Em uma pequena vila do interior, havia um homem chamado João Esganado. Trabalhava
em serviço pesado, braçal, carregando caminhões de madeira sem parar – a não
ser nas horas sagradas de refeição! Nessas oportunidades, João Esganado comia
por três, quatro pessoas, pedindo sempre uma sobremesa. Na madeireira, todos almoçavam
a boa distância de João Esganado, pois não bastasse o seu prato de montanha,
ainda sobrava espaço para espiar o prato dos colegas. O homem era incrível.
Certa vez, um vizinho de João Esganado, chamado Adão Roberge, resolveu
matar um porco que já estava na engorda há longa data. A idéia era fazer uma grande
feijoada no domingo seguinte, com direito a torresmo e tudo o mais. Como vários
eram os convidados, o vizinho obrigou-se a chamar João Esganado, por questão de
educação. A bem da verdade, se não fosse convidado, João Esganado daria um
jeito de participar daquele banquete. Seus olhos brilhavam com uma semana de
antecedência. A feijoada de Adão Roberge foi o assunto de João Esganado com os
companheiros de lida, que já não agüentavam mais aquela conversa. O homem era
incrível.
Pois chegou o dia da feijoada, marcada para o meio-dia. João Esganado,
que na véspera não dormira – e também não jantara-, chegou à casa do vizinho às
10h da manhã, perguntando a este se havia algum aperitivo para “forrar o
estômago”. O vizinho, despreparado, ofereceu uma laranja ao João Esganado, mas
este ficou ofendido! “Laranja eu como em casa!!”, gritou João. O homem
era incrível.
O esfomeado, não vendo muita cortesia por parte do vizinho, acabou por
encontrar um tacho cheio de torresmos, que bem lhe serviu para abrir o apetite.
A cozinheira protestava, mas não ousava chegar perto de João Esganado, tamanha
a fúria deste na “cumbuca” dos torresmos. Mais parecia um cachorro faminto
roendo o último osso do planeta. E era um olho no tacho de torresmo e outro na
panela da feijoada, para ver se não lhe logravam!
Chegou, finalmente, o momento tão esperado! Adão Roberge chamou a todos
para o banquete, lembrando de fazer uma oração antes de tudo. Tal oração quase
não saiu, pois o danado do João Esganado a interrompera, pedindo para rezar “só
o comecinho”. O homem era mesmo incrível.
Sentaram-se à mesa.
João Esganado, que perdia os modos por um prato de comida, babava perto
da panela de feijoada. Seus olhos estavam saltados. Naquele momento, todos eram
concorrentes do impaciente Esganado. Mais parecia uma vaca com cria nova. Ai de
quem chegasse perto da panela! Só não foi o primeiro a se servir porque o povo
ameaçou-o prender junto aos porcos para conhecer a “fábrica” de Adão Roberge. Não
foi o primeiro, mas foi o segundo a experimentar a saborosa feijoada. Não parou
mais de comer!
João Esganado, naquele dia, bateu seu próprio recorde. Comeu por cinco
adultos e, cara-de-pau, pediu uma sobremesa. Já eram 4h da tarde. Naquela
altura, o homem não mais falava direito, apenas resmungava e fazia gestos. Por
isso mesmo é que a sobremesa não chegou a tempo...
Entre uma e outra garfada, João ficou branco igual a canela de inglês.
Começou a passar mal, de tanto que havia comido. O coitado caiu estrebuchado,
rolando pelo quintal de Adão Roberge como se fosse uma tora de pinheiro, fazendo
grande estrondo. O homem só foi parar quando um valo lhe serviu de cama,
ficando lá entalado com a barrigona para cima. Por pouco não atropelou o
cachorro de Adão Roberge, de nome Baíto Roberge!
Naquela altura, a correria do povo era grande, pois Esganado começou a
tremer e a urrar. Não podia levantar do valo e, em último esforço, desmaiou.
A mulherada fez uma gritaria tremenda. Realmente, parecia que João
Esganado havia morrido, mas o homem ainda respirava. Não havia médico na
localidade e o hospital era distante. A situação era crítica. A única saída
seria chamar um curandeiro que morava na localidade vizinha, também distante, e
assim foi feito.
Nesse período, João continuava desmaiado e o povaréu se agitava. Dentre
os curiosos que rodeavam o doente, havia um agricultor mui espirituoso,
conhecido por Zé Cadela. Gritou com a cozinheira para trazer um chá ao João
Esganado. Naquela altura, tudo era válido para salvar o pobre homem.
Dito e feito. Apressou-se a velha senhora com o chá, tendo Zé Cadela baixado
a xícara nas narinas do enfermo, que ainda estava como morto. Nesse momento, quase
que por encanto, João Esganado acordou e abriu bem os olhos! Foi aquele
rebuliço, um falatório grande, vivas e palmas para o Zé Cadela e o chá
milagroso!
Chegaram a esquecer do João Esganado, tamanha a festa, até que Zé Cadela percebeu
a tentativa do doente em falar algo. Fez-se o silêncio, deu-se a palavra ao
mesmo e este, bem baixinho, repetiu:
- Cháaaaaa, cháaaaaaaaa, cháaaaaaa, quero mais cháaaa..
Buscaram mais uma xícara de chá e entregaram-na ao João. Nesse momento,
em grande esforço, João Esganado olhou diretamente para a cozinheira e depois
para a mesa, perguntando:
- Por acaso não teria uma bolachinha para acompanhar o chá?
O homem era incrível!
-------------
Por George Wagner
Nomes e apelidos fictícios
Dezembro de 2008
2 comentários:
Estimada professora, obrigado pela publicação!
O tal do João esganado era Incrível mesmo! Adorei a ideia, muito legal.
ARTHUR
Postar um comentário