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sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Os Bruzundangas - Lima Barreto [parte 32]

Durará dois anos este curso e conferirá, ao aluno que o terminar, o
grau de doutor em artigos de armarinho e boas maneiras.
Semanalmente, haverá duas aulas gerais, cuja frequência será obriga-
tória aos alunos de todas as aulas; a de dança e a de coisas de carnaval.
Eis aí como, em linhas gerais, iria ser, conforme me disseram, a
Academia Comercial da Bruzundanga.

XVIII
A religião

SEGUNDO afirmam os compêndios de geografia do país, tanto os
nacionais como os estrangeiros, a religião dominante é a católica apostólica
romana; entretanto, é de admirar que, sendo assim, a sua população,
atualmente já considerável, não seja capaz de fornecer os sacerdotes, quer
regulares, quer seculares, exigidos pelas necessidades do seu culto.
Há muitas igrejas e muitos conventos de frades e monjas que, em
geral, são estrangeiros.

Não há mais que dizer sobre tão relevante assunto.
XIX
Q. E. D.

ANIMADO pela alta e dignificadora curiosidade de estudar o meca-
nismo administrativo da República da Bruzundanga, voltei, em certa ocasião,
as minhas vistas para o exame das funções, de secretário de Ministro,
cujas responsabilidades sempre me disseram ser grandes e que, de longe,
parece ser de importância transcendente. Dou aqui o resultado parcial dos
meus estudos, observando-lhe o serviço sobre-humano, e por demais inte-
lectual, nas passagens mais características do exercício do seu cargo.
O secretário, como verão, é um funcionário indispensável ao complexo
funcionamento do aparelho governamental da Bruzundanga. Imaginem só o
seguinte caso que prova a contento do mais exigente o que afirmo.
Um dia, ao gabinete de um tal Ministro da Bruzundanga, foi ter um
industrial, pedindo-lhe que fosse visitar a sua fábrica que estava inaugu-
rando uma nova indústria no país.
Ficava longe, cinco léguas de Bosomsy; e, para se ir ter lá, era preciso
tomar a barca muito cedo, muito mesmo, às seis horas, ou antes, da
manhã.
O ministro tinha já concordado em ir, quando, da sua mesa respeito-
samente pequena, o secretário ergueu-se e lembrou:
-- Vossa Excelência não pode apanhar o orvalho da manhã.
-- Homem, é verdade! fez o ministro.
Se não fosse a memória pronta do secretário e a sua dedicação à
causa pública quantas ocorrências graves não iriam perturbar a marcha
das cousas governamentais, se o ministro, com a imprudência que ia fazer,
apanhasse um resfriado qualquer? Quantas? Um defluxo, papéis atrasados,
terremotos, pestes, inundações, etc.
Graças a Deus, porém, a gente da Bruzundanga inventou o ofício de
secretário de Ministro que é capaz, a tempo, de evitar tantas desgraças...
Continuemos a demonstração. Creio que as aranhas, tanto as daqui
como as da Bruzundanga, não têm em grande conta o cargo de Ministro
de Estado. É de lastimar que insetos de tanto talento desconheçam a
importância de tão sublimado bímano; entretanto, não está nos poderes
humanos obrigá-las a respeitar o que respeitamos, senão devíamos fazê-lo,
para que tais aracnídeos não procedessem como um deles procedeu irreve-
rentemente com um ministro da Bruzundanga.
Caso foi que uma aranha comum, totalmente despida de qualquer
notoriedade entre as aranhas, completamente sem destaque entre as suas
iguais, teve o desaforo de pôr-se a tecer a sua teia no próprio teto do
gabinete de um Ministro da Bruzundanga e bem por cima de sua majes-
tosa cadeira.
Houve, quando o trabalho ia adiantado, não sei que espécie de cata-
clismo, próprio ao universo das aranhas; e, tão forte foi ele, que um bom
pedaço de labor do engenhoso articulado veio a cair em cima da sobre-
casaca da poderosa autoridade da República da Bruzundanga.
Apesar do seu imenso poder e da sua forte visão de seguro guia de
povos, o grave Ministro não deu conta do desrespeito -- involuntário, é
verdade, mas desrespeito -- de que acabava de ser objeto, por parte de
uma miserável aranha, hedionda e minúscula.
Mas, não dando pelo fato, tratou de tomar o coupé para ir ao despa-
cho coletivo, levando tão estranha condecoração(?) nas costas, quando o
secretário, chapéu na mão, todo mesuroso, pedindo licença, tirou a prova
da indignidade do bichinho das vestes do seu amo. E ele já entrava no
carro!...
Suponhamos que tal não se tivesse dado, isto é, que o ministro entrasse
para o alto sínodo cuja presidência competia ao Mandachuva, com aquele
evidente atestado de relaxamento.
Que pensaria o Supremo da Bruzundanga? Naturalmente, penso eu,
que os negócios da pasta que lhe havia confiado, mereciam-lhe o mesmo
cuidado que a sua sobrecasaca.
Ah!, Os secretários de Ministro! Como são úteis!
Além desses préstimos tão relevantes de que eles não se poupam, ainda
por cima são às vezes mártires. Duvidam? Pois vou provar-lhes como é
verdade.
O deputado Fur-hi-Bhundo tinha um pedido a outro Ministro da Bru-
zundanga. Este por qualquer motivo não lhe pôde servir e atendeu a
outro "pistolão". Sabedor da coisa, Fur-hi-Bhundo voou que nem uma
frecha para a respectiva Secretaria de Estado.

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