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sexta-feira, 12 de outubro de 2012

As Experiências de Walter Benjamin - 4


exposto um amontoado de "objetos fora de moda, fragmentados, inutilizáveis, quase incompreensíveis,
perversos, enfim" 27, o artista analisava os inúmeros lugares que Paris abrigava. Eram espaços onde os objetos eram desviados de seu uso habitual, podendo se tornar, assim, objetos mágicos. “A cidade se transforma, com os surrealistas, nesse inesgotável campo de experiências no qual a errância, auxiliada pela mão do acaso, pode conduzir às situações mais extraordinárias” 28.
Não apenas os artistas e maltrapilhos, como também as crianças, seriam focos de resistência na
modernidade, seriam como espadachins. Em Infância e Pensamento, Gagnebin escreveu sobre as crianças e a posição diferenciada que assumem diante dos adultos, onde elas vêem ''aquilo que o adulto não vê mais, os pobres que moram nos porões cujas janelas beiram as calçadas, ou as figuras menores nas bases das estátuas erigidas para os vencedores'' 29. É dessa dimensão que as crianças olham o mundo, marcando com suas perguntas as bordas, as falhas, o invisível, o inaudito. Benjamin, desde o texto Experiência, revelou a sua preocupação com os estudos sobre a criança. Criticava duramente o moralismo dos livros infantis e a forma infantilista do adulto se relacionar com a criança. Para o filósofo, “nada é mais ocioso que a tentativa febril de produzir objetos supostamente apropriados às crianças” 30. Alertava que os pedagogos não percebiam como a terra estava repleta de “substâncias puras e infalsificáveis capazes de despertar a atenção infantil” 31. Se observarmos uma criança, notaremos como ela se sente atraída pelos detritos: ao visitarem oficinas de costura, carpintaria, atividades de jardinagem elas não raramente vão vasculhar os restos, as sobras, os trapos... A partir dos detritos que recolhem, não imitam o mundo dos adultos, mas colocam os restos e resíduos em uma relação nova e original. Segundo o autor, os contos de fadas seriam uma dessas criações compostas por detritos, surgida no processo de produção e decadência da saga. “A criança lida com os elementos dos contos de fada de modo tão soberano e imparcial como com retalhos e tijolos. O mesmo ocorre com a canção e com a fábula” 32. Nesse sentido, se a atividade de narração se esvai nos tempos modernos, às crianças são cada vez mais destinadas canções folclóricas, estórias, contos e parlendas... A criança cria suas brincadeiras e seus prazeres a partir do “lixo da história”. Se a nossa
modernidade já não nos permite mais compartilhar conselhos e experiências, as crianças, de alguma forma, ainda mantém laços com a tradição, com o povo, com a história.

CONCLUSÃO
O sujeito moderno não só está informado e opina, mas também é um consumidor voraz e insaciável
de notícias, de novidades, um curioso impenitente, eternamente insatisfeito. Quer estar permanentemente excitado e já se tornou incapaz de silêncio. Ao sujeito do estímulo, da vivência
pontual, tudo o atravessa, tudo o excita, tudo o agita, tudo o choca, mas nada lhe acontece. Por isso a velocidade e o que ela provoca, a falta de silêncio e de memória, é também inimiga mortal da
experiência. 33 Mais de meio século se passou desde que Benjamin discutiu o conceito de experiência. No entanto, na epígrafe acima vimos uma citação de Jorge Larrosa declaradamente inspirada no autor alemão. Isso pode significar que hoje ainda continuamos a viver um tempo repleto de novidades, informações, conhecimentos, cultura. Nos encontramos “saciados e exaustos de cultura” 34, mas consoante Benjamin, queremos dela nos libertar, pois estamos cansados. Por isso sonhamos, já que o sonho se mantém realizando a existência que já não pode se mais ter durante o dia. O sonho seria uma necessidade da vivência individual e solitária dos homens. 
Em pleno século XXI alguns dos mais influentes psicanalistas acreditam que enquanto dormimos o sonho
continua acontecendo, mas cada vez menos o sonho surpreende os sonhadores. Chaim Samuel Katz e Jurandir Freire Costa alertam que os relatos de sonhos estão se tornando cada vez mais escassos nas sessões psicoterápicas, e se o sonho está em crise é porque a sociedade também está. Configura-se um tempo em que até o sonho não causa mais a reação de espanto, necessária à criação. O sonho também estaria vigiado, controlado, banalizado? É verdadeiro que a maioria dos autores mais relevantes de estudos sociológicos já consideram ter havido uma cisão na história, não sendo possível mais falar em modernidade, mas de pós-modernidade ou hipermodernidade. Será que assistimos a uma nova crise ou será que foi a crise que não passou, apenas piorou?
É certo que as configurações sociais se modificaram, tanto quanto a economia, a política, a cultura... Não
obstante o neoliberalismo e a globalização permanecem a semear a conduta do indivíduo centrado em si mesmo, preocupado com as tendências da moda, da indústria do consumo, do lucro, das competências, da vaidade. 
Amiúde as pessoas se entregam a seus prazeres imediatistas e pouco partilham suas vivências, tristezas,
felicidades e sonhos. Por outro lado, assistimos nas artes contemporâneas a presença cada vez mais intensa das idéias de discursos polifônicos, da autoria coletiva. Crescem os estudos sobre arte eletrônica, arte digital, interatividade, cyberperformances, instalações, surgem as obras abertas, além da própria internet com suas salas de bate papo, chats, messengers, Orkut... Outras qualidades de comunidade se constroem com as pessoas esvaziando os espaços públicos e se rendendo aos encontros virtuais? Além disso, em que consistem as discussões do meio ambiente e o tema da reciclagem em grande escala, realizado por empresas? A arte com sucatas, orquestras de panela velha, ferros e outros lixos tornaram-se must, pois o tema dos detritos tornou-se a propaganda da reciclagem. Hoje se fala até de reciclagem de professores. Por fim, os andarilhos das cidades aumentam vertiginosamente, os moradores de rua se tornam constantes nas paisagens urbanas, com famílias inteiras debaixo da ponte – pode existir alguma poesia sobre essa tragédia assim como os surrealistas no início do século passado compuseram?
É interessante captar o essencial do pensamento benjaminiano, pois, até certo ponto, ele permanece atual.
A impressão geral é que os chocs se multiplicam a cada avanço tecnológico. Talvez uma espécie de desaceleração ainda seja necessária em nossas vidas para que possamos voltar a experimentar as coisas nas suas verdades, nas suas autenticidades, com paixão. Para que sejamos mais experientes talvez tenhamos mesmo que ser menos executivos e compromissados, largando de mão o celular, o e-mail, as obrigações e sendo mais passivos, menosativos, mais câmera lenta e menos vídeo-clip. Mesmo assim, é importante visualizar como o contexto atual se nos abre, refletindo, por exemplo, se o popular Ócio criativo do italiano De Masi seria um movimento de resistência.
Atentemos para os recentes desafios, para não tomarmos como base apenas a sociedade que Benjamin criticou.
Naqueles tempos, o narrador, o flauner e o artesão poderiam ser os protótipos da resistência, mas será que hoje podemos configurá-los como tal?

REFERÊNCIAS :
BARRENECHEA, M. A. Proust e os limites da memória: a arte como salvação. In: Morpheus: Revista Eletrônica em
Ciências Humanas. Rio de Janeiro. n. 4, 2004. http://www.unirio.br/cead/morpheus/Numero04-
2004/mbarrenechea.htm.
BENJAMIN, W. Haxixe. São Paulo: Brasiliense, 1984
_________________ Obras escolhidas vol. I : magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense,1993.

_________________ Reflexões sobre o brinquedo, a criança e a educação, São Paulo: Ed. 34, 2002.
_________________ et all. Textos escolhidos. São Paulo: Abril Cultural, 1983. (Coleção Os Pensadores).
DELEUZE, G. “O ato de criação”. In: Folha de São Paulo, Caderno Mais!, 27/06/1999, p. 5.
GAGNEBIN, J.M. “Infância e pensamento”. In: GHIRALDELLI JUNIOR, P. (org.). Infância, escola e modernidade.
São Paulo: Cortez; Curitiba: Editora UFPR. 1997. pp. 83-100.
_______________. “Memória, história, testemunho”. In: Memória e (res)sentimento. Indagações sobre uma questão
sensível, BRESCIANI, S.;NAXARA, M (orgs). Campinas: Ed. Unicamp, 2001.
LARROSA, J. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Palestra proferida no 13º COLE-Congresso de
Leitura do Brasil, Unicamp, Campinas/SP, julho de 2001. <http://
www.miniweb.com.br/Atualidade/INFO/textos/saber.htm>. Acesso em junho de 2005.
NASCIMENTO, F. “Notas sobre o mito literário de Paris: de Restif aos surrealistas”. Agulha - Revista de Cultura, n.º
25, São Paulo, junho de 2002.
ROUANET, S.P. “É a Cidade que Habita os Homens ou São Eles que Moram Nela?”. Dossiê Walter Benjamin, n.
15, set.-nov. 1992, pp. 48-72.
NOTAS
1 LARROSA, 2001:2.
2 BENJAMIN, 1993:119.
3 DELEUZE, 1999:5.
4 BENJAMIN, op.cit:201.
5 BENJAMIN, op.cit:116.
6 BENJAMIN,1983:31.
7 BENJAMIN,op.cit:34.
8 BENJAMIN,op.cit:41.
9 BENJAMIN,op.cit:51.
10 ROUANET, 1992:51.

11
BENJAMIN, 1984:33.
12 BENJAMIN, 1983:53.
13 BENJAMIN, 1993:31.
14 idem.
15 idem.
16 BENJAMIN, 1993:37.
17 idem.
18 idem.
19 BARRENECHEA, 2004.
20 idem.
21 BENJAMIN, 1993:231.
22 BENJAMIN, 1984:17.
23 BENJAMIN, op.cit:17.
24 idem.
25 idem.
26 BENJAMIN, 1993: 118.
27 BRETON apud NASCIMENTO, 2002.
28 NASCIMENTO, 2002.
29 GAGNEBIN, 1997:192.
30 BENJAMIN,1993:237.
31 idem.
32 BENJAMIN, op.cit:240.

33 LARROSA, 2001:3.
34 BENJAMIN, 1993:117.



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