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terça-feira, 7 de agosto de 2012

Zumbis urbanos - Aluna: Tassya Mariane da Silva

Em uma manhã de quarta-feira, como em todas as manhãs do ano, das cinco horas às
sete e meia está lá o espaço vazio, ninguém a povoá-lo. Na rua já estão algumas portas e
janelas escancaradas, mostrando as verdades das famílias, outras ainda em estado de sono.
Algumas casas exalam os felizes aromas de: cafés, chás, leites, cuscuz; charque, tapioca,
banana cozida, banana frita, bolos, torradas. Em outras só restam os pratos e talheres para
serem lavados.
Volto a minha atenção às calçadas e percebo que a essa altura do dia as pessoas já
circulam na velocidade que é exigida por mais um dia de trabalho. Nesse momento, elas no
máximo se cumprimentam e seguem preocupadas com a labuta diária para garantir o pão
da casa. As crianças da vizinhança acompanham o ritmo da vida da estimada Rua Duque
de Caxias. Parte delas caminha intrépida rumo à escola, outras são puxadas pelas mães aos
berros e reclamações de que terão chamada a atenção por chegarem atrasadas. As demais,
que só irão estudar em outro turno do dia, aproveitam para se agruparem para desfrutar
das mais diversas atividades: afiar o papo, jogar bola na rua, jogar dominó, jogar pião, pular
corda, invadir as casas dos outros para jogar Playstation. Essas coisas que são autorizadas
para quem ainda não sente na pele a responsabilidade do sustento do lar.
O sol segue seu transcurso normal, indo do nascente ao horizonte poente, e lança sobre
os telhados das singelas casas que compõem o cenário urbano os últimos raios solares de
um belo entardecer.
Recolho-me à ação de olhar para a minha rua e de sobressalto perceber o sentimento
que nutro por ela. Chega a ser tão forte que minha alma sangra ao pensar que um dia posso
até estar longe desse pequeno chão. É um sangramento tão intenso que os pingos dariam
para fazer um mar de amargura. Tranquilizo-me ao perceber que mesmo não estando
mais ali levarei no coração os momentos bons deste lugar.

Percebo então que a noite se descortina com uma linda lua de outono, estrelas cintilantes
que reluzem num belo céu de interior e uma brisa fria convidativa para se agasalhar. A
noitinha vai caindo. Diminui o ritmo. Começa agora alguns vizinhos a se reunirem em frente
à casa de Badu, um conhecido morador daqui, para pôr a prosa em dia os mais diversos
assuntos e fofocas. Até gente de outras ruas vem para aumentar a roda de conversa.
A rua é, com toda a certeza, uma das mais conhecidas de Amaraji, tanto por seus causos
pitorescos quanto pelo fato de as águas do rio Amaraji a terem invadido, trazendo
perdas materiais para seus moradores, mas nenhuma morte. Esse dramático acontecimento
nos fez perceber o laço fraternal que os amarajienses mantêm conosco através do valioso
gesto de solidariedade num momento tão doloroso de nossa vida.
Já passa de uma hora da manhã, e eles ainda estão lá, a olhar e a criticar cada um que
ousa transitar por esse “torrão bendito”; parecem um bando de zumbis, penso eu. Eles falam,
riem e aplaudem seus comentários. Aplausos que servem de motivação aos fifis de
plantão. Queria eu ter um pouco do ar de observação daqueles que estão reunidos, não
para o lado da judiação, mas para poder observar além do eu.
O relógio já marca pouco mais das quatro horas da manhã. Sinto sono e no outro dia
irei estudar. Vou entrando e me recolhendo igualmente àqueles que combinaram um novo
encontro, e se foram, deixando um leve silêncio da madrugada, repousando no orvalho da
noite que está depositado nas calçadas. Os sorrisos vão consigo, e fico com sentimento de
gozo espiritual por presenciar aqueles instantes na rua onde moro.

Professora: Maria de Fátima da Silva Moraes Souza
Escola: Escola de Referência em Ensino Médio Antônio Alves de Araújo • Cidade: Amaraji – PE

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