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sábado, 3 de novembro de 2012

A Política - Aristóteles [aparte 28]

A semelhança entre as duas Constituições, a de Creta e a da Lacedemônia,
é visível. 1° os ilotas lavram para os lacedemônios, assim como os Periecos
para os cretenses; 2° os dois povos têm os mesmos banquetes públicos,
banquetes estes que os lacedemônios hoje chamam de Fidítias, mas que
antigamente chamavam, como os cretenses, de Andries, prova de que tiraram
de lá este costume; 3° a divisão dos poderes é aproximadamente a mesma. Os
que são chamados de éforos na Lacedemônia chamam-se cosmos em Creta,
com a única diferença de que são somente cinco na Lacedemônia e dez em
Creta. São os mesmos senadores. Antes, os cretenses tinham seis; mais tarde,
suprimiram a realeza e entregaram aos cosmos o comando dos exércitos; 4° a
Assembléia nacional é aberta a todos os particulares, mas sua influência
limita-se a ratificar ou rejeitar os decretos dos senadores e dos cosmos.
A diferença é que: 1° os banquetes públicos são mais bem ordenados em
Creta do que na Lacedemônia. Aqui, cada qual traz sua parte segundo a
tabela, sem o que, como já dissemos, é excluído dos cargos públicos; em
Creta, pelo contrário, o banquete é mais cívico; 2°- de todas as frutas e
animais que os periecos oferecem, que provêm tanto das terras públicas
que exploram quanto das terras particulares, fazem-se duas partes, uma
destinada às despesas do culto e outros gastos públicos, outra aos
banquetes comuns. Assim, todos, homens, mulheres e crianças, são
alimentados às custas do tesouro público. Para alimentar todos, primeiro o
legislador deu ênfase àsobriedade, por ser útil à saúde; depois, ao
isolamento das mulheres, para que tivessem menos filhos; e depois, ainda, à
dissolução dos homens entre si, recurso que a lei tolera e sobre o qual nos
explicamos em outro lugar. Pelo menos é certo que Creta é superior à
Lacedemônia no que diz respeito a banquetes públicos.
Mas a instituição dos cosmos é muito pior do que a dos éforos. Os vícios de
uma também se encontram na outra, mas a dos cosmos não tem a vantagem da
eforia. Na Lacedemônia, o povo que escolhe os éforos tem também a faculdade
de escolhê-los dentre aqueles que bem quiser e, por conseguinte, de sua
própria classe, assim como de todas as outras, o que faz com que tenha
interesse em conservar o Estado. Em Creta, pelo contrário, os cosmos provêm
não de todas as classes, mas sim de certas famílias. Dos que foram cosmos,
tiram-se os senadores, dos quais se pode dizer tudo o que se disse dos da
Lacedemônia. A dispensa da prestação de contas é a perpetuidade são
prerrogativas muito acima de seu mérito. A falta de leis que possam servir-lhes
de regra para julgar e o caráter arbitrário de seus julgamentos não dão nenhuma
segurança a seus réus. 
Do fato de que o povo, que está excluído desta magistratura, não pareça
importar-se com isso não decorre nenhuma prova de que ela seja bem
constituída; isto ocorre porque ela não oferece nada à sua ambição. Residindo
numa ilha, os cosmos estão mais afastados dos que poderiam suborná-los
através de presentes, como se corrompem os éforos. O remédio contra o
suborno é, aliás, bastante propício a desencorajar do cargo; é um remédio não
razoável, incivil e cheio de violência. Cassam-se os cosmos sem processo e, de
ordinário, pela insurreição de outros cosmos ou de particulares amotinados. A
única graça que lhes concedem é deixar-lhes, antes da expulsão, a faculdade de
se demitir. Seria melhor, sem dúvida, que isso ocorresse em virtude da lei e não
por capricho, já que as vontades particulares não podem nunca ser uma regra
muito segura.
O pior de todos os males que essas destituições freqüentes acarretam é não
se poder assim obter justiça contra os poderosos, o que, apesar das
aparências, revela mais um Estado despótico do que uma verdadeira
República. O costume dos grandes é, quando são perseguidos ou condenados,
criar um partido para si mesmos entre o povo e seus amigos; põem ria chefia
alguém a quem conferem a autoridade suprema; depois disso, subvertem tudo e
se entregam a combates. Não equivale isso a dissolver temporariamente a
sociedade civil e não correria ela o perigo de morrer para sempre se houvesse
por certo alguma potência em condições e com a intenção de se apoderar dela?
Felizmente, o Estado é defendido pela natureza do lugar e pela dificuldade de
acesso, que não permite invasões súbitas. Eis por que os periecos
permanecem obedientes, enquanto os ilotas não param de se revoltar. Além
disso, os cretenses não têm nenhuma comunicação fora de sua ilha. Nada prova
melhor a debilidade de sua Constituição do que a guerra exterior que lhes
aconteceu há pouco.
Eis o que tinhamos a dizer dessa forma de governo. Os cartagineses
também parecem muito bem constituídos politicamente`. Sob muitos
aspectos, sua República é superior à dos outros povos e em alguns pontos
se aproxima da dos lacedemônios; pois estas três Repúblicas, a de Creta, a
da Lacedemônia e a de Cartago, têm muitas semelhanças entre si e muitas
diferenças com relação às outras. O regime de Cartago, em geral, é
sabiamente ordenado. A pedra de toque de uma boa Constituição é a
perseverança voluntária e livre do povo na ordem estabelecida, sem que
jamais tenha ocorrido nem alguma sedição notável de sua parte nem
opressão da parte dos que a governam. 
A República de Cartago tem em comum com a da Lacedemônia: 1° o que
nesta se chama Fidítias, ou refeições públicas entre pessoas da mesma classe;
2° seu "Centunvirato", que corresponde ao colégio dos éforos, com a diferença
de ser composto de cento e quarenta membros e de ser melhor recrutado, isto
é, não escolhido ao acaso e dentre o vulgo, mas sim dentre o que há de mais
eminente em matéria de mérito; 3° seus reis e seu Senado são como na
Lacedemônia, mas escolhidos de modo bem melhor, tendo Cartago criado uma
lei que determina que seus reis não sejam tirados nem da mesma raça nem de
uma raça indiferente, mas dentre uma elite distinta, levando mais em
consideração o talento do que a idade. Não há nada de mais nocivo ao Estado
do que as pessoas sem mérito a que se confiam os maiores interesses. A
Lacedemônia sofreu por isso vezes sem conta.
A maior parte dos pontos que criticamos por se afastarem dos princípios de
toda boa Constituição são comuns às três Repúblicas. No entanto, embora
todas elas tenham um jeito de aristocracia ou de República, inclinam-se um
pouco mais para a democracia, sob certos aspectos, e, sob outros, para a
oligarquia.
Em Cartago, pertence ao poder dos reis e do Senado levar ou não suas
deliberações até o povo, pois, se estiverem de acordo, se tornam lei, mas se
tiverem opiniões diferentes, cabe ao povo decidir. Ele é senhor não apenas de
não aprovar nenhuma das opiniões dos reis ou do Senado, mas também de
sentenciar de modo totalmente diferente, depois de uma discussão na qual
quem quer que seja pode pedir a palavra e combater as opiniões submetidas a
exame, o que está próximo da democracia e não ocorre em nenhuma das duas
outras Repúblicas.
A oligarquia também se revela, 1°- no fato de que épelos reis e pelo Senado
que se escolhem os membros da pentarquia; 2°- no fato de que ela, por sua vez,
escolhe os Cem, um grupo também eminente; 3° no fato de que o poder destes
pentarcas dura mais do que os outros, começando desde o instante da
nomeação e continuando mesmo depois do tempo prescrito.
A aristocracia só aparece no fato de que os magistrados não são
assalariados, nem sorteados. Além disso, eles não se dividem, como na
Lacedemônia, para julgar as diversas causas, mas todos as conhecem e se
pronunciam sobre todas. Todavia, ela própria degenera em oligarquia, pela
opinião quase geral de que, para a elegibilidade, se deve considerar não
apenas o mérito, mas também as riquezas; pois não se acredita que o pobre
possa ficar sem nada fazer e desempenhar sua função pública com
desinteresse. Ora, é aristocrático só considerar o mérito e oligárquico só eleger
de acordo com a opulência. A Constituição dos cartagineses, portanto, parece
formar uma terceira espécie mista, pois elegem seus primeiros magistrados, e
até seus reis e generais de exército, pelo mérito e pela opulência. 

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