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terça-feira, 7 de agosto de 2012

O armário - Aluno: Fabrício Miguel dos Santos

Estava eu faminto quando chegava da escola, as mulheres mexeriqueiras da comunidade
estavam todas reunidas onde, lá bem perto da minha casa, fica um lavatório comunitário.
Em vários sentidos, elas lavavam roupa suja. Atentas a tudo e a todos, para saber
qual assunto suas línguas afiadas iam estrear e gerar uma nova e deliciosa confusão. No
momento em que cruzava a calçada, o assunto de que elas falavam mesmo era dos carros
dos vizinhos e os paus d’água, sendo esses ladrões de galinha. Não era novidade o fato
de os maridos de tais mulheres estarem envolvidos, isso banalizava a situação que estava
sendo discutida.
De repente, em frente à casa da tia Mari, uma pequena aglomeração ganhava tamanho
e com o passar do tempo aumentava a curiosidade de uma população tão viciada em cotidianos
barracos. Eu, de lado, deixei o almoço, quando me impressionei com a rapidez que
a turma da fofoca largou a roupa e correu atrás do que acontecera. Lambiam os beiços
apressadas: qual calcanhar elas iam morder dessa vez?, pensava eu. Como bom integrante
da comunidade, também fui observar o fato. Já era grande, e impossível permear na imensa
confusão que se formara.
Espichavam o pescoço e falavam todas ao mesmo tempo. Fechada a porta da cozinha,
aumentava mais e mais o quiproquó. Boatos instantâneos eram aprontados sem demora, o
veneno esguichava e era poderoso, rendendo a todos e se fazendo envolver cada vez mais.
Tia Mari e Tia Bia são velhinhas aposentadas e moram juntas. E muito interessava os
seus guardados em dinheiro.
— Terá um monte de ladrões invadindo a casa da Tia Bia?
Isso gerou um dos mais feios fuzuês que aconteceram naquele lugar. Logo a possibilidade
de os pervertidos estarem lá foi descartada. Vinte foram as tentativas de ligações para
a polícia, porém todos viram uma coisa que fazia desistir de tal insistência: um negócio de
madeira pontiaguda que lembrava um caixão.

Começaram então a entoar cantos “veloríficos”, envolvidos em estrondosos berros.
— Tia Bia morreu!
Tão doentinha era ela que foi fácil acreditar. Mas, de repente, outro negócio novamente
surpreendeu. Estava uma velha branca na porta da casa, com uma camisola também branca,
e os poucos cabelos que tinha estavam arrepiados. A confusão abriu espaço e então
todos puderam ver: era a “alma da Tia Bia”.
Com a mesma falsidade que começaram a chorar, a situação fizera engolir: era como
quem corta cebola perto dos olhos. Em disparada, todos corriam de lá, e a confusão não
custou a se dissolver entre a comunidade.
Em meio a grandes confusões – porém deliciosas – um pequeno lugar nunca teve um
povo tão unido, acidentalmente merecido ser chamado de uma megafamília.
Ah, e a confusão? Tia Bia estava usando uma camisola branca que ganhara no Natal
passado – um mimo do seu filho, tão viajado.
O seu velhinho e espantoso cabelo combinava com o presente.
Porém, o que tapava a paisagem era um envelhecido armário. Estava sendo trocado de
lugar para dar espaço para um outro, novo. Talvez, por ser ele ultrapassado, atribuíram-lhe
a qualidade de caixão.

Professora: Ana Lúcia Costa Guedes Silva
Escola: E. M. E. F. Antônio Pedro dos Santos • Cidade: São Sebastião de Lagoa de Roça – PB

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