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domingo, 28 de outubro de 2012

A Política - Aristóteles [parte 22 b]

O Desinteresse
Os atuais demagogos, para fazer a corte ao povo, proporcionam-lhe
através dos tribunais muitos confiscos. Aqueles que se preocupam com a
segurança do Estado devem agir de modo inverso e, em vez de se apoderar em
proveito do povo dos bens dos condenados, consagrá-los à religião. A pena
será a mesma e deterá igualmente os crimes, mas o povo terá menos pressa
para condenar, pois não tirará nenhum proveito da sentença. Além disso, os
legisladores devem fazer com que as acusações públicas se tornem muito raras,
estabelecendo penas pesadas contra os que agirem levianamente, pois não são
as pessoas do povo, mas sim as dos meios refinados que assim se costumam
atacar e humilhar.
Deve-se inspirar a todos, e sobretudo aos cidadãos, um afeto pelo
governo tão grande quanto possível, para ao menos se evitar que considerem os
grandes como inimigos.
Como as últimas espécies de democracia contam um povo numeroso e é
quase impossível a toda essa gente assistir às Assembleias sem pagamento,
as pessoas de certa situação correrão grandes riscos se o Estado não tiver
rendas. Só se subsidiará essa despesa esmagando-os com impostos e
mandando confiscar seus bens por tribunais vendidos à iniquidade. Isso já
precipitou a subversão de muitas democracias. Portanto, quando o Estado só
tem poucos recursos, só deve haver Assembleias nacionais muito raramente e
tribunais numerosos só por muito poucos dias.
Os ricos temerão menos a despesa e verão sem maiores preocupações
que não lhes são concedidos honorários, mas apenas aos pobres. Isto também
pode ter como efeito fazer com que se julguem muito melhor os processos. Os
ricos não se ausentam de bom grado de suas casas por muito tempo, mas se
dispõem a isso quando se trata de um tempo bastante curto. 
Se houver rendas suficientes, não se deve, como fazem os demagogos,
distribuir à arraia-miúda o dinheiro que sobrar. Mal o recebem e já voltam a cair
na indigência, pois essas pessoas são tonéis furados a que essa liberalidade
não traz nenhum proveito.
Um homem realmente popular deve antes cuidar de que o povo não seja
pobre demais. A miséria é a fonte de todos os males na democracia. Assim,
devem-se encontrar meios de tornar todos abastados de maneira duradoura;
isto servirá aos próprios ricos. O melhor emprego das rendas públicas, quando
a sua percepção está terminada, é auxiliar amplamente os pobres, para
colocá-los em condições ou de comprar um pedaço de terra ou os instrumentos
para a lavoura, ou de abrir um pequeno comércio. Se não for possível ajudá-los
a todos, deve-se pelo menos verter os subsídios na caixa de alguma tribo ou
cúria ou de alguma porção do Estado, ora uma, ora outra. Far-se-á com que os
ricos contribuam para as despesas das Assembleias necessárias, de
preferência a esbanjamentos frívolos e meramente aparatosos. Por meio disso,
o governo cartaginês tornou-se popular, empregando sempre alguém do povo
nas administrações provinciais, para que aí fizessem fortuna. É próprio de um
grande discernimento e de uma alma nobre, quando se é rico, proteger os
pobres e lhes oferecer oportunidade e meios para trabalhar.
O exemplo dos habitantes de Tarento revela-se, assim, muito digno de se
imitar. Eles põem em comum alguns bens para uso dos pobres, e com isto
conquistam o afeto do povo. Quanto a seus magistrados, escolhem-nos de duas
maneiras, uns por eleição, outros por sorteio; os segundos para que o povo
possa participar, e os primeiros para que os cargos sejam melhor preenchidos.
Podem-se tomar ainda outras disposições sobre a mesma magistratura e
conferi-Ia alternadamente por sorteio e por eleição.

A Virtude e a Educação
Três qualidades se impõem nos chefes de governo: o apego à Constituição
atual do Estado, a maior habilidade adquirida com o exercício e a administração
das funções de governo, um gênero de virtude e de justiça adaptada ao regime,
pois, não sendo o direito o mesmo em todas as Constituições, a justiça deve
necessariamente ser diferente.
Uma primeira dificuldade aparece quando nem todas estas condições se
acham na mesma pessoa. Se, por exemplo, tal homem é capaz de comandar
um exército, porém, no mais, não tem probidade e tem pouca afeição pelo
governo; e tal outro se revela unicamente honesto e bem intencionado, qual dos
dois se escolherá para general? Acho que se devem considerar dois pontos: o
que se encontra mais comumente em todos os homens e o que se encontra
menos. Assim, para eleger um general de exército, deve-se considerar mais a
experiência militar do que a virtude, pois há menos generais experientes do que
homens virtuosos. O caso é totalmente contrário no que diz respeito à
administração das finanças, pois aí é preciso mais probidade do que tem o
comum dos homens. 
Quanto à ciência, todos a têm em medida suficiente para conservar o que lhes
é confiado.
Eis uma outra questão: suponhamos que alguém tenha talentos suficientes
para governar e também apego ao Estado; neste caso, será preciso que tenha
também virtude, já que, usando destas duas primeiras qualidades, esta pessoa
se sai bem em suas funções? Não será mais necessário que tenha virtude, já
que, apesar destes dois méritos, poderia não ter uma alma desinteressada?
Sim, sem dúvida, pois pessoas sem caráter, com todo o seu saber, não são
senhoras de si mesmas e muitas vezes ouvem mais, em seus próprios
negócios, sua paixão do que seu interesse. Fariam o mesmo na gestão dos
negócios públicos.
Em geral, chamamos interesse público tudo o que é regulado pelas leis para
a conservação dos Estados. O ponto essencial, porém, como já dissemos
várias vezes, é fazer com que a parte satisfeita com a situação presente seja
mais poderosa do que a que não estiver contente.
Uma coisa que convém saber, embora ignorada nos Estados depravados
que perderam de vista o justo meio, é que vários meios considerados populares
corrompem as democracias e vários meios considerados oligárquicos
corrompem as oligarquias. Toma-se muitas vezes por virtude e perfeição o que
não passa de excesso.
O exemplo do nariz tornará mais clara a coisa: um nariz que se afasta da
linha reta, que tende para o aquilino ou é arrebitado, ainda pode agradar; mas
se se alongar ou se encurtar demais, primeiro sairá da justa medida e, por fim,
cairá tanto no excesso ou na falta que não será mais um nariz. O mesmo ocorre
com as outras partes do corpo, e também com os regimes. A oligarquia e a
democracia podem subsistir, embora se afastando de seu desígnio e de sua
perfeição. Mas se dermos demasiada extensão ao seu princípio, primeiro
tornaremos pior o governo, e, no final, chegaremos a tal ponto que ele nem será
mais digno deste nome. Portanto, o legislador e o homem de Estado não devem
ignorar quais são os meios populares que conservam ou destroem a
democracia e quais os procedimentos próprios a ela que produzem o mesmo
efeito na oligarquia. Nem um nem outro desses dois Estados podem existir sem
homens ricos e sem o que se chama arraia-miúda. Se as riquezas se tornarem
iguais, necessariamente o Estado mudará de forma; destruindo os ricos ou o
povo através de leis extremadas, arruínam-se, pois, esses Estados.

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