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sexta-feira, 10 de agosto de 2012

A princesa dos campos - Aluna: Andressa Cristina Carneiro

A vida em Tatuí sempre foi muito tranquila, ainda mais para mim, que sempre vivi num
pequeno sítio do bairro dos Mirandas.
Minha casa era uma construção bastante antiga, do tempo dos escravos, ainda feita de
sapé e barro.
Papai, nessa época, trabalhava numa lavoura de algodão, uma imensidão de terras cobertas
por um branco sem fim, que pareciam mesmo campos repletos de neve.
Nessa época, tudo era mais difícil. Além de ajudarmos na lavoura, tirávamos água do
poço para nossas atividades domésticas. O banheiro ficava fora, era uma latrina: no chão,
assim rústica, um buraco, onde cada “passeio” era uma excitação mental extraordinária.
A cada dia, o passeio até o banheiro era uma surpresa diferente, mas havia sempre uma
especial: Josué, que estava sempre lá. Ele era alegre, cantava sem parar, me fazendo companhia
e afastando a magia fantasmagórica das trevas noturnas.
E antes que eu esqueça... preciso lembrar que Josué era um sapo, muito grande, verde,
de olhos esbugalhados. Por muito tempo foi meu amigo mais fiel, até que conheci um novo
mundo – o da escola.

Como nosso bairro era muito pequeno, não tinha escola, e os patrões de meu pai achavam
importantíssimo que eu tivesse estudo. Assim, decidiram que meu pai me levaria todos
os dias de carroça para a cidade e eu achava tudo isso a mais incrível aventura, como as das
novelas do rádio, que ouvíamos na época.
Sentia-me como uma princesa ou uma heroína do velho oeste em cima da velha carroça,
recoberta com um pelego bastante quente, que nos dias de frio me aquecia e nos de
calor me acalorava ainda mais.
O primeiro dia na escola foi algo bastante incomum, todos se conheciam, pois, como
diziam, moravam na cidade, e eu... com meus pés sujos de terra vermelha, roupas simples,
sem uniforme, e uma sacolinha de pano, onde levava a minha merenda: pão feito pela minha
mãe, recheado com banana, e o mais puro leite numa garrafinha de vidro.
Transformei-me logo no alvo da risada de todos, eles não compreendiam que eu vinha de
longe e que tudo isso era o melhor que podia ser conferido a nós que morávamos no sítio.
Estava deslocada, um passarinho fora da gaiola. A professora d. Lígia, vendo-me acuada,
tratou logo de reverter a situação, acolheu-me como mãe. Contou que também morava
num sítio e pediu-me um pouco do meu lanche e o saboreou como um banquete.
Por um momento, foi como se o mundo tivesse parado, todos atordoados com os acontecimentos.
Nem podiam acreditar, pois a professora que nunca mostrava afeição por ninguém
estava bem ali do meu lado, como uma velha e querida amiga.
Desse dia em diante todos passaram a me respeitar, não mais me esquecia de chegar à
cidade e limpar os pés, trocar os sapatos e escondê-los na árvore defronte da escola para
que nunca mais meu lugar ficasse cheio da terra vermelha, terra de que tanto me orgulhava
no caminho feito de carroça conduzida por papai, com o dia claro ou com as luzes dos velhos
lampiões a gás.

(Texto baseado na entrevista feita com a sra. Bernadete Poles André, 58 anos.)
Professora: Arethuza Barbosa Cirineu
Escola: E. M. E. F. Professora Lígia Vieira de Camargo Del Fiol • Cidade: Tatuí – SP

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