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quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

O Diário de Anne Frank [parte 13]

Quinta-feira, 3 de Fevereiro de 1944
Querida Kitty:
Estamos à espera da invasão mais dia menos dia. Se
tu aqui estivesses, viverias, decerto, debaixo da mesma
ansiedade que nós ou, daí, talvez te risses desta gente que
parece quase maluquinha. Os jornais não falam doutra
coisa. As pessoas já não sabem o que hão de pensar. Lê-se:
"No caso de um desembarque dos Ingleses na Holanda as
forças alemãs defendê-la-ão, mesmo se para tanto,
for necessário inundar todo o país".
Publicam-se mapas em que as zonas em questão estão
sombreadas. Amsterdã está abrangida e já estamos a
pensar no que se há de fazer quando a água atingir um
metro de altura nas ruas. Ouve-se dizer:
-Como não se pode nem correr nem andar de bicicleta
temos de passar a vau.
-Talvez possamos nadar. Vestidos de fato de banho
e com capacetes de mergulhador, ninguém perceberá que
somos judeus.
-Disparate! Vejo as senhoras a fugir a nado quando
as ratazanas as morderem nas canelas.
(Claro, era um homem a fazer troça das mulheres.

Mas vamos a ver quem grita mais, se são eles ou nós!)
-Nós não conseguiremos salvar-nos com certeza.
O armazém está tão podre que a casa, ao primeiro impulso
da água, vai abaixo,
- Falando a sério: pronto! arranjaremos um barquinho e mais Não é preciso! Cada um pega num
dos velhos caixotes
do açúcar do sótão e depois rema com uma colher
de cozinha.
- Eu vou atravessar sobre andas. Era campeão em
pequeno.
-O Henk van Santen não precisa de nada disso.
E se levar a sua Miep às costas, ela terá boas andas.
Agora podes fazer uma ideia, Kitty. Estas conversas
têm graça. Mas a realidade talvez venha a ser diferente.
Surge um segundo problema ligado ao desembarque. Que
vamos fazer se Amsterdã for evacuada pelos alemães?
-Vamos com eles, sem dar nas vistas.
-Não, de maneira nenhuma! Ficamos aqui, que ainda
é o melhor. Os alemães são capazes de nos obrigar a ir
para a Alemanha e depois não poupam ninguém!
-Está claro, ficaremos aqui. Ao menos estaremos mais
seguros. Temos de convencer Koophuis a vir também para
aqui com a família. Será preciso arranjar serrim para
podermos dormir no chão. A Miep e o Koophuis deviam
trazer já alguns cobertores. Só temos trinta quilos de farinha, não chegará para todos, é preciso
conseguir mais.
O Henk talvez possa arranjar legumes secos. Temos trinta
quilos de feijão e cinco quilos de ervilhas em casa e ainda
cinquenta latas de legumes de conserva.
-Mãe, não será melhor fazer um balanço aos víveres?
-Bem: dez latas de peixe, quarenta de leite, cinco quilos
de leite em pó, três garrafas de azeite, quatro frascos
de manteiga e quatro de carne, quatro frascos de morangos,
dois garrafões de sumo e vinte de puré de tomate, cinco
quilos de flocos de aveia, quatro quilos de arroz. Eis
tudo!
-Não é nada mau. Mas se quisermos alimentar as
visitas e se só tivermos isto para comer, não parece que
seja muita coisa. Carvão e lenha ainda temos que chegue;
velas também. Era bom que cada um tivesse já um saquinho
de pendurar ao pescoço para levar o dinheiro, se for
preciso.
-Acho que devíamos fazer listas daquilo que, em caso
de fuga, faz mais falta e devíamos já encher as mochilas.
Depois duas pessoas deviam estar de guarda, uma na
mansarda, outra no sótão.
- Mas para que nos vão servir os víveres se não tivermos
nem gás, nem água, nem eletricidade?
Cozinhamos no fogão da sala. Filtramos a água e fervemo-la. Havemos de limpar uns garrafões
para ter sempre alguma água.
Estas conversas ouço-as todo o santo dia. Invasão
para disputa aqui, para invasão acolá!
sobre a morte pela fome, sobre bombas, sacos de dormir,
bombas incendiárias
certificados de judeus, gases venenosos e assim por
diante.
Para te dar uma ideia mais nítida das preocupações
constantes da gente do anexo, vou reproduzir-te uma
conversa com o Henk.
Anexo: Estamos com medo de que os alemães, numa
eventual retirada, levem toda a população com eles.
Henk: Impossível. Não têm comboios que cheguem.
Anexo: Comboios? Mas o senhor pensa que eles vão
levar a gente de comboio? Nem pensar nisso! Fazem-nos
mas é andar à pata. "per pedes apostolorum, costuma
dizer o Dussel a cada passo).
Henk : Não creio. Vocês são pessimistas de mais
que vantagem teriam eles em arrastar assim toda a população?
Anexo: Sabe o que disse Goebbels: se tivermos que
retirar, fecharemos atrás de nós todas as portas dos países
ocupados.
Henk: Oh! Já disseram tanta coisa!
Anexo: Pensa que os alemães são demasiado nobres ou
humanitários para agir assim? Logo que lhes cheire a
perigo, hão de arrastar consigo tudo o que encontrarem
pelo caminho.
Henk: Digam o que quiserem. Eu não acredito.
Anexo : É sempre a mesma coisa. As pessoas só veem
o perigo depois de o terem experimentado no seu
próprio corpo.
Henk: Mas nada se sabe de positivo. Tudo isso são
apenas hipóteses.
Anexo: Mas já passamos por tudo isso, primeiro na
Alemanha, depois aqui. E não vê o que estão a fazer na
Rússia?
Henk: Esqueçam-se, por um instante, do problema dos
judeus. Ninguém sabe o que se está a passar no Leste.
Se calhar a propaganda russa e inglesa exagera tanto
como a alemã.
Anexo : Não pode ser. A rádio inglesa tem dito sempre
a verdade. Mas, supondo mesmo que há exageros, os fatos conhecidos já são bastante
eloquentes. Não pode
negar que os alemães estão a matar e a gasear milhões de
inocentes na Polônia e na Rússia, não é verdade?
Não te vou maçar com mais conversas. Faço os possíveis
para me conservar calma e para não me preocupar. Já
cheguei a um ponto em que me é indiferente viver ou
morrer. O Mundo não parará por causa de mim, e eu,
pela minha parte, não posso também fazer parar os acontecimentos. Venha o que vier.
Entretanto, estudo e trabalho e tenho esperança de que tudo acabará em bem.
Tua Anne.

Sábado, 12 de Fevereiro de 1944
Querida Kitty:
O Sol brilha, o céu é de um azul intenso, sopra um vento
maravilhoso, e eu... eu tenho saudades. Saudades... de
tudo, da liberdade, dos amigos. Saudades de poder desabafar
e... de estar só comigo. Ai!, se pudesse chorar à
vontade, uma vez só que fosse. Queria aliviar o meu
coração, queria chorar para me sentir melhor, mas sei que
não pode ser. Estou irrequieta, ando de um quarto para
o outro, ponho-me por trás da janela fechada e procuro
respirar o ar de lá de fora através das frinchas, sinto o
coração a bater como se me estivesse a pedir : satisfaz o
meu desejo!
Creio que a culpa é da Primavera. Sinto-a despertar
em todo o meu corpo e em toda a minha alma. Tenho de
fazer esforços para me conservar calma, sinto uma grande
confusão, não consigo ler, nem escrever, nem fazer seja
o que for. Só sei que tenho saudades.
Tua Anne.

Domingo, 13 de Fevereiro de 1944
Querida Kitty:
De ontem para hoje muita coisa se tem modificado
. Ontem estava cheia de saudades e ainda estou, em
mim a satisfação já não é a mesma coisa. Hoje de
manhã notei que tudo era diferente. Mas... notei
com satisfação, digo-o com toda a franqueza, o Peter
não tirava de mim os olhos. Não olhava para mim
como de costume, era diferente, não sei dizer nem escrever
como. Sempre pensei que o Peter gostava mas era da
Margot, e agora senti que não é nada disso. Durante todo
o dia não olhei muito para ele, pois sempre que o encarava
ele estava a olhar também. Invadia-me então uma sensação
maravilhosa. Bem sei que isso não está certo, que não
deve repetir-se muitas vezes. Queria tanto estar só! O
Peter já percebeu que estou diferente, mas não lhe posso
contar tudo! "Deixem-me em paz", gostava de lhes gritar a
todos. Mas, quem sabe, talvez ainda venha um dia em que estarei mais só do que é meu desejo.
Tua Anne.

Segunda-feira, 14 de Fevereiro de 1944
Querida Kitty:
No domingo, à noite, estavam todos a ouvir na rádio
o programa "Música imortal dos mestres alemães", só o
Pim e eu é que não. O Dussel estava constantemente a
mexer no botão do aparelho. O Peter ficou aborrecido com
isso, e os outros também. Depois de uma meia hora, o
Peter, que já estava muito nervoso, pediu ao Dussel, num
tom irritado, que acabasse com aquilo. O Dussel respondeu
meio condescendente, meio desdenhoso :
-Eu bem sei o que estou a fazer.
O Peter enfureceu-se, seu pai deu-lhe razão e o Dussel
não teve outro remédio senão ceder. Foi tudo. Não era
coisa de importância mas, pelos vistos, o Peter ficou muito
aborrecido porque quando eu, hoje de manhã, andava a
remexer no caixote dos livros, no sótão, ele começou a
contar-me tudo. Até então eu nem sequer sabia que tinha
havido alguma coisa, e o Peter, como compreendeu que
eu ouvia com interesse, entusiasmou-se.
-Repara - disse-, eu fico quase sempre calado, porque
sei de antemão que não sou capaz de me exprimir bem.
Desato a gaguejar, coro e digo muitas vezes o que não
queria. Por fim desisto por não encontrar as palavras
certas. Assim aconteceu ontem. Queria dizer uma coisa
mas, mal tinha começado, fui perdendo o sangue-frio.
Isto é horrível. Antigamente tinha um mau costume mas,
por vezes, ainda hoje, preferia fazer o mesmo. Quando
me zangava com alguém, em vez de discutir, servia-me
dos meus punhos. Bem sei que não é bom método e, por
isso, é que te admiro. Tu sabes falar bem, dizes sempre a
toda a gente o que tens a dizer e não te acanhas.
-Estás enganado-respondi-, quase nunca digo o que queria dizer. E falo de mais, parece que
nunca mais acabo,
e isto também é mau.
Cá no meu íntimo estava a rir-me de contente, mas
não queria que ele soubesse, pois há muito desejava que
ele me falasse de si. Sentei-me confortàvelmente no chão
numa almofada, cruzei os braços, apoiei o queixo nos
joelhos e olhei para ele. Toda eu era atenção.
Estou radiante por haver alguém nesta casa, que
, consegue enraivecer-se como eu. Via-se bem que o Peter
se sentia aliviado ao criticar o Dussel com expressões fortes
sem ter medo de que eu o denunciasse. E eu, enfim, achei
aquilo estupendo, porque senti renascer em mim o autêntico
sentimento de camaradagem que antigamente
experimentava junto das minhas amigas.
Tua Anne.

Quarta-feira, 16 de Fevereiro de 1944
Querida Kitty:
A Margot faz anos. Ao meio-dia e meia hora veio o
Peter para ver as prendas e, contra o costume, ficou bastante tempo. à tarde fui buscar um pouco
de café e também batatas porque achava que a Margot neste dia devia
ser bem tratada. O Peter, ao ver-me passar pelo seu quarto,
tirou logo todos os seus papéis da escada e eu perguntei-lhe
se queria que fechasse o postigo.
-Está bem - disse ele - e, quando voltares, bate que
eu abro imediatamente. Agradeci-lhe e subi. Durante dez
minutos andei a remexer no barril para escolher as batatas
mais pequenas. Depois senti dores nas costas, de estar
tanto tempo curvada, e também senti frio. Não bati, abri
o postigo sozinha. Mas o Peter veio a correr imediatamente para pegar no panelão.
- Andei muito tempo à procura mas não encontrei
batatas mais pequenas - disse eu.
- Viste no barril grande?
- Vi. Remexi-o todo com a mão.
Eu estava agora ao pé da escada e ele olhou, com ar
de quem percebe, para dentro da panela que segurava
na mão. Depois entregou-ma e disse :
- São boas, são ótimas.
E, ao dizê-lo acariciou-me com um olhar tão quente
e tão suave que toda eu me senti por dentro quente e
suave. Compreendi que ele quis ser amável para comigo.
Mas como não sabe fazer grandes discursos, pôs todos os
seus pensamentos no olhar.
Que bem que eu o compreendi! E estava-lhe grata de
todo o meu coração. Ainda agora me sinto contente ao
reviver as suas palavras e o seu olhar.
Quando voltei, a mãe disse que as batatas não chegavam
para o jantar. Ofereci-me logo para subir novamente.
Ao entrar no quarto do Peter pedi desculpa por incomodá-lo
novamente. Levantou-se, pôs-se entre a parede
e a escada e quis, a toda a força, reter-me.
-Agora vou eu ao sótão - disse.
Respondi que não era preciso, que eu não ia escolher
outra vez as batatas mais pequenas. Convenceu-se e soltou-me.
Quando voltei, abriu a fresta e pegou na panela.
Ao sair da porta perguntei-lhe :
- Que estás a fazer?
- Francês - respondeu.
Perguntei se me deixava ver. Lavei as mãos e sentei-me
à sua frente, no divã.
Depois de eu lhe ter explicado algumas coisas, começamos
a conversar. Contou-me que mais tarde, queria ir
trabalhar para as plantações na índia Holandesa. Falou
também da sua vida em casa, do mercado "negro" e, por
fim, disse que era um inútil. Respondi-lhe que ele tinha
mas era um forte complexo de inferioridade. Depois falou
dos judeus. Achava mais cómodo se pudesse ser cristão
e gostava de o ser depois da guerra. Então eu quis saber
se tinha a intenção de se baptizar depois da guerra, mas ele
disse-me que, afinal, não queria, porque depois da guerra
ninguém saberia se ele era cristão ou judeu. Esta atitude
fez-me doer, por um momento, o coração. É pena haver
nele sempre um pedacinho de desonestidade.
Falamos ainda de meu pai, de conhecimentos humanos
e de outras coisas mais. Só o deixei às quatro e meia.
à noite disse-me ainda uma coisa bonita sobre o retrato
de uma "estrela" do cinema que lhe dei uma vez e que tem
pendurado, há para aí ano e meio, no quarto. Como tinha
gostado tanto, ofereci-lhe mais retratos de "estrelas" de
cinema.
- Não - disse ele-, não me dês mais. Prefiro olhar só
para aquela todos os dias, porque já se tornou para mim
uma amiga.
Agora compreendo porque é que ele anda sempre com
o Mouchi ao colo. Tem necessidade de carinho.
mais um assunto em que falou, quase me ia esquecendo.
- Não sei o que é medo - disse - a não ser quando estou
doente. Mas mesmo isto há de passar.
O seu complexo de inferioridade é muito grande.
Pensa que é estúpido e que nós somos inteligentes. Quando
lhe dou uma ajuda no francês, agradece-me mil vezes.
Hei de dizer-lhe qualquer dia:
- Deixa-te disso. Em compensação sabes muito mais
inglês e geografia do que eu.
Tua Anne.

Sexta-feira, 18 de Fevereiro de 1944
Querida Kitty:
Sempre que vou lá para cima é com a ideia de o ver
a "ele". A minha vida agora é mais bela porque tem de
novo um sentido e todos os dias me espera uma alegria.
E, ao menos, o objeto da minha amizade encontra-se
sempre nesta casa, não tenho de recear rivais (com exceção
da Margot). Não julgues que estou apaixonada. Não é
bem isso. Mas sinto que entre mim e o Peter ainda se
desenvolverá algum sentimento muito belo, que fará de
nós amigos e confidentes. Sempre que posso, vou ter com
ele. Agora já não é como dantes quando ele não sabia o
que me havia de dizer. Pelo contrário: já estou a sair
da porta e ele ainda a falar.
A mãe não vê com bons olhos que eu vá tantas vezes
lá para cima. Disse que eu não devia incomodar o Peter,
que o devia deixar em paz. Não compreende ela que se
trata da minha vida íntima? Sempre que vou ao quarto
dele, ela olha-me de um modo estranho. E quando volto
pergunta-me de onde venho. Não suporto isto, acho
detestável.
Tua Anne.


Sábado, 19 de Fevereiro de 1944
Querida Kitty:
Já é outra vez sábado e sabes o que isto quer dizer.
De manhã houve silêncio. Ajudei um bocado mas com
"ele" só falei de fugida. às duas e meia fui com um cobertor
para o escritório particular, para poder ler ou escrever na
escrivaninha com calma. Passado pouco tempo eu não
podia mais: enterrei a cabeça nos braços e comecei a chorar.
As lágrimas corriam, sentia-me muito infeliz. Ai! Se "ele"
tivesse ido consolar-me! Eram quatro horas quando voltei
cá para cima. Tive de ir buscar batatas e pensei que ia agora
encontrá-lo. Mas enquanto eu dava um jeito ao cabelo,
no quarto de banho, ouvi-o descer com o Boschi ao
armazém.
Chorei outra vez e fugi para o W.C. levando ainda
comigo o espelho de cabo: Aí fiquei, muito triste, e o meu
avental vermelho encheu-se de manchas de tantas lágrimas.
-Assim não chego a cativá-lo - pensei.-Se calhar, ele
nem se importa comigo nem tem nenhuma necessidade
de se abrir e se confiar. Pensará ele em mim de uma maneira
superficial? Só me resta seguir o meu caminho, sozinha
sem o Peter. De novo sem esperança e sem consolo.
Gostava de encostar, ao menos uma vez, a cabeça no
seu ombro, para não me sentir tão desesperada e tão só.
Talvez ele me não ache nada de especial e olhe para os
outros do mesmo modo simpático. O seu olhar quente
e suave só terá existido na minha imaginação? Oh, Peter,
se me pudesses ouvir ou ver! Mas eu não podia suportar
uma verdade que me desiludisse.
Enquanto nos meus olhos ainda havia lágrimas, já
no meu íntimo surgia uma nova esperança.
Tua Anne.

Domingo, 20 de Fevereiro de 1944
Querida Kitty:
Nós fazemos ao domingo o que a outra gente faz à
semana. Enquanto os outros andam a passear, todos catitas,
andamos nós a tratar das limpezas.
Oito horas: sem consideração pelos dorminhocos, o
Dussel levanta-se. Vai ao quarto de banho, depois desce,
volta para cima e lava-se durante uma hora.
Nove e meia: Abrimos as cortinas, acendemos os fogões
e os van Daans lavam-se.
Dez e um quarto: Os van Daans estão a assobiar.
O quarto de banho está livre. Os nossos dorminhocos
levantam-se. Andam depressa de um lado para o outro.
Sucessivamente, a Margot, a mãe e eu, a fazermos as
nossas abluções. Está um frio de rachar, e ainda bem que
temos calças compridas. O pai é o último a lavar-se.
Onze e meia: pequeno almoço. Nem quero falar disso.
Já basta ouvir falar tanto de comida nesta casa.
Meio-dia e um quarto: cada um faz o que lhe apetece.
O pai, vestindo uma bata, anda de joelhos a escovar o tapete
e fá-lo com tanto entusiasmo que todo o quarto fica envolto
numa nuvem de pó. O Dussel vira a cama dele e
assobia o concerto de violino de Beethoven. Ouvem-se os
passos da mãe no sótão. Estende a roupa lavada. O sr. van
Daan põe o chapéu na cabeça e desaparece para o andar
de baixo; o Peter, com o Mouchi ao colo, quase sempre
vai também. A sra. van Daan põe um avental comprido,
veste um colete de lã preta, calça as galochas, envolve a
cabeça num grosso xaile vermelho, pega numa trouxa
de roupa e despede-se com uma vénia muito bem ensaiada.
A Margot e eu lavamos a louça e arrumamos o quarto.
Tua Anne.

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