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sábado, 3 de novembro de 2012

A Política - Aristóteles [parte 28 b]

Este desvio com relação aos princípios da aristocracia deve atribuir-se ao
erro do legislador que deveria ter percebido desde o começo que as pessoas
de bem devem estar acima da tentação da necessidade quando ocupam um
cargo público e mesmo quando voltam a ser simples particulares. Além disso,
se se deve considerar a riqueza porque proporciona o ócio, não deixa de ser
absurdo admitir a venalidade nos grandes cargos, tais como a realeza e o
comando dos exércitos. Tais leis fazem com que a riqueza seja mais estimada
do que o mérito e tornam os cidadãos muito desejosos de se enriquecerem.
Tudo o que é estimado pelos que governam os outros domina imediatamente a
opinião pública. Ora, o governo aristocrático não está bem garantido num lugar
em que a virtude não está em primeiro lugar. O bom senso mostra que aqueles
que compram os cargos vão procurar ter de volta o que lhes custou para
alcançá-los. Não é absurdo que um homem de mérito seja tentado quando é
pobre e um homem sem mérito não o seja quando tem muitas despesas? Não
se deveriam oferecer os cargos senão aos que podem ocupá-los com honra,
mas se o legislador desconfiasse da pobreza dos homens de bem seria preciso
pelo menos providenciar para que seus magistrados estivessem em condições
de renunciar a suas ocupações domésticas para se entregarem inteiramente
aos deveres de seus cargos.
Trata-se também de um abuso tolerar a pluralidade dos cargos nas mãos de
um só, acúmulo de que se orgulham em Cartago. Uma função nunca é melhor
preenchida do que por quem só tem uma: é nisso que o legislador deveria ter
pensado. Não se deve exigir que um mesmo homem seja flautista e sapateiro.
Assim, quando um Estado não é pequeno demais, é mais político e mais
popular admitir nas funções públicas um maior número de pessoas. O trabalho,
mais uma vez, faz-se melhor e mais rapidamente. Isto é evidente, sobretudo no
caso militar e da marinha. É o único meio de fazer passar todo o mundo pelos
cargos, de modo que cada qual mande e obedeça alternadamente.
De resto, embora a República de Cartago se incline bastante para a
oligarquia, ela escapa com bastante agilidade dos seus inconvenientes, através
das colônias de pobres que envia para que façam fortuna nas cidades de sua
dependência. Este recurso prolonga a duração do Estado, mas é confiar demais
no acaso; devem-se abolir pela própria Constituição todas as causas de
sedição. Se acontecer alguma calamidade e a massa se revoltar contra a
autoridade não haverá leis que possam deter sua audácia, nem remediar a
desordem. 
Eis o que tinha a dizer das três Repúblicas, Lacedemônia, Creta e Cartago,
que gozaram de tão justa e tão universal reputação.

Notas sobre Licurgo e Alguns
Outros Legisladores
Dentre aqueles que escreveram sobre o governo civil, alguns sempre
levaram uma vida privada sem participar em nada dos negócios públicos;
passamo-los quase todos em revista, ao menos os que deixaram escritos
dignos de atenção; os outros foram legisladores quer em sua própria pátria,
quer em outro lugar. Dentre estes, alguns foram simplesmente autores de leis,
outros, autores de Constituição, como Licurgo e Sólon. Falamos bastante do
primeiro quando tratamos da República lacedemônia. Alguns contam o segundo
entre os bons legisladores, por ter destruído a oligarquia imoderada demais dos
atenienses, libertado o povo da servidão e estabelecido uma democracia bem
temperada pela mistura das outras formas, aproximadamente tal como era
antigamente. O Conselho, ou Senado do Areópago, é de fato oligárquico; a
eleição dos magistrados, aristocrática e a administração da justiça, muito
popular. O Areópago existia antes dele, assim como o modo de eleição dos
magistrados. Ele parece só ter tido o mérito de sua conservação. No entanto, foi
com certeza ele quem reergueu o povo, ao determinar que os juízes fossem
tirados de todas as classes.
Assim, censuram-no por ter ele próprio arruinado um ou outro, ou mesmo os
dois outros poderes de sua Constituição, entregando ao sorteio, quanto ao
terceiro, a nomeação dos juízes, e pondo todos sob a autoridade deles. Mal esta
inovação foi recebida e já fez nascer a raça dos demagogos, que, adulando o
povo, como se adulam os tiranos, reduziram o Estado à democracia atual.
Efialtes e Péricles rebaixaram o Areópago; o mesmo Péricles fez com que
fossem dados salários aos juízes. Imitando-o, todos os outros demagogos
aumentaram a autoridade do povo a ponto de trazerem o regime popular de que
somos testemunhas.
Todavia, sua instituição não parece ter estado entre as intenções de Sólon,
ela é antes efeito das circunstâncias. Tendo contribuído muito para o sucesso da
esquadra naval contra os persas, o povo começou a se envaidecer e a dar
ouvidos, apesar das sábias advertências de seus magistrados, aos conselhos
pérfidos de seus instigadores.
Sem dúvida, era necessário entregar ao povo, como fez Sólon, a nomeação
e a censura dos magistrados, sem o que ele seria escravo e,
conseqüentemente, inimigo do Estado. Mas Sólon quis ao mesmo tempo que os
magistrados fossem escolhidos dentre os nobres e os ricos: aqueles que
possuíssem quinhentos medinos de renda`, os que podiam alimentar um par de
bois, ou zeugitas, e enfim os cavaleiros, que formavam a terceira classe. A
quarta classe, composta de trabalhadores manuais, não tinha acesso a
nenhuma magistratura. 
Os outros legisladores memoráveis são Zaleuco, para os locrianos
epizefírios, e Carondas de Catânia para seus concidadãos e para as colônias
dos calcídios na Itália e na Sicília.
Alguns tentam fazer crer que Onomacrito de Lócris tenha sido o primeiro a
saber fazer leis e que, tendo passado de sua pátria a Creta, ali pôs à prova este
talento, embora não tivesse vindo senão para trabalhar como adivinho; dizem
também que teve por companheiro Tales, cujos discípulos foram Licurgo e
Zaleuco, que, por sua vez, teve Carondas como aluno. Há, porém, muitos
anacronismos nessa história.
Filolau, natural de Corinto, da raça dos Baquíadas, também deu leis aos
tebanos. Apaixonou-se por Díocles, vencedor nos jogos olímpicos, que,
detestando o amor incestuoso de Alcíone, sua mãe, deixou sua cidade e o
seguiu até Tebas, onde ambos morreram. Ainda hoje se mostram seus túmulos,
um em frente ao outro, mas colocados de tal forma que apenas de um deles se
pode ver o istmo de Corinto. Dizem que isto foi assim arranjado por eles
próprios, sobretudo por Díocles, em memória de sua desgraça, para subtrair
seu sepulcro dos olhares de Corinto, pela interposição do mausoléu de Filolau.
Esta foi a causa de sua estada em Tebas. As leis dadas por Filolau a seus
habitantes chamavam-se "proletárias" e atingiam, entre outras coisas, a
multidão das crianças. Ele cuidou especialmente, na partilha das terras, de que
os patrimônios fossem mantidos no mesmo número.
Carondas só tem de notável as penas contra os falsos testemunhos: foi o
primeiro a propô-las. De resto, foi até mais correto e zeloso em suas leis do que
os legisladores de hoje.
Filolau apresenta de particular a desigualdade das riquezas; Platão, a
comunidade das mulheres, das crianças e dos bens, além dos banquetes
públicos femininos; também é conhecida a sua lei contra a embriaguez, a lei em
favor da sobriedade dos presidentes de banquetes e a que diz respeito aos
exercícios militares e ao uso das duas mãos, pois ele não podia tolerar que se
servissem de uma e a outra permanecesse inútil.
Existem também algumas leis de Drácon, que ele acrescentou, por assim
dizer, à Constituição existente; distinguem-se pela extrema severidade das
penas.
Pítaco é também mais autor de leis do que fundador de República. Cita-se
uma lei sua contra os bêbados, que diz que as brigas entre eles, em estado de
embriaguez, serão punidas mais severamente do que se não tivessem bebido.

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