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segunda-feira, 23 de setembro de 2013

O Bruzundangas - Lima Barreto [parte 11]


Da outra nobreza, tratarei mais tarde, deixando de lado as meninas das Escolas Normais, com os seus bonés de universidade americana, e os bacharéis em letras da Bruzundanga, porque lá não são considerados nobres,
Entretanto, as primeiras têm um anel distintivo que parece uma montra de joalheria, pela quantidade de pedras que possui; e os últimos anunciam o seu curso com uma opala vulgar. Ambos esses formados são lá considerados como falsa nobreza.

III
A outra nobreza da Bruzundanga

NO artigo precedente, dei rápidas e curtas indicações sobre a primeira espécie da nobiliarquia da República da Bruzundanga. Falei da nobreza doutoral. Agora vou falar de uma outra mais curiosa e interessante.
A nobreza dos doutores se baseia em alguma cousa. No conceito popular, ela é firmada na vaga superstição de que os seus representantes sabem; no conceito das moças casadoiras é que os doutores têm direito,
pelas leis divinas e humanas, a ocupar os lugares mais rendosos do Estado; no pensar dos pais de família, ele se escuda no direito que têm os seus filhos graduados nas faculdades em trabalhar pouco e ganhar muito.
Enfim, em falta de outra qualquer base, há o tal pergaminho, mais ou menos carimbado pelo governo, com um fitão e uma lata de prata, onde há um selo, e na tampa uma dedicatória à dama dos pensamentos do
gentil cavalheiro que se fez doutor.
A outra nobreza da Bruzundanga, porém, não tem base em cousa alguma; não é firmada em lei ou costume; não é documentada por qualquer espécie de papel, édito, código, carta, diploma, lei ou o que seja. Foi por
isso que eu a chamei de nobreza de palpite. Vou dar alguns exemplos dessa singular instituição, para elucidar bem o espírito dos leitores.
Um cidadão da democrática República da Bruzundanga chamava-se, por exemplo, Ricardo Silva da Conceição. Durante a meninice e a adolescência foi conhecido assim em todos os assentamentos oficiais. Um belo
dia, mete-se em especulações felizes e enriquece. Não sendo doutor, julga o seu nome muito vulgar. Cogita mudá-lo de modo a parecer mais nobre.

Muda o nome e passa a chamar-se: Ricardo Silva de la Concepción. Publica o anúncio no Jornal do Comércio local e está o homem mais satisfeito da vida. Vai para a Europa e, por lá, encontra por toda a parte príncipes,
duques, condes, marqueses da Birmânia, do Afganistão e do Tibete. Diabo! pensa o homem. Todos são nobres e titulares e eu não sou nada disso.
Começa a pensar muito no problema e acaba lendo em um romance folhetim de A. Carrillo, -- nos Cavalheiros do amor, por exemplo – um título espanhol qualquer. Suponhamos que seja: Príncipe de Luna y Ortega.
O homem diz lá consigo: "Eu me chamo Concepción, esse nome é espanhol, não há dúvida que eu sou nobre"; e conclui logo que é descendente do tal Príncipe de Luna y Ortega. Manda fazer cartões com a coroa fechada de  príncipe, acaba convencido de que é mesmo príncipe, e convencendo os  seus amigos da sua prosápia elevada.
Com um destes que se improvisou príncipe assim de uma hora para  outra, aconteceu uma anedota engraçada.
Ele se chamava assim como Ferreira, ou cousa que o valha. Fez uma  viagem à Europa e voltou príncipe não sei de quê.
Foi visitar as terras dos pais e dos avós que estavam abandonadas e entregues a antigos servidores.
Um dos mais velhos destes, veio visitá-lo arrimado a um bastão que escorava a sua grande velhice. Falou ao homem, ao filho do seu antigo  patrão como falara ao menino a quem ensinara a armar laços e arapucas.
O novel príncipe formalizou-se e disse:
-- Você não sabe, Heduardo, que eu sou príncipe?
-- Quá o quê, nhonhô. Vancê não pode sê príncipe. Vancê não é fio de imperadô, cumo é?
O recente nobre, ci-devant Ferreira, estomagou-se e não quis mais conversas com aquele velho decrépito que tinha da nobreza ideias tão caducas. Não lhe deu mais trela.
Essa improvisação de títulos se dá pelas formas as mais estranhas.
Um rapaz de certos haveres, cujo pai mourejera muito para arranjar alguns cobres, foi um dia para o estrangeiro, bem enroupado, com algumas libras no bolso. Fora das vistas paternas e sentindo longe a hipocrisia da Bruzundanga, meteu-se em todas as pândegas que lhe passou pela cabeça.
Uma noite, em que estava cercado de damas alegres, em uma mesa  de café cantante, uma delas deu na telha de tratá-lo de marquês. Era senhor marquês, para aqui; senhor marquês para ali.
O rapaz espantou-se a princípio, mas com o calor da conversa e a  insistência da dama, ele perguntou ingenuamente:

-- Mas eu sou marquês?
-- É -- disse a dama galante.
-- Como?
-- Vou já mostrar ao senhor marquês. Dê-me vinte francos e os
nomes de seus pais, que já lhe dou a prova.
Ele assim fez e, dentro de vinte minutos, o rapazola recebia a sua árvore genealógica, donde se concluía que descendia dos marqueses de  Libreville.
A vista de tão poderoso documento, o cidadão que partira da Bruzundanga simplesmente chamando-se Carlos Chavantes (E uma hipótese), voltou da estranja com o altissonante título de Marquês de Libreville. O pai
continuou a chamar-se Chavantes; ele, porém, era marquês. O' manes de d'Hozier!

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