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terça-feira, 22 de maio de 2012

Temática: Crônica sobre a linguagem


A LÍNGUA


            “Cadê minha identidade?”, pergunta Agenor, indignado. Nele estava o aglutínio de parnasianistas, simbolistas, barrocos, modernistas, e principalmente, os nacionalistas. Ideologista por convicção e teimosia, abominava tudo o que era estrangeiro, quando este vinha com ímpetos de se camuflar  de adorno para se tornar raiz. Agenor defendia, aos filósofos miseráveis da quadra 34 onde morava, que a língua é a maior identidade de um povo.
            “Agenor vai ser prefeiro!”, ironizavam, brincavam, quando ele passava. Indignava-se quando reparava nos outdoors da sua rua, o marketing provocando o consumo, ao promover seus 50%off. Cadê nossa identidade? Percebia que nosso latim tropical eratrocado por uma pífia pompa de uma língua inglesa. Quando apurava os ouvidos na gritaria dos vizinhos a chamar os filhos para o almoço, eram só Michels, Jennifers, Cibyls, Cindys e Pauls.
            Um dia, na sala de espera do oftalmologista, desgovernou-se quando ouviu o menino responder à mãe que a palavra mais sonora que já ouvira da língua portuguesa era delivery, enquanto para ele sempre fôra bicicleta.
            Perdoou a ignorância do menino, mas o mesmo não pôde com a influência da mídia sobre a inoscência das crianças. Viu naquele garoto o contágio americano. Nada tinha contra o aprendizado de outras letras, só não entendia a substituição das nossas, pelos impronunciáveis The, Things, Thousand; por mais que ele quisesse, jamais conseguiria prender a língua nos dentes, como fazia o professor de inglês, e também Antonio Lingua Presa, morador da quadra 37.
            Agenor tentou convencer-me várias vezes a abolir do meu dia a dia, algumas palavras e ambos nos decepcionamos quando percebemos que ninguém nos cinemas conhecia outra saída a não ser Exit. No curso de informática, não existia um substituto para Enter. Nas etiquetas, como ficaria Frabricado em ao invés de Made in? E olha que estava em todas elas, desde as grifes exclusivas às liquidações das esquinas.
            No fim, culpamo-nos. Sentimo-nos integrantes do mesmo ciclo quando ao marcar um encontro, combinamos o shopping,e para avaliar a estética iríamos de bike, de mountain bike. Terminamos com OK e desligaos o telefone, porque um carro e seu autofalante anunciava, em inglês, o curso que, of course, o colégio oferecia, quando finalmente, desistiria daquela conversa, ligaria o moden, acessaria a Internet e procuraria um Chat. Em português, é claro.


Marinaldo de Silva e Silva

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