Vestida de Fogo - Rosilda da Silva

Saudade é a presença de uma ausência que não queremos longe da gente, pois a alma humana é essencialmente ativa e por isso propensa à partilhas. É o partilhar de uma dança com o outro, ou da música com a alma liberando sensações que fazem os olhos brilhar. Partilham-se fragilidades, sensibilidades e liberdades.

Saudade é a falta que dói, como um espinho furando o peito,  querendo trazer pelo buraquinho que ficou aquele quase nada, que uma enorme diferença faz.  Saudade é também aquele momento em que percebemos que não importa o que acontece do lado de fora, pois o mundo mora dentro da gente.  Traz registros e digitais que só o lirismo entende  e que o mundo de fora jamais compreenderá.

A minha saudade não é o frio "to miss" porque eu sou mais quente que isso.  A minha  saudade não é branquinha, pois sou pele vermelha. Mas, minha saudade é faceira porque se inquieta; é matreira porque inventa subterfúgios; é perversa porque quer o que não lhe pertence e é de leite porque alimenta meus deleites. (Semi-desnatado, por favor)!  

Aliás, que "saudade" de deitar em meus deleites e cadenciar meus prazeres...  

Ih, esqueci.  Essa palavra (saudade) dita em tua direção parece te perturbar. Sei que preferes dizer que o que sentimos não é saudade, é vontade acumulada. Guardarei, pois, todas as minhas saudades, a faceira, a matreira e a perversa, sossega-te! Não deixarei que elas te inquietem o espírito.  Por mais que o queira bem inquieto!

Mas, por que te escondes assim do que também queres?  Acaso te fiz sofrer?  Te magoei?  Fui invasiva quando não deveria?  Ou são nossas diferenças que o mantém sob vigilância?   Benzinho,  não te amarres novamente ao concreto que te levou para o fundo mar.  Nem erga muralhas muitos altas, daquelas quase intransponíveis, sou baixinha, lembra?!  Posso em uma tentativa de escalada, cair e me machucar.  Sei também que isso não queres.  Sempre gostaste tanto de minha pele macia, sedosa e sem limites algum para o imaginário.

            Mas, já que consegui fazer com que nascessem sorrisos, olhares, abraços e desejos pra mim, quero eles, todinhos meus e sem reservas.   Quero despertar meu lado indígena na seara de tuas curiosidades e vontades.  Eu, feito índia, fêmea em corpo e espírito, natural, como a água, a terra, o ar e o fogo. Uma índia pra ti, vestida só de fogo. Pra arder a pele, os pés, as coxas e o peito. Pra arder desde as mãos até as entranhas mais intimamente escondidas. 

Quero meu lado índia em contato com tua natureza animal. Galopar em teus desejos e sentir tocar as nuvens.  Mas, enquanto não nos pintamos pra guerra, quero também teu colo, a pontinha dessa orelha e esses lábios ávidos que me esperam, mas é preciso que também queiras para que essas querenças fiquem mais gostosas. Teu lado homem é uma delícia, quero tê-lo outra vez, carente e carinhoso, gentil e cuidadoso, ousado e encantador. Tua metade cavalo, que anseia por ser despertada novamente me deixa arrepiada ao lembrar... Minha gula está sempre querendo mais. Mais da tua poesia, do teu acento profícuo, do jorro que fartamente lanças em mim.

Minhas fomes de extravagâncias são saciadas apenas contigo e por isso não esperes que te ofereça apenas meus sorrisos. Assim como cai a noite todos os dias; estejas certo, tranquilidade e calmaria ou quimera e devassidão é o que terás em meu corpo todo,  junto com o agridoce dos preparos que trago e te esperam receber. Traga teu apetite, venhas com tempo e te preparas para o banquete que na melhor das horas te servirei. Desfrutaremos ambos do que somente a nós pertence...

E por fim, nos lambuzaremos de leite e mel; sem nem sequer sabermos o que de mim saiu ou de ti escapou.  Só que brincadeiras pra serem boas precisam de companhia. Brincar sozinha não tem graça.  Não demores, te espero!