura pelos quatro cantos da
casa, dava atenção e acarinhava sempre que alguém precisava.
Fazia roupinhas para minhas bonecas de espiga de milho, limpava as palhas com jeitinho,
penteava o cabelo para fora e desenhava seu rostinho com carvão. Assim era minha
melhor boneca. Ah, como eu adorava!
Meus domingos eram uma festa! Acordava com o perfume do pão feito na hora, que
aflorava pelas frestas da taipa do quarto em que dormíamos todos amontoados. Saíamos
em disparada, trombando, para pegar o primeiro pedaço passar manteiga – feita em casa –,
que derretia e chegava a escorrer na toalha manchada pelo tempo. Cada mordida era como
se estivéssemos comendo pela primeira vez.
Mas a data mais esperada por mim era o Natal. Aguardava o bom velhinho o ano todo,
porque era o dia que comia frango assado, macarronada com molho e tomava gasosa – refrigerante da época –, cujo nome lembro até hoje – Itubaína! Como era gostoso sentir
aquelas bolhinhas formigando minha língua como se estivesse adormecida.
Ganhava também um doce, que mamãe comprava na venda e guardava escondidinho.
Comia aos poucos para que durasse dias. Saboreava cada pedacinho!
Tempos muito difíceis. Presente nunca ganhei, não. Era muito diferente dos natais de
hoje. Mas aprendi uma simpatia: quando aparecia manchinhas brancas em minhas unhas
deveria colocar as mãos nos bolsos da calça de meu pai, porque assim ganharia presente.
Fazia isso enquanto desamassava os montes de roupas com o pesado ferro de brasa.
Nunca funcionava, mas não custava tentar.
As brincadeiras daquele tempo? Ah, que gostosas eram! Todas na rua e usava a imaginação,
mas gostava mesmo era de pular corda que mamãe improvisava com um cipó e
como ela me enfeitava com trancinhas coloridas. Enquanto pulava, meu cabelo balançava
como folha de árvore em dia de ventania.
Sair de casa não podia. Somente nos dias santos é que ia à missa ou à procissão, e
quando acabava ficava fazendo footing – dava voltas e mais voltas no jardim da praça
da matriz.
Ali, conheci meu primeiro namorado e depois marido, que apesar de não ter sido
escolhido por mim foi muito bom enquanto o tempo não o levou, juntamente com dois
de meus filhos.
Hoje, com 80 anos, muitas vezes me pego dando corda no relógio do passado. Fico
emocionada com passagens que o tempo não conseguiu apagar e com lembranças vivas
que teimam em não adormecer.

(Texto baseado na entrevista feita com a sra. Jandira Teixeira dos Santos, 80 anos.)
Professora: Marisa de Carvalho Pacci
Escola: E. M. E. F. E. I. Professora Hermínia Rodrigues Mafra • Cidade: Uchoa – SP

Nenhum comentário: