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sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Poemas e Cartas a um Jovem Poeta - Rilke

Citações
"...um bom filósofo não ser também um poeta é tão difícil quanto um bom poeta não ser também filósofo". [7]

"Ao que diz a lenda, a bondade via-se no país cada vez mais débil, e a maldade cada vez mais forte..." [8]


"...quando fala alguém maior e único, é melhor que se calem os pequeno". [12]


"traduzir não é cingir-se à pura troca de palavras; é necessário manter o movimento interior, o ritmo e a música do original, sem o quê seria substituir um corpo vivo por uma imagem de cera, um frio cadáver". [13]



Outonal

Morno é o ar, como na câmara ardente

já com a Morte à porta, em sentinela;
nos tetos úmidos palidamente
pousa um clarão agônico de vela.

A água da chuva chora na goteiras,

e as folhas mortas vão no vento, ao léu;
bando de becassinas viageiras,
tímidas nuvens cruzam o azul do céu  [23]



A Solidão

A solidão é como chuva.

Sobe do mar nas tardes em declínio;

das planícies perdidas na saudade
ela se eleva ao céu, que é seu domínio,
para cair do céu sobre a cidade.

Goteja na hora dúbia quando os beco

anseiam longamente pela aurora,
quando os amantes se abandonam tristes
com a desilusão que a carne chora;
quando os homens, seus ódios sufocando,
num mesmo leito vão deitar-se: é quando
a solidão com os rios vai passando...   [25]

Antes da Chuva de Verão

De súbito, no parque verdejante

algo desconhecido se revela:
sentimo-lo a rondar sob a janela,
em silêncio. Mais forte e mais constante

uma ave geme no capim rasteiro;

e São Jerônimo é lembrado - tão
cheia de sentimento e solidão
ressoa aquela voz, que o aguaceiro

atende. Os quadros e os muros das salas,

como que a não ouvir as nossas falas,
fazem na sombra a sua estranha dança;

e nas paredes, que a poeira encarde,

incerta se reflete a luz da tarde
em que a gente se assusta feito criança.   [44]

Sonetos a Orfeu - XVI/1

Tu, meu amigo, está só, sem ninguém...

Com palavras banais e acenos loucos
vamos tornando nosso o mundo, aos poucos,
talvez no que ele de mais frágil tem.

Quem pode apontar um perfume, a dedo?

Sentes mais a presença eterna e forte
que pesa sobre nós: sabes a Morte,
cuja fórmula mágica faz medo.

Melhor é ir logo as partes e os pedaços

juntando, e o Todo enfim ter entre os braços.
Difícil ajudar-te. E jamais tu

me plantes em teu peito: eu cresceria... 

A mão do Mestre quero todavia
guiar, dizendo: aqui, este é Esaú!   [56]

XVII/1


Em nós a pressa mora.

Mas do tempo ao passar 
tal bagatela ignora,
entre o que tem vagar!

Tudo que corre agora

em breve há de acabar:
só o que custa a demora
nos pode consagrar.

Jovem, procura e ousa

- não a velocidade,
o voo tentador...
não, pois tudo repousa
no Eterno: claridade
e sombra, livro e flor.   [57]

XXIV/2

...Que milenar dinastia somos! Mães e pais

trazem consigo na carne a criança futura
que um dia há de comover-nos, ousando ainda mais.

A nós, de imensa ventura, que tempo nos resta?

Somente a Morte conhece o que somos, e apura
o que tem sempre a lucrar pelo que nos empresta.   [62]

Peça Final

A Morte é grande.

Nós somos suas
bocas ridentes:
se fala a Vida por nossa voz,
Ela, atrevida,
soluça em nós.   [64]

"Via de regra as estações do ano se sucedem tão harmoniosamente em seus contrastes, que sempre deixam um ponto de apoio; mas desta vez não houve aviso de coisa alguma, como se se estivesse a folhear uma enciclopédia e continuasse a leitura em outra letra..."   [72]

"Tanto Rilke como Kafka, filhos da mesma cidade, abrasaram-se nas flamas de uma arte mórbida, inclinada a decifrar os hieróglifos do Destino, as charadas da Vida e da Morte".  [87]


"Quase tudo o que sucede é inexprimível e decorre num espaço que a palavra jamais alcançou".   [91]


"Para o criador nada é pobre, não há lugares mesquinhos e indiferentes. Mesmo num cárcere cujas paredes abafassem todos os ruídos do universo, não ficaria sempre a sua infância, essa preciosa, essa esplêndida riqueza, esse tesouro de recordações"?    [94]


"É necessário deixar cada impressão, cada germe de sentimento, amadurecer em si, na treva, no inexprimível, no inconsciente, - essas regiões herméticas ao entendimento. Espere com humildade e paciência a alvorada de uma nova luz.  Aos simples fiéis a Arte exige tanto como aos criadores".  [103]


"O tempo, neste caso, não é uma medida.  Um ano não conta, dez anos não representam nada.  Ser artista não significa contar, é crescer como a árvore que não apressa a sua seiva e resiste, serena, aos grandes ventos da primavera, sem temer que o verão possa não vir.  O verão há de vir. Mas só para aqueles que sabem esperar, tão sossegados omo se tivessem na frente a eternidade.  Aprendo todos os dias, à custa de sofrimentos que abençoo: a paciência é tudo".  [103]



"... a bela inquietação sobre a vida comove-me ainda mais do que em Paris, onde tudo soa diferente e se perde no ruído ensurdecedor que faz vibrar cada coisa. Aqui, em meio de uma natureza poderosa, açoitada pelos ventos do mar, sinto que a essas perguntas e a esses sentimentos que têm no subsolo uma vida imanente, nenhum homem poderá jamais responder".  [107]

"Esforce-se por amar as suas próprias dúvidas, como se cada uma delas fosse um quarto fechado, um livro escrito em idioma estrangeiro".  [108]


"É certo que as veredas de carne são difíceis, mas só difícil nos interessa".  [108]


"É bom estar só, porque a solidão é difícil.  Se uma coisa é difícil, motivo mais forte para a desejar.  Amar também é bom, poque o amor é difícil.  O amor de um ser humano por outro é talvez a experiência mais difícil para cada um de nós, o mais superior testemunho de nós próprios, a obra absoluta em face da qual todas as outras são apenas ensaios.  É por isso que os seres  bastante novos, novos em tudo, não sabem amar e precisam aprender.  [125]

"Um dia a moça existirá, a mulher existirá.  E estas palavras: "moça", "mulher", não significarão apenas o contrário de "homem", mas qualquer coisas de individual, valendo por si mesmo; não apenas um complemento, mas um modo completo de vida: a mulher na sua autêntica humanidade".  [130]


"As tristezas são autoras novas em que o desconhecido nos visita. A alma, assustada e temerosa, cala-se, tudo se afasta, faz-se uma grande tranquilidade e o incognoscível surge em silêncio".  [133]

"A ciência já teve muitas vezes de modificar as suas concepções sobre o movimento; assim nós teremos de aprender, pouco a pouco, que aquilo a que denominamos destino não vem de fora mas sim de nós próprios. Por não terem absorvido o seu destino quando este exclusivamente lhes pertencia, e por se não terem transformado ao seu contato, é que tantos homens não o reconhecem no instante em que lhes foge para se realizar. O destino parece-lhes então tão singular que, na sua perturbação, creem que lhes aparece pela primeira vez a ponto de serem capazes de jurar que jamais até então encontraram em si nada de igual. Assim como nos enganamos muito tempo sobre a marcha do sol, assim nos iludimos ainda sobre a marcha do futuro.  O futuro é fixo, nós é que estamos sempre em movimento no espaço limitado".   [134]

"O medo do sobrenatural não empobreceu somente a existência do indivíduo, mas ainda as relações de homem para homem, subtraindo-as ao rio das possibilidades infinitas para as colocar a salvo, em qualquer ponto seguro das margens.  Não é só devido à indolência que estas relações são indizivelmente monótonas e se reproduzem sem alternativas: é também porque o homem teme todas as novidades que não sente à altura de enfrentar e cujo epílogo é imprevisível. Só aquele que espera tudo, que não exclui nada, nem mesmo o mistério, viverá, como fazendo parte da vida".  [136]

"Não temos nada a recear. Fomos colocados na vida por ser a vida o elemento que mais nos convém".  [136]

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